Razões para aproximar a tecnologia da sala de aula

Reflexões resultantes do diálogo entre uma professora do Ensino Médio e uma pesquisadora na área de tecnologia e educação.

 

Muito se falou sobre o Uruguai ter sido o primeiro país da América Latina a entregar computadores portáteis para cada um dos 300 mil alunos dos ensinos fundamental e médio das 2,3 mil escolas públicas de seu território. A iniciativa, de 2007, foi batizada de Plano Ceibal (sigla para Conectividad Educativa de Informática Básica para el Aprendizajeen Línea) e considerada inovadora, porque não pretendeu substituir os materiais analógicos pelos dispositivos digitais para favorecer a transmissão de conteúdos curriculares e subir no ranking dos exames educacionais oficiais. A premissa era introduzir a cultura digital no ambiente educativo e, dessa forma, promover a criatividade, a autonomia e a autoria dos envolvidos, estimulando um processo de aprendizagem motivador e, de fato, permanente.

Nos anos seguintes à implantação do Plano Ceibal, diversas avaliações nacionais e internacionais foram feitas. Um estudo encomendado pela Administração Nacional de Educação Pública do país, por exemplo, constatou que não houve avanço dos estudantes nas áreas de matemática e leitura. Por outro lado, de acordo com o índice do Fórum Econômico Mundial, o Uruguai passou à frente do Brasil e do México nas classificações internacionais de preparação tecnológica. Que lição tiramos disso? Com erros ou acertos, a relação da escola com a tecnologia é inevitável.

Mais de uma década depois do lançamento do plano uruguaio, o Brasil ainda enfrenta grandes obstáculos para favorecer a adoção de tecnologias nas escolas. Embora muitas salas de aula disponham dos recursos tecnológicos, os professores não os utilizam como ferramenta didática. E tampouco estão convictos de que a tecnologia poderá melhorar o rendimento escolar. Cabe aqui uma questão já bastante recorrente: em vez de se esquivar do uso de celulares e outros aparelhos similares, as escolas não deveriam incorporá-los como ferramentas que podem contribuir fortemente com o ensino e a aprendizagem?

Créditos: Pixabay

 

Resistir ao uso da tecnologia não faz sentido, porque, a rigor, tecnologias são todas as ferramentas, todos os instrumentos criados pela humanidade até hoje. Ou seja: do giz ao celular, tudo é tecnologia. No âmbito do ensino, destacam-se duas classificações: Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC).

Por TIC, entendemos qualquer tecnologia eletrônica, analógica ou digital, que possibilite a aquisição ou depósito da informação com a possibilidade de potencializar a comunicação. O PC (computador pessoal) é uma TIC, por exemplo. Já as TDIC são todas as tecnologias que podem ser usadas em movimento, ou seja, que possibilitam a informação e a comunicação e podem ser conectadas por horas sem a necessidade da eletricidade para carregar baterias. Aqui se incluem os tablets, smartphones e demais dispositivos móveis com conexão à internet por Wi-Fi ou 3G, 4G etc.

 

Motivos não faltam

Essas diferentes tecnologias digitais permitem aos alunos o contato com novas linguagens, e aproximam o conteúdo de ensino às novas gerações, os nativos digitais, que, desde pequenos, têm naturalidade e domínio sobre os recursos tecnológicos.

Mas quais são, efetivamente, os motivos para incorporar esses recursos na prática docente? Podemos citar alguns exemplos, como a ampliação do alcance e da equidade no ensino, isto é, com conteúdos em rede mais pessoas podem ter acesso à educação. Podemos destacar também o desenvolvimento da educação em áreas de menor acesso, uma vez que a internet e a tecnologia podem levar a educação a diversos lugares – com o devido respaldo de políticas públicas, evidentemente. Cabe também mencionar o apoio a alunos com deficiência, dado que as novas tecnologias são versáteis, flexíveis e fáceis de adaptar a diversas necessidades. Outro ponto a favor é a otimização do tempo em sala de aula, afinal de contas a tecnologia na educação pode expandir os limites e criar interatividade fora da sala de aula. Não podemos esquecer a facilitação da aprendizagem contínua, dado que os estudantes das gerações Y e Z se sentem mais à vontade estudando com tecnologias. Uma outra vantagem seria a aproximação entre o aprendizado formal e o informal, considerando que a tecnologia mistura ferramentas de lazer com as de educação.

Se as vantagens são tantas, por que essas tecnologias ainda são pouco empregadas? Uma das razões é a pouca familiaridade docente com as tecnologias educacionais, mostrando que é fundamental o investimento na preparação do professor para utilizar esses recursos em sala de aula. Outro obstáculo relevante é que nem todas as escolas têm bom acesso à internet, não atendendo à demanda de alunos e professores. O mesmo ocorre com os equipamentos. Poucas escolas têm a infraestrutura ideal para um ensino de qualidade.

Por tudo isso, no atual cenário da educação brasileira, torna-se difícil usar a tecnologia da mesma forma que em outros países, como Uruguai, Estados Unidos, Finlândia, França, Canadá etc. Nesses lugares, já se entendeu que a mudança não está em apenas levar a tecnologia à sala de aula. É preciso promover a mudança no professor, no estudante, e refletir sobre que educação se deseja para o desenvolvimento.

Ainda que seja lugar-comum, não custa reforçar que, ainda que se tenha o cenário ideal para o uso das mais avançadas tecnologias em sala de aula, nenhuma delas substitui o professor. Será sempre valiosa a função do docente, seja como orientador ou facilitador de ideias, para organizar, esclarecer, contextualizar o que está sendo ensinado e aprendido.

Virgínia Samôr Alves

Aluna do Mestrado Profissional em Ensino de Biologia em Rede Nacional (ProfBio)

*Artigo resultante de entrevista com a pesquisadora Núria Pons Vilardell Camas, da Universidade Federal do Paraná

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