Em 23 de novembro de 2000, o Centro Internacional de Pesquisas de Raios Induzidos e Naturais, em Cachoeira Paulista (SP), conseguiu o primeiro raio induzido no Brasil, incluindo o país entre os líderes na pesquisa de relâmpagos

A capacidade de os relâmpagos emitirem raios X e raios gama foi recentemente anunciada, com a publicação, em maio, nas revistas Scientific American e Physics Today , entre outras, de resultados conclusivos de pesquisa realizada em Gainesville (Estados Unidos), no Centro Internacional de Pesquisas e Testes de Relâmpagos, da Universidade da Flórida. Essa descoberta acrescenta mais um mistério aos relâmpagos e motiva pesquisas similares no Brasil. Entretanto, apesar da grande quantidade de pesquisas, os mistérios continuam, assim como permanece o medo e o fascínio pelos relâmpagos.      

 
A pesquisa sobre relâmpagos é tão antiga quanto a pesquisa sobre eletricidade – ambas começaram no século 18. No entanto, muitos dos processos físicos envolvidos nessas poderosas descargas ainda são pobremente conhecidos. As principais razões para isso são a dificuldade de prever com exatidão onde e quando uma delas ocorre e a alta variabilidade de suas características. Nos estudos em laboratório, as mais longas descargas já geradas não ultrapassam algumas dezenas de metros, comprimento muito aquém dos vários quilômetros de um típico relâmpago entre uma nuvem e o solo. E técnicas como a indução de relâmpagos em nuvens de tempestade estão restritas a poucas regiões (caso do uso de foguetes) ou ainda estão em desenvolvimento (caso do uso de lasers ).
 
Os relâmpagos, portanto, ainda mantêm seus mistérios após mais de dois séculos de pesquisa. Ao mesmo tempo, é cada vez mais necessário compreender com exatidão como eles ocorrem, para entender melhor como interagem com equipamentos de energia elétrica e de telecomunicações, aviões e sistemas eletrônicos em geral. Tal compreensão permitirá minimizar os prejuízos que as descargas atmosféricas causam a tais sistemas. Não menos importante é conhecer mais detalhadamente como as características dos relâmpagos dependem das diferentes condições geográficas e meteorológicas em locais variados, para que se possa aperfeiçoar a previsão meteorológica e acompanhar as mudanças climáticas em nosso planeta.
 
Várias pesquisas têm sido realizadas, em diferentes países, visando compreender melhor os relâmpagos. Para isso, são empregadas diferentes técnicas, como fotografia, espectroscopia, câmeras ou sensores óticos, medidas da radiação eletromagnética fora do visível e medidas diretas da corrente. No entanto, muitos mistérios ainda não foram desvendados. Como os relâmpagos são iniciados dentro da nuvem? Como eles se conectam aos objetos no solo? O que são relâmpagos esféricos? Como os relâmpagos provocam os fenômenos luminosos observados na alta atmosfera, como sprites e outros? Até que ponto as características dos relâmpagos dependem de condições geográficas e meteorológicas? Qual a importância dessas descargas para a química da atmosfera? Como os relâmpagos produzem raios X e raios gama?
 
A origem dos relâmpagos nas nuvens é um enigma. A elevada intensidade de campo elétrico necessária – segundo a teoria eletromagnética – para a quebra da rigidez dielétrica do ar (mudança de isolante para condutor), dando início a uma descarga, nunca foi observada em medições feitas dentro de nuvens de tempestade. Isso significa que os relâmpagos, na natureza, principiam de maneira diferente daquela verificada em estudos laboratoriais. Pesquisas recentes indicam que não são os elétrons de baixa energia liberados pela ionização das moléculas (na quebra da rigidez dielétrica) que dão início a um relâmpago. Aparentemente, os elétrons energéticos produzidos pela interação dos raios cósmicos com a atmosfera, conhecidos como elétrons secundários, têm um papel importante no processo. São esses elétrons energéticos que, ao ganhar energias ainda maiores, dão início a um relâmpago. Ainda não se compreende em detalhe, porém, como ocorre esse ganho extra de energia.
 
O processo de conexão entre um relâmpago e o solo começa quando uma descarga denominada líder escalonado, fraca e invisível ao olho humano, aproxima-se do solo movendo-se de forma descontínua (um trecho de cada vez). Quando esse líder chega a algumas dezenas de metros do solo, descargas denominadas conectantes saem do chão em sua direção. Assim que uma delas encontra o líder, forma-se um canal condutor entre a nuvem e o solo e ocorrem o relâmpago (geração de luz por processos subatômicos) e o trovão (som produzido pelo deslocamento do ar decorrente do aquecimento). O processo pode se repetir diversas vezes a intervalos de dezenas de milissegundos e os líderes seguintes, diferentemente do primeiro, movem-se de forma contínua. Nesses casos, a conexão com o solo é pouco conhecida. Da mesma forma, pouco se sabe sobre a dissipação da corrente do relâmpago pelo solo, mas há evidências de que em alguns casos este pode ter sua rigidez dielétrica quebrada e ser percorrido horizontalmente por uma descarga.
 
