Ao longo dos séculos, o ser humano criou várias formas de transmitir mensagens, experiências e sabedoria, desde a interpretação das vísceras de animais até a escrita em livros impressos.

 

Os suportes para a prática da leitura são tão antigos quanto a história do ser humano. A necessidade de interpretar o mundo e de se comunicar fez com que os seres humanos inventassem várias maneiras de transmitir suas ideias, seus pensamentos, seus desejos e todos os seus feitos, nas mais diferentes épocas.

Em um dos diálogos de Platão, Sócrates narra a Fedro a história que ouviu sobre a origem da arte da escrita. Seria esta uma invenção do deus Thoth, que, em conversa com o deus Amon, defendia ser sua descoberta a coisa mais importante para os egípcios, pois se tratava de uma poção para a memória e a sabedoria.

No entanto, Amon refuta essa afirmação, atribuindo a Thoth a responsabilidade por criar uma arte que iria contribuir para a propagação do esquecimento e não da sabedoria. Os humanos deixariam de praticar a memória, pois tudo passaria a ser escrito e eles teriam apenas a ilusão da sabedoria. O argumento foi defendido também por Sócrates.

Mas, à medida que o tempo passava e o ser humano se via cada vez mais incapaz de memorizar tudo que existia a sua volta, ele se pôs a inventar a escrita e seus suportes. Assim surgiram as tabuletas dos sumérios,a escrita em cascos e as peles de animais, os papiros, as placas de cera e de metal, as cordinhas coloridas dos Incas e até as entranhas dos animais oferecidos em sacrifícios.


À medida que o tempo passava e o ser humano se via cada vez mais incapaz de memorizar tudo que existia a sua volta, ele se pôs a inventar a escrita e seus suportes


À medida que o tempo passava e o ser humano se via cada vez mais incapaz de memorizar tudo que existia a sua volta, ele se pôs a inventar a escrita e seus suportes

Dessa forma, os mais diversos e inusitados livros do mundo foram inventados para que o ser humano pudesse ler e escrever. Nas culturas antigas, como a babilônica, a asteca, a greco-romana e a egípcia, era muito comum a prática da aruspicina, que consistia em ler os órgãos dos animais, como o fígado (hepatoscopia), o pulmão e parte dos intestinos. Essa forma de leitura tinha um caráter dedutivo e adivinhatório, e era realizada somente pelos sacerdotes arúspices, os leitores de vísceras. Eles eram encarregados de ler e de interpretar os sinais e presságios enviados pelos deuses. Os consulentes tanto poderiam ser os reis quanto pessoas comuns.

As vísceras dos animais eram expostas, preferencialmente diante de um altar, para que os sacerdotes pudessem lê-las. Não se tratava de uma leitura aleatória, mas de uma dedução baseada em normas específicas, em que se consultavam as grandes coletâneas de presságios, praticamente uma gramática da leitura.

O historiador grego Heródoto nos conta que os citas (povo iraniano que viveu no período de 700 a 300 a.C), por ocasião de uma guerra contra o povo persa, enviaram um mensageiro a Dario, rei dos persas, com um bilhete, cuja mensagem era escrita com animais e objetos: um pássaro, um sapo, um rato e cinco flechas. Assim que recebeu o tal bilhete, Dario interrogou ao mensageiro sobre o significado do mesmo, obtendo como resposta que caberia aos persas decifrar o que os citas queriam dizer.

A prepotência de Dario fez com que ele interpretasse que os citas estavam dispostos a se render, pois aquele inusitado conteúdo da mensagem (pássaro, sapo, rato e cinco flechas) só poderia significar que o inimigo entregava suas terras, sua água, seus cavalos e suas armas. O rato vive na terra e se alimenta de trigo, assim como o ser humano. O sapo, por sua vez, vive na água; o pássaro certamente representaria o cavalo; e, por último, as flechas, simbolizavam a entrega das armas.

Esse episódio deixa bem claro que, além de prepotente, Dario não era um bom leitor, pois o que os citas queriam dizer era muito diferente daquilo que o rei dos persas havia decifrado. O significado verdadeiro era: “Se não subirdes aos céus como pássaros, ó persas, se não vos ocultardes na terra como os ratos, se não saltardes aos charcos com os sapos, as nossas flechas vos atingirão e nunca mais vereis a pátria”.

Outro suporte de leitura não convencional da história da humanidade era o quipu (na imagem), o livro dos Incas, que consistia em uma cordinha com fios presos e separados por nós de diversas cores, cujo formato lembra um colar colorido e exuberante. Essa cordinha era usada para as pessoas se comunicarem, principalmente para narrar o número de lutas e para outras mensagens que envolviam quantidade, como, por exemplo, o número de bois, guerras e guerreiros. Esses colares de leitura podiam ser transportados de um lado para o outro, levando e trazendo informação. Possuíam também um caráter sagrado, e somente os quipucamayocs, guardiões do quipu, é que sabiam ler e interpretar esses livros.

O livro de papel só surgiu no século 15, quando Gutenberg inventou a prensa tipográfica e imprimiu a primeira obra que pôde ser distribuída em série, a Bíblia. Os reis e o clero ficaram temerosos diante da novidade, sobretudo porque a impressão do livro facilitaria a sua distribuição, retirando das mãos da nobreza e dos religiosos o poder de deter o conhecimento. O livro, no formato que conhecemos hoje, foi o primeiro produto industrializado produzido em série.

Georgina Martins

Programa de Mestrado Profissional em Letras (Profletras)
Curso de Especialização em Literatura Infantil e Juvenil, Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Escritora de livros para crianças e jovens

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