Era de se esperar que, com o passar do tempo, o legado bastante expressivo da ciência faria com que as sociedades se mostrassem cada vez menos resistentes a seus preceitos. Em outras palavras, ao longo da história da ciência, a humanidade deveria aceitar que hipóteses se transformam em teorias sólidas graças a demonstrações absolutamente contundentes sobre um aspecto ou outro da natureza.
No entanto, o que se observa hoje é o contrário. Formam-se contingentes cada vez mais numerosos de indivíduos não iniciados que, de maneira sistemática, rejeitam os fatos e, não contentes com isso, ainda divulgam interpretações imaginárias que costumam beirar o absurdo. É uma ocorrência alastrante de negação àquilo que é sensato; quase um motim deflagrado por razões ainda em debate.
Diante desse fenômeno, muitas perguntas vêm à mente, mas as mais intrigantes são: a) por que isso está ocorrendo agora? b) como os negadores da ciência conseguem convencer seus pares, mesmo quando defendem propostas risíveis? c) como parar essa tendência?
Os exemplos mais notórios giram em torno da degradação do meio ambiente e do aquecimento global, de terapias diversas que compõem a chamada medicina alternativa, da pregação contra as vacinas e de conjecturas exóticas sobre a geometria da Terra, entre muitos outros. Por vezes, o pensamento anticientífico é inócuo; apenas uma manifestação motivada pelo narcisismo, desejo de aparecer. Mas, em outros casos, as lideranças revoltosas causam males reais.
Quando os que necessitam de amparo médico abandonam a trilha do conhecimento e buscam terapias paliativas em razão do obscurantismo malicioso, eles se afastam da cura e da prevenção. Nesse âmbito,o filósofo e historiador da ciência norte-americano Robert P. Crease, em seu livro A ascensão e queda da autoridade científica–e como resgatá-la(tradução livre), recomenda soluções para a crise, afirmando que não basta esbravejar contra os charlatães, mas sim reforçar as instituições que classicamente abrigam e protegem a ciência.
Segundo ele e tantos outros que se chocam com essa onda de negação, a solução em longo prazo é, não surpreendentemente, reforçar a educação como antídoto contra a pseudociência. Crease vai além e chama a atenção para o fato de que a propagação das inverdades deveria ser considerada um crime, da mesma maneira como, no passado, a Igreja tinha o poder de prender e/ou matar quem se opusesse à doutrina.
Atualmente, graças à tecnologia, nunca tantos tiveram acesso tão facilitado a grandes audiências. E aí vale tudo. Pode-se dar vazão a preconceitos e, sobretudo, propagar de forma eficaz ideias malformadas, simplórias. Em mídias como as redes sociais, não há censura acadêmica e, desse modo, o palanque fica à disposição de qualquer um.
Nessa situação, mesmo as noções mais descabidas encontrarão olhos e ouvidos receptivos, desde que a mensagem seja, em sua essência, fácil e divulgada com convicção. E isso pode trazer consequências trágicas para os crédulos. Embora as mídias sociais sejam ainda um advento recente, vale lembrar que a imprensa tradicional é obrigada a se adequar a todo um conjunto de leis e regras que essencialmente visam proteger os cidadãos contra, por exemplo, a calúnia e a desinformação.
Assim, a leniência observada nas mídias eletrônicas provavelmente terá que ser revisada à luz da imputabilidade daqueles que podem estar contribuindo de modo indireto para a morte de uma boa parcela da população. Nada novo aqui. Por ocasião da revolta da vacina de 1904 no Rio de Janeiro, os órgãos de saúde prevaleceram porque estavam de braços dados com o conhecimento. Se a ciência puder contar com a mesma autoridade, aqueles que praticam a difusão da ignorância serão finalmente banidos, ou então reeducados.
Franklin Rumjanek
Instituto de Bioquímica Médica,
Universidade Federal do Rio de Janeiro
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