Ciência: divulgar ou perecer

Não resta dúvida. Divulgação científica é, cada vez mais, um tema candente no universo acadêmico. Reflexões sobre a prática de difundir o saber têm marcado presença nas reuniões da SBPC e, na última delas, em Recife, não teria por que ser diferente.

Quem teceu comentários entusiasmados acerca da popularização da ciência foi alguém tarimbado no tema: o químico Antonio Carlos Pavão – “sujeito que, em 1978, ao apresentar sua tese de doutorado, na Universidade de São Paulo (USP), deu as costas à banca e voltou-se ao público para discorrer sobre seu trabalho”, disse o químico Etelvino Bechara, memorando aquele momento simbólico que causara algum rebuliço.

Pavão acredita que pesquisa, ensino e divulgação são atividades não apenas complementares. “São, na verdade, indissociáveis.”

Pavão: “A ciência deve incentivar o aluno a construir, ele próprio, o conhecimento”

Além de professor e pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Pavão dirige o Espaço Ciência, um museu com experimentos interativos a céu aberto que tem feito sucesso no estado.

“Mais importante que levar a informação, é levar a metodologia científica para os jovens”, afirmou. “A ciência deve incentivar o aluno a construir, ele próprio, o conhecimento.”

Ele lembrou que Michael Faraday (1791-1867) tinha pouco mais de 20 anos quando descobriu a indução eletromagnética; e Albert Einstein (1879-1955), menos de 30 anos quando desenvolveu a teoria da relatividade.

A arte de divulgar ciência

Em sua conferência, Pavão convidou os ouvintes a uma incursão pela história da divulgação científica. Ele destacou a trajetória da Royal Institution, criada em 1799 por um grupo de cientistas britânicos para a produção e disseminação do conhecimento. “Os membros falavam sobre seus trabalhos em linguagem clara, simples e natural; hoje, em uma revista especializada, se duvidar, nem mesmo o autor entende o que ele próprio escreveu”, brincou Pavão.

As reuniões da Royal Institution eram abertas. Claro que os frequentadores eram, em geral, nobres e ilustrados. Mas pessoas ‘simples’ também passavam por lá – e talvez o exemplo mais emblemático tenha sido o próprio Faraday. Ele era ajudante de um boticário. Poucos imaginariam que, anos mais tarde, aquele jovem seria responsável por uma das descobertas científicas mais importantes de sua era.

Faraday foi além. Segundo Pavão, ele não era somente um grande cientista, mas também um exímio divulgador. No seio da Royal Institution, deu início às chamadas ‘conferências natalinas’ – ideia que se tornou tradição, mantida até hoje no Reino Unido. Tratam-se de palestras públicas sobre os mais diversificados temas científicos. Atualmente, são eventos de grande audiência, veiculados, inclusive, pela BBC.

Michael Faraday em conferência natalina
Michael Faraday em uma das famosas conferências natalinas da Royal Institution, criadas por ele em 1825 e realizadas até hoje. (litografia de Alexander Blaikley, 1816-1903)

A propósito, vale lembrar: um interessante ciclo de palestras inspirado nas conferências natalinas de Faraday foi organizado em dezembro passado, no Rio de Janeiro. Uma nova edição é esperada para o fim deste ano. (Provocação de interesse público: teriam as emissoras brasileiras interesse em enriquecer sua grade de programação veiculando um evento de tamanha relevância cultural e educacional?).

Alguns comentários

Recentemente, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) incluiu mecanismos para incentivar os pesquisadores brasileiros a incluir atividades de divulgação e educação científicas em seus currículos. Pavão elogiou a iniciativa. “Precisamos continuar avançando nesse sentido, para que esse trabalho seja cada vez mais reconhecido nos processos de avaliação dos órgãos de fomento à pesquisa”, ponderou. “Ao se dedicar à divulgação, um pesquisador qualifica muito mais suas pesquisas e seus trabalhos.”

Pavão: “Ao se dedicar à divulgação, um pesquisador qualifica muito mais suas pesquisas e seus trabalhos”

Sobre a educação em ciência, o químico acrescentou: “É comum ouvirmos aquele papo: tal professor é muito ‘crânio’, ele sabe tudo, mas não sabe ensinar bem.” Pavão disse não gostar desse tipo de conversa. “Se um professor não ensina bem, é provavelmente porque ele não tem clareza sobre o que sabe.”

Ao final da palestra, Etelvino Bechara trouxe à tona um exemplo que ilustra, talvez, uma saudável mudança de percepção por parte da própria comunidade científica. “Em uma das reuniões recentes dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, houve duras críticas aos colegas que não promoveram atividades de ensino e divulgação da ciência.”

Falando nisso, Bechara também lembrou do fortuito exemplo da Universidade de Victoria, no Canadá. “Lá, os professores têm obrigações contratuais de, pelo menos uma vez por semestre, dar uma palestra na rede de ensino fundamental da cidade.”

Henrique Kugler
Ciência Hoje On-line

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