Senhor das libélulas

Entomólogo, neurologista, ambientalista, escritor. Figura importante e querida no mundo da zoologia, Ângelo Machado tem 81 anos dedicados, de diversas maneiras, à natureza. Descreveu cerca de 100 das 859 espécies de libélulas conhecidas no Brasil, publicou 40 livros, 37 deles infantis, e sete peças de teatro. Criou a Fundação Biodiversitas, que tem como objetivo preservar espécies ameaçadas de extinção, e foi presidente da comissão de meio-ambiente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), além de membro do conselho editorial das revistas Ciência Hoje e Ciência Hoje das Crianças.

Com tanta dedicação, não é de surpreender a homenagem: em fevereiro, a revista Zootaxa dedicou uma de suas edições à vida e à obra de Machado. O objetivo era comemorar os 80 anos do pesquisador, completados em 2015. Os meses de atraso não tiram a importância do tributo – receber uma homenagem de quase 400 páginas assim, em vida, não é para qualquer um. 

Curioso desde criança, Machado sempre foi apaixonado por animais e pelo mundo ao seu redor. Começou a coletar insetos ainda jovem, na fazenda de sua família no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais. Sua iniciação formal na ciência se deu quando conheceu Newton Dias dos Santos, do Museu Nacional, considerado o pai da odonatologia (estudo da família das libélulas) brasileira. Então com 16 anos, mostrou ao professor libélulas que coletou, querendo saber mais sobre os espécimes. Recebeu em troca um livro e a tarefa de descobrir sozinho. Foi o início de uma carreira.

Apesar do interesse nos insetos, Machado cursou medicina na

Ângelo Machado
<br />Ao longo de sua extensa carreira, Machado colecionou atuações em áreas diversas. Este registro, de 1963, mostra a visita do pesquisador à Aldeia Tirió, localizada no alto Rio Parú do Oeste, no Pará. (foto: acervo pessoal)

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), porque o curso de ciências biológicas era novo e ainda estava se estruturando. “Entrei para medicina porque tinha mais professores e laboratórios. Na época, era melhor para realizar pesquisas e experimentos”, contou à CH Online

Nunca exerceu a profissão de médico, mas realizou estudos na área de neuroanatomia, sobretudo acerca da glândula pineal, que regula os ciclos vitais, as atividades sexuais e de reprodução humanas. Continuou pesquisando e coletando libélulas como hobby.

Em 1987, aposentou-se como professor titular de neuroanatomia para então se tornar, também na UFMG, professor de entomologia. Na mesma época, começou a se dedicar à literatura e à divulgação científica. 

Além de ter publicado sucessos editoriais como Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Guará e Manual de sobrevivência em festas e recepções com buffet escasso, ganhou em 1992 o Prêmio Jabuti, maior prêmio de literatura no Brasil, com o livro infantil O Velho da Montanha – Uma aventura amazônica. Seus livros e peças, conhecidos por todo o país, frequentemente abordam temas da natureza e têm animais como personagens importantes. 

Ângelo Machado já deu mais de 300 palestras sobre educação ambiental infantil e considera importante a divulgação de ciência para crianças. “A literatura infantil precisa ensinar a gostar de ler, mas se puder criar consciência ambiental e divulgar ciência, é melhor ainda”, defende.

Atualmente, com a saúde debilitada demais para trabalhos de campo, o pesquisador continua escrevendo livros e peças de teatro, orientando alunos e descrevendo espécies de libélulas – uma atividade que considera importantíssima. “A velocidade de extinção é maior do que a de descrição das espécies”, lamenta.

Uma legião de fãs

Responsável pela organização da homenagem na Zootaxa, o biólogo Ângelo Parise Pinto, do Laboratório de Biologia e Sistemática de Odonatas do Museu Nacional, revela que não foi difícil encontrar admiradores que pudessem contribuir com a edição. “Por Ângelo Machado ser muito querido e respeitado no meio da zoologia, recebemos um ótimo retorno de pesquisadores que aceitaram contribuir com artigos para a biografia”, diz Pinto.

Machado tem 55 espécies descritas em sua homenagem. Entre elas há libélulas, borboletas, aranhas, abelhas, joaninhas, besouros, vários outros animais e até um fungo. Sua coleção de libélulas é a segunda maior da América Latina, com 35 mil exemplares de mais de 1.050 espécies – só perde em tamanho para a do Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Recentemente, a coleção particular foi doada recentemente para a UFMG. Será transferida da casa do professor para o prédio de coleções taxonômicas, projeto que está sendo elaborado pelo Instituto de Ciências Biológicas, no campus da Pampulha – mais uma contribuição inestimável do pesquisador à ciência brasileira.

João Paulo Rossini
Instituto Ciência Hoje/RJ