Câncer de mama e consumo de legumes, verduras e frutas


Cerca de 30% dos cânceres humanos provavelmente estão relacionados à dieta e à nutrição, segundo a Organização Mundial da Saúde. Agora, a principal ‐ e surpreendente ‐ conclusão de artigo publicado em The Journal of the American Medical Association (vol. 293, n. 2, pp. 183-193, 2005) avança no conhecimento da associação entre alimentação e essa doença, apesar de ir na contramão do que tem sido descrito em revistas especializadas e propagado por especialistas: o consumo de legumes, verduras e frutas não diminui o risco do câncer de mama.
 
O câncer de mama é uma doença cujas causas são complexas, envolvendo inequivocamente componentes genéticos e ambientais. Entenda-se por componentes ambientais fatores ligados ao comportamento, ao meio ambiente e a hábitos alimentares. Estudo publicado recentemente torna ainda mais interessante a busca pela compreensão da gênese do tumor maligno de mama. Segundo o trabalho, uma alimentação mais rica em legumes, verduras e frutas não influenciaria o aparecimento desse tipo de tumor. Pode-se, então, concluir que uma alimentação mais saudável não faria diferença? Na verdade, essa discussão está apenas começando.
 
A associação entre alimentação e câncer tem sido uma das mais promissoras vertentes na procura de uma política eficiente na prevenção do câncer. Segundo a IARC (sigla, em inglês, para Agência Internacional de Pesquisa em Câncer), órgão da Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 30% dos cânceres humanos estão relacionados, provavelmente, à dieta e à nutrição. Dietas mais calóricas, ricas em proteínas e gorduras de origem animal, pobres em fibras ‐ e combinadas a uma forma de vida sedentária ‐ aumentam o risco de câncer de intestino, próstata e mama, entre outros. Note-se que esses tipos de câncer ocorrem com mais freqüência na Austrália e em países da Europa e da América do Norte, sendo menos freqüentes em países em desenvolvimento, como os da Ásia e África. A América Latina, onde o Brasil está inserido, apresenta países com alta incidência e aqueles com baixa incidência desses tumores, segundo o nível de desenvolvimento de cada um deles.
 
Em relação ao câncer de mama, estudos epidemiológicos mostram que um maior índice de massa corporal ‐ ou seja, índice que mede a quantidade de tecido adiposo (gordura) de um indivíduo ‐ leva a um maior risco. Está clara, portanto, a correlação existente entre a alimentação e o câncer de mama. Mas, então, qual seria o papel da alimentação no câncer de mama? E a ingestão de legumes, verduras e frutas seria fator de proteção para o câncer de mama, assim como o é para outros tipos de tumores?
 
Para responder a essas e outras perguntas, foi criado um grande projeto colaborativo chamado EPIC (sigla, em inglês, para Investigação Prospectiva Européia sobre Câncer e Nutrição), cujo principal interesse é o de estudar a relação existente entre a incidência dos diferentes tipos de câncer e a alimentação e o estado nutricional de populações européias. Vinte e três centros de 10 diferentes países europeus participam desse estudo. A investigação publicada agora faz parte desse programa e vem esclarecer o papel do consumo de legumes, verduras e frutas no aparecimento do câncer de mama.
 
De certa forma ‐ na contramão do que se tem descrito nas revistas especializadas ‐, a principal conclusão é a de que o consumo de alimentos como legumes, verduras e frutas não alteram o risco para esse tipo de câncer. Na verdade, esse é um estudo feito com muito cuidado e grande número de participantes: aproximadamente 300 mil mulheres de oito países europeus, com idades entre 25 e 70 anos, responderam a questionários padronizados sobre o consumo de alimentos nos quais vegetais e frutas eram classificados em subgrupos para uma análise mais apurada. As mulheres foram acompanhadas por uma média de 5,4 anos, e 3.659 carcinomas de mama foram identificados.
 
O grande diferencial desse estudo em relação a outros publicados diz respeito à metodologia aplicada: o estudo EPIC é prospectivo, do tipo coorte ‐ ou seja, avaliou e acompanhou uma grande quantidade de pessoas ‐ enquanto os estudos, em geral, eram do tipo caso-controle, sendo, portanto, mais suscetíveis a limitações, como, por exemplo, a dificuldade existente na seleção de casos e de controles adequados. Muito embora as limitações do estudo tenham sido discutidas no artigo, não foram utilizados dados referentes à história familiar de câncer de mama das mulheres participantes. Com certeza, a correlação com esse tipo de informação seria de extrema importância para uma análise mais completa.
 
O câncer de mama tem uma forte associação familiar. Genes, como o BRCA1, BRCA2 e TP53, podem apresentar mutações hereditárias que impingem às famílias portadoras um risco aumentado para o desenvolvimento dessa doença. Além disso, mesmo que esses genes não tenham sofrido mutação, sabe-se que polimorfismos presentes em genes importantes para o metabolismo de substâncias estranhas ao organismo, bem como para o reparo de lesões no material genético, estariam envolvidos no aumento da susceptibilidade genética ao câncer de mama ‐ entenda-se polimorfismo genético como alterações na constituição do código genético que estão presentes em pelo menos 1% de uma população e que constituem a variabilidade genética entre indivíduos sadios de uma mesma espécie.
 
Portanto, ao não levar em consideração aspectos genéticos nessa análise, os autores podem ter deixado de avaliar, de uma forma mais completa, o papel de frutas e vegetais na dieta e sua relação com o câncer de mama. De qualquer forma, os autores ‐ liderados por Carla van Gils e Petra Peeters, do Centro Médico de Utrecht (Holanda), juntamente com Elio Riboli, do IARC (França) ‐ mostraram que mais fatores do que simplesmente uma dieta saudável estariam atuando no desenvolvimento do câncer de mama.
Esse estudo vem, mais uma vez, demonstrar que essa doença é muito complexa e que projetos amplos como o EPIC deveriam ser cada vez mais incentivados, inclusive em outras regiões do mundo, como na América Latina.

Claudia Vitória de Moura Gallo
Departamento de Biologia Celular e Genética,
Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

 

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