Dentre cerca de 20 tipos diferentes de comportamentos, alguns nocivos ou ameaçadores para a sociedade ou alvo de preconceito (violência, abuso de drogas e alcoolismo, egoísmo, orientação sexual), outros neutros ou benéficos (talento para matemática e artes, solidariedade, desempenho atlético etc.), a maioria dos alunos invariavelmente atribuía os ‘maus’ comportamentos ao fator genético e os ‘bons’ comportamentos ao ambiente cultural. O resultado evidencia a presença de considerável carga de preconceitos, mesmo em uma população mais esclarecida. Os alunos do exemplo acima não estão sozinhos, e nem representam uma corrente de pensamento recente.
A sociobiologia
A valorização do componente genético resulta de um intenso bombardeio que teve início com o advento da sociobiologia, popularizada pelo biólogo norte-americano Edward Osborne Wilson (1929-) com seu livro Sociobiologia: a nova síntese, publicado em 1975. A sociobiologia propõe investigar qual a base biológica do comportamento animal, extensivo aos humanos, tendo como suporte experimentos que tentam identificar e quantificar a influência individual dos componentes genéticos e ambientais. O trabalho de Wilson deixou um legado importante, pois em seus estudos com animais, principalmente insetos, o uso de rigorosos controles lhe permitiu tirar conclusões objetivas sobre a herança do comportamento social.
Mas isso se torna bem mais complicado quando se trata de humanos, principalmente devido às restrições impostas pela ética. A necessidade de cautela imposta pelas limitações experimentais não inibiu pesquisadores que, inspirados pela sociobiologia, conduziram experimentos mal elaborados e que, fatalmente, levaram a conclusões equivocadas.
É importante ressaltar aqui que, sem dúvida, existem componentes genéticos influenciando o comportamento humano. No entanto, é importante que a demonstração experimental elimine a possibilidade de que os efeitos observados tenham como origem fatores culturais.
No arsenal da sociobiologia, a arma mais devastadora foi o estudo do quociente de inteligência (QI). O teste de QI foi inventado por volta de 1895 pelo psicólogo francês Alfred Binet (1857-1911), com a finalidade de medir o aproveitamento curricular de estudantes do ensino fundamental na França. A partir daí, o teste de QI foi adaptado e, em suas várias modalidades, foi adotado por muitos psicólogos e sociobiólogos como uma maneira de prospectar a inteligência individual humana.
Os resultados levaram os pesquisadores a tecer hipóteses abrangentes que culminaram na conclusão de que a capacidade cognitiva era herdada. Talvez o maior expoente dessa corrente do pensamento tenha sido o psicólogo norte-americano Arthur Jensen (1923-2012), cujo trabalho não tardou a ser extrapolado para as raças. Ao comparar os desempenhos de brancos e não brancos, Jensen concluiu que o aprendizado conceitual era mais evidente nos primeiros.
Esse trabalho polêmico foi um divisor de águas. Embora o texto de Jensen, de 1969, tenha deflagrado uma feroz crítica, o debate ainda prossegue nos dias de hoje de maneira apaixonada, atraindo legiões de pesquisadores, desde os sérios até os oportunistas que militam no cenário sociopolítico.
Durante algum tempo, em decorrência da polêmica levantada, a sociobiologia fez com que aqueles que se dedicassem a essa área do conhecimento fossem encarados com suspeita. Mas isso não durou muito tempo. Agora, em razão de uma velha estratégia de marketing que ensina que um produto impopular pode novamente ganhar as graças do público consumidor, bastando para tal glamorizá-lo, mudando seu nome ou sua roupagem, surge uma nova especialidade.
A sociogenômica
Do casamento entre a sociologia e a genômica, surge a sociogenômica. A genômica é o estudo dos dados gerados pelas técnicas modernas que viabilizaram o sequenciamento em massa do DNA. Com essa abordagem, é possível hoje produzir, rapidamente e com custo relativamente baixo, genomas humanos completos. Os enormes bancos de dados estão à disposição dos cientistas que desejam examiná-los para entender de que forma os genes contribuem tanto para a saúde como para a doença.
Ricardo
Gostei bastante do texto, principalmente pela concisão e pela simplificação de conceitos técnicos. Faz parte do ideário irrefletido a relação de causalidade entre a dita “boa” carga genética e o sucesso pessoal, mas os fatores ambientais e os psicológicos se mostram muito mais eficazes na formação do ser humano. Existem, com certeza, variáveis biológicas, mas isto a meu ver não se condiciona a limites pouco objetivos, tais como o conceito de “raças”, conquanto, em verdade, revele a carga ideológica de quem assim pensa.
