Plantas medicinais: maconha também é?

Reflexões resultantes do diálogo entre uma professora de ensino médio e um pesquisador da área de farmacologia.

O que a camomila, o boldo e a Cannabis sativa, popularmente conhecida como maconha, têm em comum? As três plantas são consideradas medicinais. Embora estejamos mais do que acostumados a ouvir que devemos tomar um chá de camomila para acalmar ou o de boldo para melhorar a digestão, o mesmo não se aplica à Cannabis sativa. Incluída na lista de plantas medicinais da Anvisa em 2017, a maconha com finalidade terapêutica ainda é proibida no Brasil, e seu uso causa muita polêmica. Pacientes que tiveram prescrição de medicamentos extraídos da planta precisaram entrar com ação na Justiça para garantir o tratamento.

Recentemente, o primeiro medicamento à base de maconha foi aprovado no Brasil, sua finalidade é amenizar a rigidez muscular associada à esclerose múltipla. Mas antes de ampliar as considerações sobre a Cannabis sativa –a partir da qual tanto se pode produzir medicamentos, quanto uma droga ilegal no Brasil e em muitos países –, é preciso pontuar o que caracteriza uma planta medicinal.

Sabedoria que vem do passado

Espécies vegetais usadas pela medicina popular e tradicional de diversos povos com finalidade terapêutica são classificadas como plantas medicinais. Povos indígenas e quilombolas, por exemplo, sempre usaram diversas plantas com essas propriedades curativas ou para prevenir doenças. Não podemos chamar de planta medicinal aquela de onde se extrai um composto para uso terapêutico, mas que não é usada na medicina popular com essa finalidade.

Algumas plantas têm histórias curiosas, como a Beladona (Atropa beladonna). Usada inicialmente por mulheres para avermelhar a pele e dilatar a pupila (por isso beladona), esta espécie também foi, no passado, empregada para cometer suicídio, devido ao seu efeito tóxico. Recentemente, tem sido estudada como forma de controlar os sintomas da doença de Parkinson, pois apresenta capacidade de atenuar tremores e a rigidez muscular causados pela doença. Apesar de tóxica, por ter sido inicialmente de uso popular, pode ser chamada de planta medicinal.


Todo fitoterápico tem origem numa planta medicinal, mas nem todas as plantas medicinais se tornaram fitoterápicos.

Fitoterápico X planta medicinal

Um fitoterápico é um medicamento produzido a partir de um extrato ou tintura de uma planta que tem sua eficácia, segurança e qualidade comprovadas. Nem todas as plantas medicinais deram origem a fitoterápicos, porque para tal é preciso que sejam estudadas cientificamente e testadas para esse fim. Ou seja: todo fitoterápico tem origem numa planta medicinal, mas nem todas as plantas medicinais se tornaram fitoterápicos.

Os fitoterápicos e as plantas medicinais são usados em contextos diferentes. Enquanto os primeiros são vendidos em farmácias e passam por todos os processos de qualquer outro medicamento, as plantas são utilizadas in natura, em chás etc. Um pajé, por exemplo, utiliza várias plantas medicinais para tratar doenças na sua tribo sem precisar ir à farmácia ou ler uma bula.

 

A maconha na Antiguidade

Estudos científicos apontam a eficácia de componentes da maconha para o alívio da dor em pacientes com doenças terminais e de sintomas associados a doenças como esclerose múltipla, epilepsia, glaucoma, mal de Parkinson, entre outras. Desde a década de 1990, diversos países têm legalizado o uso de princípios ativos da maconha para tratamento de doenças, entre eles Israel, Canadá, Chile, Uruguai e dezenas de estados nos EUA.

Mas como a maconha passou a ser usada para fins terapêuticos? A planta do gênero Cannabis foi usada na Antiguidade por povos do oriente para curar prisão de ventre, cólicas menstruais, malária, reumatismo, entre outros males. Como há registro de que foi utilizada para cura de doenças por povos antigos, a Cannabis pode ser considerada planta medicinal.

A popular maconha possui mais de 200 substâncias conhecidas com efeitos diferentes no organismo –podemos citar o THC (alucinógeno) e o Canabidiol (terapêutico). Por isso, sua administração deve ser criteriosa e acompanhada por um especialista. Um dos usos terapêuticos mais comuns é por meio do óleo extraído do Canabidiol, que ajuda a reduzir, por exemplo, convulsões.

Atualmente, um projeto de lei (PLS 514/2017) que prevê a legalização do uso medicinal da maconha tramita no Senado brasileiro. Por outro lado, apesar de já ter autorizado seu uso terapêutico e a adicionado à lista de plantas medicinais, a Anvisa não liberou a importação de sementes e cultivo da Cannabis. Portanto, o uso da maconha – seja como planta medicinal ou fitoterápico – ainda enfrenta obstáculos no país.


Estudos científicos apontam a eficácia de componentes da maconha para o alívio da dor em pacientes com doenças terminais e de sintomas associados a doenças como esclerose múltipla, epilepsia, glaucoma, mal de Parkinson, entre outras.

Plantas medicinais na sala de aula

Os obstáculos que se apresentam para o uso medicinal da Cannabis por pacientes afetam também seu estudo em laboratórios de universidades e outras instituições, uma vez que pesquisadores precisam de autorização para importar o produto e, consequentemente, trabalhar legalmente.

Por sua vez, o estudo de plantas medicinais, de maneira geral, é bastante difundido no Brasil. Dada sua importância, o tema também deve estar nas salas de aula do ensino básico brasileiro. No caso específico da Cannabis,suas propriedades medicinais despertam grande interesse e devem ser discutidas e trabalhadas como motivador de maior conhecimento do organismo vegetal, sem que isso venha estimular seu uso indiscriminado.

Em outras palavras, não há qualquer apologia às drogas quando um docente, ao falar da maconha, pretende mostrar aos alunos que as plantas medicinais e os fitoterápicos são possibilidades terapêuticas reais e uma alternativa para cura e tratamento de doenças.

Adriana Cristina Cabral da Silva Teixeira
aluna do Mestrado Profissional em Ensino de Biologia em Rede Nacional (ProfBio)

*Artigo resultante de entrevista com o pesquisador Luiz Claudio Di Stasi, Departamento de Farmacologia, Universidade Estadual Paulista

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