Entrevista: Chintamani N. R. Rao – Ciência para o desenvolvimento

Fazer ciência nos países em desenvolvimento costuma ser uma tarefa árdua – a falta de recursos financeiros e de infra-estrutura adequada são apenas alguns dos obstáculos mais comuns encontrados pelos pesquisadores. Com o objetivo de enfrentar esses problemas e promover a excelência em ciência nos países do hemisfério Sul – em sua maioria economicamente atrasados em relação às nações do hemisfério Norte e por isso chamados de países em desenvolvimento – foi criada em 1983 a Academia de Ciências do Terceiro Mundo (TWAS na sigla em inglês). A instituição, idealizada pelo físico paquistanês Abdus Salam, tem na base de seu trabalho a cooperação entre os países do Sul e a promoção do intercâmbio de idéias e de pesquisadores a fim de subsidiar o desenvolvimento sustentável.

O químico indiano Chintamani Nagesa Ramachandra Rao, presidente da TWAS por seis anos até setembro último e professor visitante de ciência dos materiais na Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara (Estados Unidos), desde 1995, acredita que a ciência é a principal ferramenta para promover o desenvolvimento nos países do Terceiro Mundo. Em entrevista exclusiva a Ciência Hoje durante a 10ª Conferência da TWAS, realizada no início de setembro em Angra dos Reis (RJ), Rao falou sobre os desafios que devem ser superados pelos países do Sul caso almejem uma ciência competitiva, influente e capaz de resultar em melhora na qualidade de vida de seus habitantes.

Qual a importância, no cenário mundial, da cooperação entre nações do hemisfério Sul estabelecida e apoiada pela Academia de Ciências do Terceiro Mundo?
Chintamani Rao –
A cooperação Sul-Sul merece crédito e é relevante porque as populações dos diferentes países do hemisfério Sul têm um ‘pano de fundo’ muito similar, problemas muito semelhantes. São muitas as áreas nas quais podemos trabalhar juntos, por exemplo, a questão da energia e do desenvolvimento em tecnologia, como a nanotecnologia. Treinamento e intercâmbio de pessoal na área científica entre países do Sul podem ser muito úteis, porque se criaria um ciclo no qual não haveria ‘perda de cérebros’ para os países já desenvolvidos. Além disso, acredito que é muito difícil que os Estados Unidos, por exemplo, venham a trabalhar conosco tão facilmente.

Como o senhor vê essa participação de países do Norte em projetos de cooperação científica com o Sul?
Bem, eles sempre cooperaram, não posso dizer que não. Mas penso também que eles sempre tiveram grandes vantagens. Os países do Sul, na verdade, contribuíram muito para o avanço da tecnologia nos países desenvolvidos. Por exemplo, alta porcentagem dos profissionais que trabalham nos Estados Unidos é de países do Sul; metade dos trabalhadores da indústria de computadores norte-americana são indianos, 50%! E as previsões apontam que talvez 50% dos doutorandos venham de países como China, Índia, Vietnã, entre outros. Isso é uma perda para nós. Esses profissionais, muitos dos nossos melhores cérebros, pessoas brilhantes estão trabalhando, por exemplo, na indústria de computação norte-americana. Então, os países do Norte ajudam, mas também ganham muito. Há pessoas que afirmam que nós, dos países pobres, demos mais ao Norte desenvolvido do que o Norte deu ao Sul. Se calcularmos em dólares todos os cérebros que demos a eles, com certeza serão bilhões e bilhões.

Diante desse quadro, que tipo de iniciativa deve ser tomada para que os pesquisadores permaneçam nos países do Sul?
Bem, temos que oferecer condições de trabalho muito boas. O Brasil é bom, mas muitos dos países do Sul não têm instituições boas o bastante, onde os pesquisadores possam trabalhar. Devemos melhorar a infra-estrutura, devemos construir boas instituições em todos os países do Sul, para que os cientistas possam deixar sua contribuição em suas nações de origem.

E o senhor acredita que a TWAS encoraja essa atitude?
Claro. A TWAS encoraja, mas existem também muitos outros programas que o fazem, como o Instituto Millenium [organização sem fins lucrativos sediada nos Estados Unidos], que atua no Brasil com atividades similares. Temos que criar institutos avançados em muitas partes do mundo para que os pesquisadores tenham para onde voltar. Caso contrário, pensarão “o que eu farei quando voltar ao meu país?” e ficarão nos Estados Unidos ou na Europa. Não deve ser assim. Muitos países na África, como Tanzânia e Senegal, estão criando suas próprias academias de ciência. Nós esperamos que outros países também o façam. É também uma forma de incentivar a pesquisa local. Ambas as iniciativas precisam ser postas em prática, a criação de academias e de institutos de pesquisa.

O senhor acha que as diferenças científicas entre os países do Norte e do Sul podem ser superadas?
Isso ainda vai levar um pouco de tempo; a distância ainda é muito grande. Os Estados Unidos contribuem, por exemplo, em muitos aspectos da ciência, com uma porcentagem muito alta de trabalhos atualmente – quase 50% da ciência mundial. Brasil e Índia contribuem com cerca de 3% e 4% cada, a China com um pouco mais. Temos que aumentar nossa participação de muitas formas: a quantidade de ciência produzida deve aumentar, mas também a qualidade, o impacto de nossa pesquisa. A porcentagem de publicações de alta qualidade no Brasil, por exemplo, é hoje de cerca de 1%, na Índia é similar. Mas temos que chegar a 10%, 15%, e isso deve levar ainda outros 15 anos.

Entrevista concedida a
Mariana Ferraz
Ciência Hoje/RJ

Você leu apenas a introdução da entrevista publicada na CH 232.
Clique no ícone a seguir para baixar a versão integral (93 KB) Arquivo de formato PDF. Pode ser aberto com o Adobe Acrobat Reader. Baixe gratuitamente de http://www.adobe.com/

Outros conteúdos desta edição

Outros conteúdos nesta categoria

614_256 att-22975
614_256 att-22985
614_256 att-22993
614_256 att-22995
614_256 att-22987
614_256 att-22991
614_256 att-22989
614_256 att-22999
614_256 att-22983
614_256 att-22997
614_256 att-22963
614_256 att-22937
614_256 att-22931
614_256 att-22965
614_256 att-23039