Relâmpagos esféricos são um dos mais fascinantes fenômenos da natureza. Caracterizados como esferas de eletricidade de algumas dezenas de centímetros, eles são em geral alaranjados, movem-se de forma aleatória durante dezenas de segundos e são capazes de atravessar um obstáculo como uma parede. O fenômeno, tido como um mito por séculos, é real e surge próximo a tempestades. Porém, não se sabe em detalhes que condições são necessárias para a sua ocorrência e que processo físico é responsável pela sua energia.
 
No final do século 20, observações com câmeras de vídeo mostraram que, acima das tempestades, na alta atmosfera, luzes de diferentes cores aparecem durante frações de segundos. Os três tipos principais identificados foram os sprites , luzes avermelhadas semelhantes a um polvo observadas em geral entre 40 e 80 km; os jatos azuis, luzes dessa cor que ocorrem logo acima do topo das tempestades e têm forma similar a um flash de luz de lanterna; e os elves , discos alaranjados que aparecem em torno de 100 km de altura. Estudos têm mostrado que todos esses fenômenos estão associados aos relâmpagos, mas não se sabe ao certo de que forma.
 
Os relâmpagos são semelhantes em qualquer lugar da Terra, assim como os seres humanos. Da mesma forma que estes, porém, os relâmpagos apresentam diferenças em seus detalhes. Conhecer tais variações em diferentes regiões e determinar quais fatores geográficos ou meteorológicos são responsáveis por elas é fundamental para que se possa usá-las em benefício da humanidade, seja na previsão meteorológica, seja no acompanhamento das mudanças climáticas em nosso planeta.
 
A temperatura ao longo do canal de um relâmpago alcança dezenas de milhares de graus centígrados. Portanto, os relâmpagos provocam por onde passam a quebra das moléculas existentes na atmosfera. Após o fenômeno, essas moléculas recombinam-se de diferentes maneiras, formando novos compostos e assim alterando a química da atmosfera. Em particular, são formados diferentes óxidos de nitrogênio, capazes de alterar as concentrações atmosféricas de ozônio, principalmente nas regiões tropicais. O ozônio é um gás vital para a existência da vida na Terra, pois absorve a radiação ultravioleta vinda do Sol. A importância desse processo para o equilíbrio da camada de ozônio, entretanto, não está esclarecida.
 
Finalmente, pesquisas recentes indicam que raios X e raios gama são gerados a partir de elétrons presentes no canal do relâmpago. Os feixes de raios X são emitidos a cada passo do líder escalonado, enquanto os raios gama aparentemente provêm de dentro da nuvem. No entanto, a maneira como os elétrons seriam acelerados até energias suficientes para produzir esses raios X é um grande mistério. A mais recente teoria para explicar o início de um relâmpago, denominada ‘quebra de rigidez por avalanche’, sugere que elétrons energéticos gerados pelo impacto da radiação cósmica na atmosfera e presentes nas nuvens de tempestade seriam acelerados pelos campos elétricos existentes nessas nuvens, colidindo com outros elétrons e acelerando-os. Isso aumentaria o número de elétrons energéticos até o nível em que se formaria uma descarga inicial, dando origem ao relâmpago. A intensidade das radiações X e gama agora descobertas, porém, parece ser muito maior que o valor esperado de acordo com essa teoria.
 
No Brasil, as pesquisas voltadas para a solução desses mistérios vêm sendo desenvolvidas pelo Grupo de Eletricidade Atmosférica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em parceria com diversas instituições nacionais e de outros países. No Centro Internacional de Pesquisas de Raios Induzidos e Naturais (Ciprin), do Inpe, situado em Cachoeira Paulista (SP), cerca de 10 raios são induzidos por ano desde 2000, alguns deles visando entender o processo de conexão entre o raio e o solo.
 
Este ano começaram também a ser feitas observações de raios X e raios gama, mas ainda sem sucesso. O grupo desenvolve ainda, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, dois projetos. Um deles, iniciado em 2003, visa observar a ocorrência de sprites em diferentes regiões do Brasil, o que foi confirmado na primeira campanha, realizada no Sudeste em 2003. Aparentemente, o fenômeno é comum em tempestades associadas às chamadas frentes frias. Nova campanha está prevista para 2006 no Sul, para verificar se os sprites também são comuns naquela região, em associação com outros tipos de nuvens de tempestade, de maior extensão horizontal. O outro projeto, iniciado este ano, estudará as variações das características dos relâmpagos em diferentes regiões do país, através do uso de sistemas de detecção de relâmpagos, em particular a Rede Integrada Nacional de Detecção de Descargas Atmosféricas (Rindat). Finalmente, o Grupo de Eletricidade Atmosférica participa de um projeto internacional, denominado Troccibras, que se propõe a avaliar o impacto dos relâmpagos sobre a química da atmosfera na região tropical da Terra.

Osmar Pinto Jr.
Grupo de Eletricidade Atmosférica (ELAT),
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

 

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