Ciência e fantasia nas telas

O que pode ser mais surreal que um cavalo-marinho macho que dá à luz sua cria, ou as desconhecidas profundezas do oceano, ou ainda a enigmática quarta dimensão (o tempo)? Esses são alguns dos temas da obra do cineasta e biólogo francês Jean Painlevé, um dos precursores do cinema sobre ciência, que ganha espaço na mostra Surrealismo e vanguardas, em cartaz até 11 de agosto no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) Rio de Janeiro – onde também é exibida a exposição do pintor surrealista Salvador Dalí.

Painlevé inaugurou na década de 1920 o que chamava de cinema poético-científico, retratando principalmente a vida animal e submarina

Com mais de 200 documentários sobre ciência produzidos ao longo da vida, Painlevé inaugurou na década de 1920 o que chamava de cinema poético-científico, retratando principalmente a vida animal e submarina. Foi um dos primeiros a filmar debaixo d’água e revelar ao público o comportamento de estranhos seres aquáticos, como o polvo, o caranguejo, o cavalo-marinho e as anêmonas.

Em um de seus documentários mais famosos, O cavalo-marinho (1934), Painlevé narra o “angustiante trabalho de parto” do animal. Em outro clássico de sua obra, Bernard, o caranguejo (1930), o cineasta mostra o cotidiano do molusco de forma muito semelhante ao dos humanos. O mesmo ocorre no filme Hyas e Stenorhyncha (1929), que revela o balé de duas espécies de crustáceos que se movimentam ao som de Chopin.

“Não são documentários sobre natureza e ciência como os que estamos acostumados a ver no Discovery Channel; Painlevé monta toda uma história para cada animal que retrata, ele os humaniza e eles passam a ser personagens”, explica o curador da mostra do CCBB, Paulo Ricardo Almeida.

Assista ao documentário O cavalo-marinho (em francês)

Estética surrealista

Sua forma particular de retratar a natureza, ao misturar o rigor científico do biólogo com a fantasia do cineasta, chamou a atenção de seus contemporâneos surrealistas, como o poeta Antonin Artaud e os diretores Luis Buñuel e Jean Vigo. Painlevé, no entanto, nunca aderiu oficialmente ao movimento.

Apesar disso, o cineasta adotava uma estética surreal. Em artigo que escreveu para a revista mensal Surrealism em 1924, o artista expressa seu descontentamento com a cinematografia tradicional quando a própria realidade – levemente modificada com câmera lenta e desfoques – podia oferecer uma estética mais atrativa.

Sua forma particular de retratar a natureza, ao misturar o rigor científico do biólogo com a fantasia do cineasta, chamou a atenção de seus contemporâneos surrealistas

“Painlevé não se considerava um surrealista, mas criou um tipo de cinema que era único até então e que até hoje não existe em nenhum lugar do mundo”, diz Almeida. “Ele criou técnicas para filmar debaixo d’água e nos revelou um mundo estranho ao qual não temos acesso, um mundo tão fora do comum que chega a ser surreal.”

Além do mundo animal, Painlevé abordou os mistérios da matemática e da física. No documentário Imagens matemáticas da quarta dimensão (1937), o cineasta explica a noção do tempo.

Painlevé sempre teve uma longa história de proximidade com a ciência. Filho do matemático e duas vezes primeiro-ministro da França Paul Painlevé, chegou a frequentar a Escola Politécnica de Paris, mas abandou os estudos e optou por cursar medicina. Largou também a segunda opção de carreira, inconformado com o tratamento cruel que um de seus professores deu a um paciente com hidrocefalia. Foi então que se decidiu pela biologia, curso que concluiu e inspirou sua obra.

O artista frequentemente fazia mais de uma versão para seus filmes, uma mais acadêmica, para os cientistas, e outra para o público leigo. No CCBB, serão exibidos os filmes do segundo tipo, nos dias 7 (amanhã) e 10 deste mês. “O que mais atrai nesses documentários é que são divertidos, apresentam um humor refinado, são graciosos e leves”, conclui o curador da mostra.

Surrealismo e vanguardas
Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro
Rua Visconde de Itaboraí, s/nº – Centro/ RJ
Tel.: (21) 3808-2020
De 23/07 a 11/08, diariamente (exceto terças-feiras), das 14h às 20h

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line