Unidos pelo clima

Ambientalistas, professores, religiosos, sindicalistas e curiosos lotaram as ruas de Manhattan, em Nova Iorque (EUA), neste domingo, no evento que já vem sendo chamado de o maior protesto pelo clima já feito na história. Cerca de 300 mil pessoas compareceram à Marcha do Povo pelo Clima, poucos dias antes da Cúpula do Clima 2014, da Organização das Nações Unidas (ONU), que vai reunir governantes com o objetivo de firmar compromissos para frear o aquecimento global.

“Não existe planeta B”, “Florestas não estão à venda”, “Justiça climática já”, “Ouça os povos indígenas” e “Aquecimento global é real, ensine ciência” eram alguns dos lemas que podiam ser lidos nos cartazes dos manifestantes ao som de gritos como “Quem somos nós? Somos o povo! O que nós queremos? Justiça climática já!”.

A descrença na reunião da ONU era corrente na marcha

A descrença na reunião da ONU era corrente na marcha. Muitos manifestantes diziam estar ali justamente para fazer pressão para que alguma medida concreta contra as mudanças climáticas e o desrespeito ao meio ambiente fosse tomada no evento, que foi organizado pelo secretário geral da entidade com o propósito de catalisar ações entre os líderes globais.

“Eu tenho pouca esperança de que algo será feito na questão ecológica, principalmente por parte dos Estados Unidos, e é por isso que estamos aqui hoje, para mostrar nossa insatisfação com relação às mudanças climáticas e ao sistema capitalista como um todo”, disse o brasileiro José Celso de Castro Alves, professor universitário que participou do protesto.

Outros demonstravam mais entusiasmo. “Estou aqui porque todo movimento social começa nas ruas quando as pessoas se unem”, disse a professora de biologia Elisa Lauterbur. “Juntos podemos ser ouvidos e fazer a diferença não só para as pessoas, mas para o planeta”. 

professores na marcha
Centenas de pessoas seguravam cartazes cobrando o ensino das mudanças climáticas nas escolas. (foto: Sofia Moutinho)

A professora era uma das centenas de pessoas que seguravam cartazes cobrando o ensino das mudanças climáticas nas escolas. “Aqui, nos Estados Unidos, as escolas não falam sobre o tema, não há um entendimento de que isso seja um problema, mesmo nas universidades”, completou.

Se houvesse um clichê para reunir todas as expectativas e esperanças por trás da motivação que levou toda a gente a participar do protesto seria ‘a união faz a força’. De fato, o dizer popular foi entoado pela multidão, especialmente por sindicalistas dos mais diversos setores, entre guardas de trânsito, professores e profissionais de saúde, que compareceram cobrando “empregos verdes” – postos de trabalho que respeitem o meio ambiente ou que ajudem a minimizar os impactos de qualquer forma de poluição e desperdício.

Para além do clamor por ações governamentais mais gerais em relação ao clima, a marcha estava repleta de diversos grupos sociais reivindicando causas específicas. Pela quantidade de cartazes, um dos problemas de maior destaque na manifestação foi fracking, ou fraturamento hidráulico, técnica controversa que usa água para extrair gás de xisto do subsolo. Proibido na Europa, mas amplamente usado no Estados Unidos e cogitado no Brasil, o procedimento tem causado contaminação dos poços de água potável por metano. 

 

Guardiões das florestas

Indígenas do Peru, México e Bolívia também marcaram presença no evento. Vestidos a caráter, entoavam canções típicas e tocavam tambores pedindo para que fossem reconhecidos como guardiões das florestas e conservacionistas por tradição.

Um pequeno grupo de brasileiros que vivem em Nova Iorque aproveitou a ocasião para chamar a atenção para as vítimas de alagamentos provocados pela construção de hidrelétricas no Brasil

Um pequeno grupo de brasileiros que vivem em Nova Iorque aproveitou a ocasião para chamar a atenção para as vítimas de alagamentos provocados pela construção de hidrelétricas no Brasil. “Queremos justiça climática, que os direitos dos atingidos sejam respeitados e que o governo brasileiro aprove a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens que está encalhada no Congresso”, clamou o brasileiro Saulo Araújo, representante do grupo Amigos do Movimento das Vítimas de Represas.

A mistura de grupos sociais era tanta que a marcha poderia ser chamada de uma verdadeira arca de Noé. Aliás, ela estava lá: uma réplica da embarcação bíblica carregava muçulmanas de véu, padres e mórmons que previam o fim dos tempos nos moldes da história evangélica caso nada seja feito para deter o aquecimento global. Pagãos, hindus e budistas também estavam por perto.

 

Minuto de silêncio

A incrível profusão de música, orações, cantos indígenas e hinos populares tomou conta da cidade por 44 quadras (da rua 86 do lado oeste da ilha até a rua 42, na famosa Times Square). Ao chegar no templo do consumo, iluminado por outdoors gigantescos de LED durante o dia nublado do domingo, os manifestantes se calaram. 

Braços erguidas no marcha
Em meio aos ‘outdoors’ luminosos da Times Square, os manifestantes fizeram um minuto de silêncio. (foto: Sofia Moutinho)

De braços erguidos, fizeram um minuto de silêncio pelas mudanças climáticas. Em uma cidade recentemente atingida pelo furacão Sandy, o drama teve ainda mais impacto e chegou a arrancar lágrimas de alguns.

“Nova Iorque viu de perto o que é o aquecimento global e não queremos ver isso de novo”, disse Danielle Horton, que teve a casa atingida pela tempestade. “Não queremos que ninguém mais passe pelo que passamos e é por isso que estou aqui hoje.”

 

Confira mais fotos da Cúpula do Clima 2014 na nossa galeria de imagens.

 

Sofia Moutinho
Ciência Hoje

*A repórter viajou a Nova Iorque a convite da Burness Communications.