Cinco perguntas sobre o zika vírus

Zika, microcefalia, Guillain-Barré. Se essas palavras não faziam parte do vocabulário dos brasileiros, recentemente tornaram-se recorrentes nos noticiários e nas redes sociais. Nos últimos dias, muito se alardeou sobre as relações entre a infecção pelo zika vírus e suas complicações, notadamente a síndrome de Guillain-Barré e, em mulheres grávidas, a gestação de bebês com microcefalia. O que a ciência diz sobre isso? Por enquanto, há mais perguntas que respostas. Para dois pesquisadores ouvidos pela CH Online, além tomar as medidas preventivas cabíveis, é preciso ter paciência. 

1) Como o zika vírus chegou ao Brasil?

Segundo a Fundação Oswaldo Cruz, uma das hipóteses é que o vírus tenha começado a circular no país por meio de turistas estrangeiros durante a Copa do Mundo de 2014. Outra é que o vírus tenha chegado durante o Campeonato Mundial de Canoa Polinésia, ocorrido em agosto do ano passado no Rio de Janeiro. O evento contou com a participação de diversos atletas da Polinésia Francesa, região da Oceania que viveu um surto recente de zika. 

O vírus foi identificado pela primeira vez no Brasil no fim de abril de 2015 e a análise de amostras de sangue de pacientes de Camaçari (BA), publicada em outubro na revista Emerging Infectious Diseases, revelou a semelhança da cepa com a encontrada na Polinésia Francesa, o que reforça a segunda hipótese. Além disso, pesquisas da Fiocruz com o líquido amniótico de duas gestantes na Paraíba detectaram o genótipo asiático do vírus – o outro genótipo conhecido é o africano.

2) Há pesquisas em andamento sobre este vírus no país?

Diversas instituições de pesquisa brasileiras tentam desvendar desde a interação do zika vírus com o Aedes aegypti e com o organismo humano até as complicações neurológicas associadas à doença. “Está todo mundo trabalhando em busca de explicações. São muitas perguntas a serem respondidas”, diz o infectologista Kleber Luz, pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, um dos estados mais afetados pelo surto. Ele faz parte de uma equipe de especialistas que tentam entender melhor a correlação do vírus com a microcefalia. “Vamos analisar materiais recolhidos de crianças que morreram após nascer com microcefalia”, detalha Luz. Além de uma recém-nascida cearense, o Ministério da Saúde anunciou na segunda-feira passada (30/11) que investiga seis mortes por suspeita de microcefalia causada pelo zika vírus.

“Esperamos compreender sua biologia e criar ferramentas rápidas de detecção dentro de um ou dois anos”

Outra proposta de estudo é liderada pelo virologista Rafael Franca, do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, unidade da Fundação Oswaldo Cruz em Pernambuco. O projeto, financiado por um convênio entre Reino Unido e Brasil, é desenvolvido em parceria com o Center of Virus Research da Universidade de Glasgow (Escócia) e conta com a colaboração da Universidade de São Paulo. “Cada centro vai abordar um aspecto, do desenvolvimento de novas ferramentas de análise e técnicas moleculares à criação de métodos de detecção de vírus e testes sorológicos, já que ainda não existe um kit específico para seu diagnóstico”, explica Franca. Entre os planos está o desenvolvimento de modelos animais para compreender a interação do vírus com os organismos e testar alternativas terapêuticas. “A gente tem o vírus isolado no laboratório e pode usá-lo para infectar neurônios cultivados em laboratório e tentar entender a ação do zika”, diz o pesquisador, que analisa o vírus desde as primeiras notificações de contágio no Brasil. “Esperamos compreender sua biologia e criar ferramentas rápidas de detecção dentro de um ou dois anos”, prevê.

Macaco Rhesus e o zika vírus
O zika vírus foi isolado pela primeira vez em um macaco Rhesus (‘Macaca mulatta’) que vivia na floresta de Zika, em Uganda, em 1947. Na década de 1960, o contágio por humanos se espalhou pela África e pela Ásia. Entretanto, a literatura sobre o vírus ainda é escassa. (foto: J.M.Garg/Wikimedia)

3) O que já se sabe sobre a relação entre o zika vírus e a microcefalia e por que essa relação não foi descoberta em surtos anteriores?

