A vitória da alimentação

Nutrição voltada para atletas de alto nível exige aperfeiçoamento constante para acompanhar evolução das ciências do esporte.

 

O atleta de elite está sempre em busca da superação, do melhor resultado, e, para tanto, procura o aprimoramento constante. É assim também com o nutricionista esportivo. Se o primeiro se dedica aos treinos para conquistar recordes, medalhas e taças, o segundo nunca pode deixar de estudar para acompanhar a evolução das ciências do esporte.

Mas por que esse profissional precisa ir além de suas competências básicas, nas áreas de avaliação do estado nutricional, fisiologia e bioquímica do exercício, entre outras? Com esse conhecimento, ele já é capaz de realizar com segurança a prescrição nutricional (plano alimentar e suplementação esportiva) individualizada, associada à educação nutricional continuada frente aos períodos de treinamento, competição e recuperação de cada temporada. Mesmo assim, cada vez mais nutricionistas do esporte têm buscado, nos cursos de pós-graduação, competências extras.

E por que isso é necessário? Imagine um atleta de elite que treina, no mínimo, 30 horas por semana, ocupa um dos primeiros lugares no ranking da sua modalidade, possui um patrocinador forte, mas que também exige resultados. Ao olhar de maneira científica para esse atleta, poderíamos dizer que a intensidade de treinamento, por si só, seria capaz de causar lesões, perda de imunidade, diminuição do rendimento, insônia, fadiga, perda do apetite, entre outros problemas decorrentes do overtraining ou excesso de treinamento. O overtraining pode deixar os músculos doloridos, pesados e rígidos e causar ainda agitação, falta de concentração, irritabilidade, depressão, perda de peso, anorexia, taquicardia, ansiedade e hipertensão. Além disso, pode ser precedido por um estado de declínio do rendimento esportivo (chamado overreaching), que geralmente tem curto prazo e é desencadeado por cargas de treinamento mal distribuídas, má alimentação e pouco tempo de recuperação entre sessões de treino, o que impossibilita as adaptações do organismo ao treinamento físico.

Por ter ótimo nível de condicionamento físico (resultado da aptidão ao esporte e do tempo de prática da modalidade), no entanto, o nosso esportista não sofreria com o overtraining, e não haveria comprometimento de seu estado nutricional e de seu rendimento.

Mas, e se esse indivíduo se sentisse pressionado por resultados? Isso implicaria uma carga extra de estresse, que, aliada a uma alimentação inadequada, poderia interferir sobremaneira na sua aptidão física, com o surgimento de overtraining e incapacidade de continuar treinando ou competindo.

Com a perda da imunidade ou imunossupressão, uma das consequências do excesso de treinos, nosso atleta poderia sofrer com doenças do trato respiratório superior e bronquites, que poderiam abrir seu organismo a milhões de micro-organismos. Se, em um corpo sadio, essa invasão não provoca danos, no caso de nosso esportista, o quadro clínico seria agravado. Aumentaria a susceptibilidade a processos inflamatórios, que tendem a acentuar ainda mais a queda imunológica, o estado nutricional e a saúde geral do atleta.

É aí que entraria o nutricionista e a ciência da nutrição para auxiliar nosso combalido atleta, com uma dieta adequada para corrigir seu quadro. Por exemplo: uma dieta rica em alimentos funcionais com propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias; peixes ou suplementos de peixes ricos em ômega-3 para melhorar os processos inflamatórios e ajudar na recuperação das lesões; alimentos ricos em carboidratos de baixo, médio e alto índice glicêmico antes e após os treinos, para melhorar a maneira com que as fontes energéticas de carboidratos são usadas durante o treinamento e na recuperação; proteínas de alto valor biológico (animais) e de adequado perfil de aminoácidos para auxiliar na recuperação das lesões, na síntese de células imunes, na síntese de tecido muscular, entre outros; hidratação correta para garantir uma recuperação mais rápida; e reposição de calorias e nutrientes para que o atleta retorne o mais rapidamente possível às suas atividades.

Situações como essa deixam claro que não é possível hoje desvincular a ciência da nutrição da ciência do esporte. Por isso, é necessário o aprimoramento constante dos profissionais em instituições sérias e reconhecidamente certificadas, que realizam pesquisas, para que esse aperfeiçoamento tenha continuidade.

E isso está acontecendo: a nutrição esportiva está vivendo um momento especial no Brasil. O Conselho Federal dos Nutricionistas (CFN) considera a especialidade uma das sete principais do país. Pesquisas sobre os campos de atuação do nutricionista feitas pelo CFN em 2015 apontam o aumento do interesse pela área esportiva (varia de 1,2% a 6,1%, dependendo da região), embora outros ramos ainda tenham maior representatividade. Uma década antes, em 2005, o levantamento denominado de Identidade Profissional do Nutricionista Brasileiro já identificava as seis grandes áreas de atuação da profissão, com a seguinte distribuição: 41,7% atuando em nutrição clínica, 32,2% em alimentação coletiva, 9,4% em ensino (docência), 8,8% em saúde coletiva, 4,1% em nutrição esportiva e 3,7% em indústria de alimentos.

Assim, na profissão de nutricionista, regulamentada em 1967, é cada vez maior o espaço para aqueles que se especializam na área esportiva. Principalmente para os que procuram conjugar o trabalho com o aperfeiçoamento constante, tal e qual seus pacientes, os atletas.

Lísia M. P. Kiehl

Laboratório dos Estudos do Movimento, Instituto de Ortopedia e Traumatologia, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo.
Docente convidada doCurso de Graduação em Educação Física, Universidade Brasil.

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