Na trilha dos selvagens

Naquela manhã equatorial, mal sabiam que estavam prestes a cruzar a fronteira invisível que divide, no tempo e espaço, a civilização do homem branco da de índios selvagens.

A expedição duraria semanas. Lançaram-se pela floresta amazônica e, após percorrer as trilhas incertas da mata virgem que se descortina pelos rincões isolados entre Brasil e Peru, aqueles senhores de cabelos grisalhos e botas de couro atingiram seu objetivo audacioso. Pisaram onde nenhum homem branco jamais pisou: na terra intocada dos índios flecheiros.

Avistaram no solo úmido pequenas e frescas pegadas humanas – pelo espaçamento entre elas se calculava a velocidade olímpica daqueles passos de alguém que, com muito medo, corria por sua vida. Um contato iminente!

Se tais pegadas davam a certeza de que não estavam sozinhos, os sulcos rudimentares talhados há pouco nas cascas das árvores garantiam que forasteiros não eram bem-vindos. “Esses sinais pictóricos querem dizer ‘fiquem longe’”, garantiu o líder da expedição. “É a linguagem universal da floresta.”

Capa do livro 'The unconquered'A íntegra dessa aventura é o enredo do livro The unconquered: in search of the Amazon’s last uncontacted tribes (em tradução livre, algo como “Os não conquistados: em busca das últimas tribos não contatadas da Amazônia”), do jornalista e escritor estadunidense Scott Wallace.

Em 2002 ele foi recrutado pela National Geographic Society para documentar as expedições lideradas pelo sertanista brasileiro Sydney Possuelo, ex-dirigente da Fundação Nacional do Índio (Funai), mateiro por excelência e defensor contumaz dos povos tradicionais da floresta.

O objetivo de Possuelo – acompanhado por uma equipe de outras 34 pessoas, entre indigenistas, mateiros, intérpretes e ajudantes – era tão desafiador quanto paradoxal: encontrar o território dos arredios índios flecheiros, estudá-los e mapear o perímetro de suas terras. Mas sem, em hipótese alguma, tentar contatá-los.

Momentos de clímax

Em 494 páginas, o livro registra essa fascinante história de antropologia, aventura e perigo, narrada em primeira pessoa, pelas terras inacessíveis de uma das últimas tribos isoladas remanescentes na imensidão verde que é a Amazônia.

“Um dos momentos mais excitantes da aventura foi quando encontramos vestígios de que estávamos de fato no território dos índios flecheiros”, disse Wallace à CH On-line. Folhas de palmeira artificialmente dispostas no chão eram indício claro de que, há pouquíssimo tempo, pessoas haviam estado ali. Restos de fruta espalhavam-se no entorno.

Índio Matis
Entre os membros da expedição estavam alguns indígenas Matis, que exibem adornos tradicionais perfurando a face. A etnia dos Matis foi contatada pela primeira vez em 1975. (foto: © Scott Wallace)

Outro momento marcante, talvez o clímax da leitura, é quando os exploradores avistam pegadas frescas de pés descalços na terra. “Eles estavam muito próximos de nós, e os ouvíamos conversando entre si”, narra o autor. “Não podíamos vê-los, mas tínhamos certeza de que nos estavam observando.”

Em tons quase meditativos de reflexão, Wallace escreve sobre a distância sensível que separa dois mundos tão diferentes. “É como se esses indígenas vivessem em outro universo. Eles são preciosos, e merecem ser protegidos.”

The unconquered, lançado nos Estados Unidos no segundo semestre do ano passado, foi uma das obras mais comentadas no último encontro da Sociedade dos Jornalistas Ambientais dos Estados Unidos, realizado em Miami no último mês de outubro.

Segundo o autor, algumas editoras brasileiras já demonstraram interesse pela edição nacional do livro. Quem sabe em breve ele esteja disponível em português.

The unconquered: in search of the Amazon’s
last uncontacted tribes
Scott Wallace
Nova Iorque, 2011, Crown Publishers
494 páginas – US$17

 

Henrique Kugler
Ciência Hoje/ RJ