Até o momento, o que se sabe é que a presença do vírus está relacionada ao aumento de casos de microcefalia. “Algumas perguntas já começaram a ser respondidas, mas só teremos respostas mais consolidadas em dois ou três anos”, acredita Luz. A princípio, o período crítico para o desenvolvimento da doença é o contágio no primeiro trimestre da gravidez, mas a recomendação do Ministério da Saúde é adotar medidas preventivas durante toda a gestação, uma vez que ainda não se sabe exatamente como o zika atua no organismo.

“Algumas perguntas já começaram a ser respondidas, mas só teremos respostas mais consolidadas em dois ou três anos”

“No primeiro trimestre, o vírus pode cruzar a barreira placentária e infectar o feto em um momento crucial”, explica Franca. “Toda a maquinaria celular que deveria estar trabalhando para o desenvolvimento do das células do feto é subvertida pelo vírus para produzir partículas virais, ocasionando por exemplo um desenvolvimento deficiente das células neuronais, o que pode estar por trás dos casos de malformação dos bebês”, analisa o virologista.

Complicações graves associadas ao vírus zika foram registradas pela primeira vez em 2013, durante um surto na Polinésia Francesa com mais de 10 mil casos diagnosticados. Foram detectados cerca de 70 pacientes com problemas neurológicos (síndrome de Guillain-Barré e meningoencefalite) ou doenças autoimunes (leucopenia e púrpura trombocitopênica). Um relatório divulgado no dia 26 de novembro deste ano revelou que pelo menos 17 casos de fetos e recém-nascidos com má-formação do sistema nervoso central foram registrados após a epidemia. “É preciso considerar que na Polinésia o aborto é permitido e geralmente a gravidez é interrompida caso uma má-formação seja detectada durante o pré-natal. A pergunta que precisa ser feita é se aumentou o número de abortos nesse período”, acredita Luz.

4) Existe risco de transmissão para o feto no caso de mulheres que foram infectadas pelo vírus antes da gravidez?

Como não sabemos exatamente como o vírus age no organismo, os pesquisadores ainda buscam uma resposta precisa para esta pergunta. “O ideal é que a mulher infectada pela doença e que queira engravidar espere um pouco, até que a medicina conheça melhor a doença”, afirma Luz. “Tudo leva a crer que o período virêmico (tempo de circulação do vírus pelo organismo) é de dez dias, mas esperar alguns meses provavelmente é mais seguro”, completa Franca. 

“O ideal é que a mulher infectada pela doença e que queira engravidar espere um pouco, até que a medicina conheça melhor a doença”

Entretanto, o pesquisador ressalta que ainda não se sabe se a pessoa se torna imune após a infecção ou se pode haver complicações em contágios futuros. “Como só existe uma cepa em circulação no país, é possível que ela fique protegida pelos anticorpos que o corpo desenvolve”, acredita. “No caso da dengue, por exemplo, a infecção por um tipo de vírus torna a pessoa imune àquele tipo, mas pode piorar infecções por outros tipos, levando a complicações mais graves”, lembra o infectologista.

5) É possível desenvolver uma vacina contra o zika vírus?

A imunização contra o zika vírus, em tese, seria mais simples do que ocorre com o vírus da dengue, que demanda o desenvolvimento de uma vacina tetravalente contra os quatro sorotipos em circulação no país. “Como a zika não tem sorotipos documentados, acreditamos que uma vacina monovalente contra a cepa padrão, que é a asiática, seja eficiente”, pondera Franca. “De qualquer forma, essa vacina levaria anos para chegar à população, pois o processo é demorado e inclui diversas fases de testes de segurança. Além disso, precisamos entender se uma eventual vacina contra a dengue prejudicaria a imunização contra o zika”.

Simone Evangelista
Especial para a CH Online