A fórmula da igualdade de gênero na química

Pesquisadora premiada lista ações importantes para que cada vez mais mulheres ocupem posições de destaque na ciência.

 

Ainda é tímido o número de mulheres em posição de destaque na química, assim como em muitas áreas da ciência do Brasil. Essa realidade, no entanto, está em transformação. Mais e mais mulheres têm optado pelas ciências exatas. Não é uma mudança repentina: diversas ações têm mostrado às jovens que, se elas quiserem, podem e devem escolher esses setores, antes vistos como “masculinos”.  É evidente a ampliação das discussões sobre a garantia da redução das desigualdades, a inserção das minorias nos diversos ambientes da sociedade, inclusive na química.Mas não basta abrir esses caminhos apenas na universidade. Meninas ainda são desestimuladas a participar de brincadeiras porque são “meninas”, portanto, é urgente refletir sobre os processos educacionais.

Cresci no interior de Canguçu, no Rio Grande do Sul, e meus pais, mesmo sem terem a oportunidade de estudar e com difícil acesso a informação, mostraram a mim e a meus dois irmãos que as obrigações do lar eram iguais para todos. Minha mãe sempre trabalhou com meu pai, inclusive quando a força física para algumas tarefas era necessária.Talvez isso tenha me mostrado que eu poderia ser capaz de fazer muitas coisas, assim como ela. E quem sabe isso me incentivou a aceitar o desafio de estudar química?

Acredito, de verdade, que pequenas mudanças de hábitos e pensamentos, que foram moldados em uma outra época, podem influenciar significativamente nas transformações que desejamos promover. Diversidade de gênero promove também a diversidade de pensamentos, percepções e formas de agir. Isso só tem a contribuir com a ciência.

Estamos testemunhando essas mudanças. Na área científica, inclusive na química brasileira, cada vez mais mulheres são pesquisadoras de destaque, em cargos de liderança. Com certeza, isso influenciará novas gerações de estudantes.

Eu, particularmente, acredito que nós, mulheres pesquisadoras na área de química, temos um papel fundamental no futuro das novas cientistas. Precisamos nos despir dos preconceitos ainda existentes e, acima de tudo, continuar mostrando que somos capazes de atuar em qualquer função que desejarmos.

Mas a responsabilidade não é só nossa, pesquisadoras, estudantes, mães. É fundamental o aumento de incentivos e projetos voltados às mulheres, para que possamos ter mais oportunidades de liderar grupos de pesquisa e de coordenar projetos de médio e grande porte. Essas oportunidades devem estar abertas a diferentes grupos. Assim como as regionalidades, as questões raciais precisam ser respeitadas para podermos corrigir equívocos históricos. Também precisam ser acolhidas as demandas das mulheres, que muitas vezes se desdobram em diversas jornadas de trabalho para se consolidar na profissão.

Diante dessas necessidades, é inevitável lamentar a redução dos investimentos em educação, ciência e tecnologia em nosso país, porque isso acarreta em um menor desenvolvimento social e econômico, além de diminuir as chances do incremento no número de mulheres atuando no meio científico e tecnológico.

Por outro lado, diversas ações e programas vêm sendo propostos, e muitos destes estão em evidência como, o respeito aos períodos de licença-maternidade para pesquisadoras bolsistas. Além disso, a diversidade de gênero vem sendo priorizada na constituição de comitês científicos, entre outras representações, o que acarretará em novas reflexões para ações futuras.

Existem também programas como o “Para mulheres na ciência” promovido pela L’Oreal, Academia Brasileira de Ciências e UNESCO, que vêm reconhecendo e evidenciando cientistas em todo o país.  Em 2012, eu mesma fui

agraciada com esse prêmio na área de Química. O programa, além de incentivar as vencedoras com fomento para continuar suas pesquisas, também promove a divulgação de suas atividades científicas. Acredito que muitas outras oportunidades para minha carreira científica ocorreram em função desta distinção, valorização e divulgação do meu trabalho de pesquisa. Em 2018, fui destacada pelo Journal of Atomic Absorption Spectometry da Royal Society of Chemistry para receber o prêmio Emerging Investigator Lecureship. Trazer este prêmio para a América Latina pela primeira vez e poder destacar que foi uma pesquisadora brasileira que o recebeu são motivos de orgulho e incentivo para mim e todas as minhas colegas cientistas.

Reflexões, discussões e ações, portanto, são primordiais para a promoção das transformações necessárias na sociedade e na ciência, principalmente, no que se refere à inclusão das minorias. Precisamos seguir atuando de forma a mostrar que a diversidade de gênero nas profissões pode contribuir para a sociedade e a ciência de maneira significativa.

Márcia Foster Mesko

Centro de Ciências Químicas, Farmacêuticas e de Alimentos
Universidade Federal de Pelotas

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