Humilhação e reconhecimento do pai da geologia moderna

William Smith (1769-1839)

Plágio, cadeia, obstinação: esses são alguns dos elementos que tornaram a biografia do geólogo britânico William Smith (1769-1839) digna do roteiro de uma novela mexicana. Ele foi o primeiro a elaborar uma carta geológica, teve seu trabalho copiado e só obteve o devido reconhecimento com dezesseis anos de atraso. Impressionante e essencialmente dramática, essa história, ainda pouco conhecida no Brasil, é resgatada em um livro que recupera o nascimento da geologia moderna.

 

Em O mapa que mudou o mundo

, o jornalista inglês Simon Winchester relata de forma minuciosa todo o esforço solitário e exaustivo da aventura científica vivida por Smith nos vinte anos em que percorreu a Inglaterra. Com informações extraídas de cartas e do diário do geólogo britânico, Winchester descreve, numa narrativa dramática, a trajetória do pai da geologia moderna – do fracasso e do sofrimento a que foi submetido à honra finalmente recuperada.

 

Winchester contextualiza a virada do século 18 para o 19 ao descrever com detalhes a relação entre a aristocracia e a classe trabalhadora e o avanço do conhecimento científico sobre os preceitos religiosos. Ele conta que, na época, a sede pelo progresso apostava nos canais subterrâneos como vias expressas do futuro e explica como o estado de ânimo da Inglaterra – definido como “mania de canal” – influenciou a formação de Smith.

 

Construtor de canais em Londres, o geólogo percebeu em 1793 que as rochas eram dispostas em camadas e que os fósseis encontrados em cada uma delas eram bem diferentes uns dos outros. Decidiu relatar a descoberta num mapa que exibiria o então desconhecido subterrâneo do país e viajou durante vinte anos por todo o Reino Unido. Estudou rochas e fósseis e, em 1815, publicou o famoso mapa, pintado a mão, com cerca de 2,5 metros de altura por 2 de largura.

 

Quatro anos após a publicação, porém, Smith foi preso pelo acúmulo de dívidas e plagiado por aristocratas da recém-formada Sociedade Geológica de Londres, que o havia rejeitado. Um outro mapa, com proporções semelhantes, foi produzido a partir de cópias do mapa de Smith, sem que nenhuma menção a ele fosse feita. Numa tentativa de autobiografia, resgatada por Winchester, Smith escreveu: “A cópia parecia um fantasma do meu velho mapa. Fui posto de lado.”

 

A capa de O mapa que mudou o mundo se desdobra para formar uma reprodução da carta geológica da Inglaterra feita por William Smith

Depois de cumprir a pena, vagou sem emprego fixo pelo norte da Inglaterra durante dez anos, enquanto enfrentava a doença mental de sua esposa ninfomaníaca. O reconhecimento tardio veio somente em 1831, quando um aristocrata para quem trabalhara o colocou em contato com a Sociedade Geológica de Londres, que começou a reparar seu erro histórico. Smith foi, então, honrado com medalhas e passou a receber uma pensão, oferecida pelo rei Guilherme IV.

 

O reconhecimento total, no entanto, foi póstumo. Somente em 1865 a Sociedade passou a publicar o nome de Smith na legenda dos mapas. Nela, lê-se: “Um mapa geológico da Inglaterra e do País de Gales, por G.B. Greenough, Esq. FRS (com base no mapa original de Wm. Smith, 1815)”.

 

O mapa que mudou o mundo

conta com 32 ilustrações, algumas coloridas; um glossário de termos geológicos e outros pouco conhecidos; e uma lista de fontes e leitura recomendada, além da capa – que se desdobra numa reprodução adaptada do mapa original, com 64 x 45 cm.

 

O mapa que mudou o mundo – William Smith
e o nascimento da geologia moderna

Simon Winchester (trad: Suyan Marcondes Orsbon)
Rio de Janeiro, 2004, Editora Record
Telefone: (21) 2585-2000
412 páginas – R$ 64,90

Isabel Levy
Ciência Hoje On-line
29/10/04