Um tema é recorrente entre estudiosos das ciências humanas: o dilema liberdade x segurança. Entre os séculos 16 e 18, uma das escolas que se posicionava a respeito dessa questão era a contratualista, que considerava que o Estado se origina por meio de um “contrato social”. Nele, os cidadãos abrem mão de alguns direitos e liberdades e se submetem a regras que lhes permitem viver em sociedade.
O filósofo inglês John Locke (1632-1704), conhecido como pai do liberalismo, defendia que um dos direitos a que o homem renuncia no contrato social é o de defesa e de fazer justiça com as próprias mãos. Quem passa a ter a função da justiça e o poder do uso da força é o Estado. Outros estudiosos questionam se deveríamos mesmo entregar nossa liberdade ao governo, esperando que este faça a justiça por nós.
No livro A República, Platão questiona: “Sed quis custodiet ipsos custodes?“ (“Quem vigia os vigilantes?”). Em outras palavras, quando uma pessoa ou um grupo detém um poder absoluto, quem será seu regulador? Uma solução possível, utilizada nas democracias modernas, é a proposta pelo filósofo francês Montesquieu (1689-1755): a divisão dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Dessa forma, cada poder é limitado e fiscalizado pelos demais.
Rafael de Oliveira Werneck
Muito bom o texto Lucas. Só vou complementar com alguns dados de quadrinhos.
Na HQ Guerra Civil, o que desencadeia a guerra não é os heróis tentando salvar uma cidade, e sim um grupo de heróis novatos que possuem um programa de TV, pela audiência, invadem a casa de um grupo de vilões (rasos). Um dos vilões , Nitro, tenta escapar mas é encurralado na rua. Para fugir ele se explode, assim como o quarteirão que ele estava, que tinha uma escola.
Isso desencadeia a separação dos grandes heróis, mas nem é tão preto no branco assim. O Homem Aranha fica do lado do Homem de Ferro, apresentando sua identidade em rede nacional, mas depois questiona as motivações do grupo, mudando de lado, e temos também os X-Men que não tomam partido.
“E se, por exemplo, os Estados Unidos decidissem usar os detentores de superpoderes em conflitos políticos, colocando a proteção da população em segundo plano?” – Temos outro quadrinho com um exeplo disso, que é Watchmen, em que os super-poderosos são utilizados pelos EUA para finalizar a Guerra do Vietnam nessa interpretação.
Mas a minha interpretação é a mesma, com um diálogo entre os dois lados resolveria todos os problemas apontados.
Publicado em 27 de maio de 2018
Fernando Alves
Lucas parabéns pelo artigo.
É uma questão complicada no “mundo real”, mas nem tanto se vermos pela ótica dos HQs. Na novel Watchmen de Neil Gaiman e Dave Gibbons, podemos ver (mesmo que em uma distopia) o que ocorreu quando os “Heróis” foram regularizados pelo governo e como a sociedade criou mais conflitos e mais desigualdades.
Levando os próprios “Heróis” a caminhos de violência (Comediante), extremismo (Rorscharch), anarquia (Ozymandias), desilusão (Coruja Noturna e Espectral) e cataclisma (Dr. Manhattan) . Essas questões filosóficas de Liberdade, prestação de contas e segurança relacionadas aos super heróis é muito mais pautada nos medos humanos do que na ética dos super heróis.
O Tony Stark, o Homem de Ferro, sempre foi um cidadão de caráter duvidoso, afinal ele é egocêntrico, narcisista e exibicionista. Para ele sempre foi jogo ter a imagem pessoal dele ligada ao alter-ego. Assim, arrastando (viés do filme, porque as HQs são mais intricadas em trama e propósito) o Homem Aranha, um adolescente encantado pelos recursos financeiros; o Máquina de Guerra, que é merchandising militar do Stark; o Pantera Negra, mais interessado em vingança do que justiça e a Viúva Negra que é humana, e já era uma agente governamental limitada por contrato, portanto indiferente ao Pacto de Sokovia.
O Steve Rodgers, Capitão América, em sua origem já tem um comprometimento com a justiça e a liberdade contra o mal, tanto que ele questiona o próprio American Way em diversos momentos, a ponto de se desiludir com o sistema e abandonar o manto se tornando o Nômade. E os que o seguem, tem em diferentes escalas esse senso de Justiça (justiça de ser justo, não de seguir leis) e altruísmo que são o ponto principal na construção do Super herói. Que muitas vezes pecam pela ingenuidade, misericórdia e conflitos éticos em momentos cruciais para não cruzarem o limiar entre heroísmo e vilania, a ponto de deixarem um vilão vivo, dando-lhe a oportunidade de voltar a cometer outros atos de criminalidade.
Em resumo, sim, podemos usar os super heróis para filosofar sobre esses assuntos, porém, são porque esses mitos da Era Contemporânea externalizam nossos desejos e medos. Acredito que nossa sociedade vive uma crise ética e moral, que as Superaventuras podem ajudar muito a elucidar se bem aplicadas!
Publicado em 11 de junho de 2018
Ricardo Athayde
Excelente artigo!
Publicado em 11 de junho de 2018
Nildson de Avila
Acho que o próprio estado é um “super herói” sem registro que quer registrar os outros.
Publicado em 2 de julho de 2018