Laboratório de Fauna e Unidades de Conservação
Departamento de Engenharia Florestal
Universidade de Brasília

A FIOCRUZ isolou o novo SARS-COV-2 do sistema de esgoto, isso quer dizer que o vírus pode ser transmitido por água contaminada?

O estudo realizado pelo Laboratório de Virologia Comparada e Ambiental do Instituto Oswaldo Cruz, juntamente com o Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da Fiocruz e em parceria com a Prefeitura de Niterói e com a concessionária Águas de Niterói, em abril de 2020, não isolou o novo coronavírus do esgoto, mas, sim, detectou seu material genético (RNA) nas amostras coletadas no sistema de esgoto do município, localizado na região metropolitana do Rio de Janeiro.

A presença do vírus no esgoto é esperada, uma vez que o SARS-CoV-2 é excretado nas fezes de indivíduos infectados. Mas é importante ressaltar que o estudo não avaliou a infecciosidade dos vírus, seguindo um procedimento de inativação dos mesmos antes do processamento das amostras. Cabe lembrar ainda que o SARS-CoV-2 pertence a um grupo de vírus envelopados, com genoma constituído de fita simples de RNA e, por essa razão, menos resistentes às condições ambientais. Fatores físicos, químicos e biológicos – como luz solar, concentração de sais e/ou metais pesados e atividades microbiológicas (predação) – influenciam a integridade destes vírus no ambiente.  Até o momento, não há evidências científicas que provem a infecção do SARS-CoV-2 por transmissão fecal-oral.

O monitoramento do esgoto em estações de tratamento pode ser utilizado como um sistema de alarme para surtos de doenças infecciosas?

Sim. A epidemiologia baseada em águas residuárias tem sido utilizada como uma ferramenta de vigilância de doenças virais infecciosas como, por exemplo, nos programas internacionais e nacional de monitoramento de re-emergência de políovirus, causador da poliomielite em humanos. Adicionalmente, a abordagem ambiental, aliada a ferramentas moleculares de detecção de material genético, como a metagenômica, tem sido utilizada para descoberta de novos vírus, ou mesmo para identificar aqueles que podem estar associados a infecções assintomáticas, uma vez que os microrganismos detectados no esgoto refletem sua circulação em uma dada população.

No caso do SARS-CoV-2, a vigilância baseada em águas residuárias tem com o objetivo gerar informações sobre a carga viral e sua disseminação na rede de esgotos em uma determinada área geográfica. Os dados obtidos nas análises são complementares e podem auxiliar a vigilância em saúde na otimização de recursos disponíveis e na profilaxia de novas áreas, que ainda tenham um pequeno número de casos confirmados, mas que já apresentem níveis de detecção de material genético no esgoto. É importante enfatizar que esse tipo de estudo deve ser realizado em municípios onde uma parcela significativa da população seja atendida por rede coletora de esgotos e onde a operadora do serviço tenha controle sobre o sistema, já que informações detalhadas sobre a rede e suas bacias contribuintes são necessárias para identificar as regiões em que o vírus está circulando.

Países como Holanda, Austrália, França e China foram pioneiros na detecção de material genético de SARS-CoV-2 em esgotos. O estudo realizado pelo Laboratório de Virologia Comparada e Ambiental do Instituto Oswaldo Cruz, juntamente com o Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da Fiocruz e em parceria com a Prefeitura de Niterói e com a concessionária Águas de Niterói no município de Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro, foi o primeiro no país, e continua fornecendo dados semanais para a vigilância em saúde pelo monitoramento contínuo de alguns pontos na cidade, assim como pela inclusão de outros assinalados como de maior vulnerabilidade pelas autoridades locais.

Em um segundo momento, a vigilância do esgoto poderá servir como alerta precoce da reemergência da covid-19 na cidade. De uma maneira inesperada, a epidemia do novo coronavírus revelou a importância da inserção da Virologia Ambiental nas Políticas Públicas de Saúde, assim como uma compreensão maior, por parte da população, do termo conhecido como Saúde Única, que se refere a integração da saúde humana, saúde animal e do ambiente, para adoção de medidas de prevenção e controle de doenças a nível global.

Marize Pereira Miagostovich

Laboratório de Virologia Comparada e Ambiental
Fundação Oswaldo Cruz

É verdade que há um aumento de visitas da fauna em determinadas áreas em razão do isolamento social?

Recentemente temos recebido diversas imagens e vídeos sugerindo que, devido à diminuição da atividade humana e a consequente diminuição dos barulhos antropogênicos, os animais estão mais confiantes em se aproximarem das cidades ou de outras concentrações humanas. As imagens são sugestivas e o raciocínio faz sentido. No entanto, será que os animais estão mesmo aproveitando o isolamento social trazido pela covid-19 para mostrarem seus focinhos nas cidades?

Creio ser essa pergunta bastante interessante e gostaria de saber a resposta, já que ela tem reflexos em como pensamos nossas cidades, em como nos comportamos nelas. Para responder a essa pergunta precisaríamos de uma boa quantidade de dados que permitisse comparar os avistamentos de animais selvagens nos ecossistemas urbanos sem e com isolamento social. Precisaríamos também controlar certas variáveis, como grupo taxonômico (mamíferos sempre chamam mais atenção que lagartos, aves noturnas são mais discretas), sazonalidade, local da observação, horário, quantidade de câmeras na região e comportamento do animal. Além disso, seria necessário muito cuidado com a qualidade da fonte dos dados, porque fakes estragam qualquer análise séria dos fatos.

Registros de animais em cidades sempre aconteceram, por isso não é simples responder a essa pergunta, apesar da vontade de concordarmos com ela. Seja um jacaré no lago do parque, uma capivara desavisada nos arredores de uma lagoa urbana, uma suçuarana sorrateira percorrendo ruas durante a madrugada, os exemplos pré-isolamento são muitos. Talvez os registros de animais tenham ficado cada vez mais comuns com o aumento das câmeras de segurança, pela disseminação de celulares, mas também pelo avanço contínuo das ocupações humanas sobre as áreas naturais. Se os animais aumentaram sua presença nas cidades com o isolamento social, não saberia responder com certeza. No entanto, sempre é possível fazermos cidades mais amigáveis para a fauna e entendermos como algumas espécies estão vivendo nesses ambientes hostis.

Por outro lado, sei que a quarentena trouxe a oportunidade de diminuirmos ritmo, de aproveitarmos mais atentamente o mundo que existe além de nossas ruas barulhentas e das telas de nossos celulares. É importante lembrar que o mundo natural está ao nosso redor. Um mundo que precisa ser mais valorizado, apreciado e compreendido.

Reuber Albuquerque Brandão

Laboratório de Fauna e Unidades de Conservação
Departamento de Engenharia Florestal
Universidade de Brasília

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