Publicado em 21 de julho de 2018
Franklin David Rumjanek
Caro Ricardo,
Obrigado pelos comentários. Vou aguardar mais um pouco para verificar se teremos opiniões contrárias. Nesse caso o debate ficará animado. Abraço, Franklin
Publicado em 23 de julho de 2018
Rodrigo
Gosto muito da imagem do Denis Noble que tece em “The Music of Life: Biology beyond the Genome” quando declama que os genes “estão presos em imensas colônias, trancados dentro de seres altamente inteligentes, modelados pelo mundo exterior, comunicando-se com ele por meio de processos complexos, através dos quais aparecem funções, cegamente, como num passe de mágica. Eles estão em você e em mim: somos o sistema que permite que o código deles seja lido, e sua preservação é totalmente dependente da alegria que experimentamos ao nos reproduzir. Somos a razão última para a existência deles.”
Publicado em 11 de agosto de 2018
Anônimo
Olá Rodrigo. Sim, é uma forma poética de descrever o embate “nature x nurture”. Pena que é genérico.
Publicado em 20 de agosto de 2018
Isabelle
Acredito que vivemos em uma era onde a genética determinista ainda é bastante defendida. Como apresentado no texto, este conceito pode levar a um caos na sociedade.
Publicado em 16 de agosto de 2018
Paulo da Silva
Errado, vivemos numa sociedade onde a ideia do Ambiente que molda tudo, a influência da genética é mal vista por muitos. É fácil falar que a você é “burro” por causa de fatores ambientais, mas difícil falar para pessoa que talvez ela não seja “pre-disposta” a ser “boa” na escola. No outro lado da moeda, é fácil falar que a pessoa é homosexual por causa da genética do que falar que é “por escolha”. A genética comportamental é má vista por muitos no meio educacional, e até compreensível, já que bota o homem numa paradigma muito dualista, ou você é “bom” ou “ruim” geneticamente, o que tira o valor e interindividualidade da pessoa, mas pelos estudos de mais de 50 anos de genética comportamental, esse paradigma realmente existe, é como dizem, “os fatos não tem ética ou moral, são apenas fatos” A questão é: como lidamos com esses fatos? Escodemos? Criamos políticas que ajudem todos? Segregação?
Publicado em 17 de agosto de 2018
Franklin Rumjanek
Caro Paulo, obrigado pelos comentários. Ao contrário do que você escreveu, o ponto de meu artigo foi justamente mostrar que vivemos na era da genetificação. Por isso é importante trazer para o debate a influência do meio ambiente. Talvez seja útil para você reler o que escrevi.
Publicado em 20 de agosto de 2018
Anônimo
Cara Isabelle, Não sei se entendi bem seu comentário. Acho que se esse texto e outros forem devidamente apreciados pelo menos haverá um salutar debate.
Publicado em 20 de agosto de 2018
Franklin Rumjanek
Cara Isabelle, Não sei se entendi bem seu comentário. Acho que se esse texto e outros forem devidamente apreciados pelo menos haverá um salutar debate.
Publicado em 20 de agosto de 2018
Publicado em 20 de agosto de 2018
Samira Vargas
Olá. Poderia informar as referências da pesquisa que se valeu do teste com as turmas de graduação na UFRJ? Agradeço desde já.
Publicado em 16 de agosto de 2018
Franklin Rumjanek
Olá Samira, obrigado pela pergunta. Esses dados não foram publicados. A pesquisa foi realizada por mim ao longo do curso de Origem da Vida, ministrado para muitas turmas da UFRJ. O questionário sobre a influência genética foi oferecido à centenas de estudantes com o objetivo de mostrar que as pessoas já carregam uma dose de preconceito quando se trata de debater as influências do meio ambiente e da genética.
Publicado em 20 de agosto de 2018
MARCELO ERDMANN BULLA
Olá, Franklin Rumjanek. Alguns comentários:
Você afirma que “A necessidade de cautela imposta pelas limitações experimentais não inibiu pesquisadores que, inspirados pela sociobiologia, conduziram experimentos mal elaborados e que, fatalmente, levaram a conclusões equivocadas”. Bem, isso ocorre em todas as áreas, não? Experimentos mal conduzidos é comum na ciência. Conclusões equivocadas são comuns na ciência. Não apenas na sociobiologia.
Você conclui o texto defendendo que “Desse modo, podemos depreender que, até segunda ordem, a herança do comportamento ainda carece de fatos e representa apenas um conjunto de preconceitos que devem ser desconsiderados”. Sugiro a leitura de alguns textos:
1. Livro The Triumph of Sociobiology (2001) de John Alcock. Sugiro o livro inteiro, mas especificamente o Capítulo 3, subcapítulo 1: “The Mith of the Genetic Determinism”.
2. Livro-texto de John Alcock “Animal Behaviour – An Evolutionary Approach” (2009, 2013 ou 2018), especificamente onde ele defende “the triumph of evolutionary theory of human behaviour”.
3. Tópico 14.7 do livro Evolutionary Analisys (2007 ou 2014) – Adaptation and Human Behaviour: Parenting. Pode ser o livro em português de 2009 ou o em ingês, mais recente, o de 2014.
Além disso, há cientistas que defendem a existência de raças humanas. A ausência de raças não é unanimidade, pode até ser consenso, mas não unanimidade.
Abrçs, Por enquanto é isso.
Publicado em 2 de outubro de 2018