Bicampeão renovável

Nos últimos anos, o ímpeto do etanol brasileiro diminuiu, mas mantivemos papel de liderança regional na área de energias renováveis, graças à força da nascente indústria eólica. É o que mostra a segunda edição de um relatório internacional sobre o tema, que classifica os países da América Latina e Caribe com relação a investimentos, incentivos, infraestrutura e perspectivas na área. Especialistas reunidos no lançamento preliminar do índice, que traz o Brasil em primeiro lugar pelo segundo ano consecutivo, destacaram avanços na política energética nacional, mas ressaltaram nossos grandes desafios para um ‘crescimento limpo’ e debateram o risco de futuros apagões no país. 

O Climatescope é um ranking produzido pela Bloomberg New Energy Finance (BNEF) em parceria com o Fundo Multilateral de Investimento (Fumin) do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O resultado completo da segunda edição só será conhecido na íntegra no dia 3 de outubro, mas na terça-feira (03/09) foram divulgados alguns dados preliminares, um pequeno aperitivo que mostra o Brasil na liderança regional pela segunda vez, seguido de Chile, que subiu três posições em relação ao último ano, e Nicarágua, segunda colocada em 2012, num total de 26 avaliados. 

ClimatescopeO ideia do índice é orientar a atuação dos principais envolvidos na área de energia limpa de baixa emissão de carbono, dos setores público e privado nacionais ao investidor estrangeiro. “A região das Américas é muito rica em recursos energéticos, mas faltam informações sistematizadas e atualizadas, fundamentais na tomada de decisão”, afirmou Luciano Schweizer, representante do Fumin no evento. “O Climatescope atende essa demanda central para o desenvolvimento da área.” 

O índice avalia diversos fatores complementares, como políticas de regulação, estrutura do mercado de energia, demanda energética, volume de investimentos, cadeia de valor instalada e provedores de financiamento, assim como projetos e políticas de incentivo ao mercado do carbono. “Observamos, por exemplo, que faltam estruturas como a do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], responsável por grandes investimentos no Brasil, o que aumenta a relevância do BID na área”, avaliou Maria Gabriela Oliveira, chefe de pesquisa para América Latina da BNEF. 

Oliveira: “Em 2014, o Climatescope abrangerá África e Ásia e vai avaliar o desempenho do Brasil em relação a países que têm investido muito, como África do Sul e China”

Dados da própria BNEF mostram uma redução inédita dos novos investimentos em energias renováveis no último ano no mundo – foram 338 bilhões de dólares, 13% a menos do que em 2011. Na região do Climatescope, a redução foi menor, de 11 para 10 bilhões de dólares. A composição dos investimentos por aqui também mudou: nos últimos anos, os biocombustíveis, em especial o etanol brasileiro, perderam espaço para a energia eólica, área também capitaneada pelo Brasil. “Em 2014, o Climatescope abrangerá África e Ásia e será interessante avaliar o desempenho do Brasil em relação a outros países que têm investido muito, como África do Sul e China”, comentou Oliveira. 

Ventos do futuro

Segundo Marcos Meirelles, CEO da Rio Energy Projetos de Energia Ltda, a energia eólica deve continuar a crescer na matriz energética brasileira no futuro próximo – a previsão é de que a capacidade instalada no país chegue a um valor próximo a 10GW até o fim da década.

Comin: “A energia eólica já está adulta, só é menos lucrativa do que os grandes empreendimentos hidrelétricos”

“A energia eólica já está adulta, só é menos lucrativa do que os grandes empreendimentos hidrelétricos”, afirmou Alexandre Comin, diretor do Departamento de Competitividade Industrial do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. “O que precisamos agora é de estabilidade de regras e de esforços para preencher buracos na cadeia produtiva.”

O modelo de leilões de energia adotado pelo país foi elogiado pelos especialistas, mas sua implementação prática recebeu críticas. “É uma política muito bem-sucedida, mas precisa de um planejamento maior, definir o quanto se quer produzir a partir de cada fonte, isso é fundamental também para o investidor”, avaliou Meirelles. “A demanda boa para a indústria deve ser grande, previsível e estável, mas ainda não tivemos no Brasil dois leilões que seguissem as mesmas regras, o que é muito prejudicial”, completou Comin.

Apagão
Apesar da liderança regional do Brasil apontada no ranking do Climatescope, atrasos, problemas estruturais e inconstância do setor mantêm vivo o fantasma do apagão. (foto: Pedro Z Malavolta/ Flickr – CC BY-NC-SA 2.0)

Philipp Hauser, vice-presidente de mercados de carbono do grupo GDF Suez na América Latina, destacou que o Brasil precisa encontrar formas de crescer a taxas maiores sem abrir mão da energia limpa, mas ressalvou o impacto negativo da carga tributária sobre o setor. “O país tem recorrido às termelétricas não para cobrir eventuais problemas, mas de forma estrutural e sem planejamento”, criticou. “Além disso, a carga de impostos e a pressão atual para a redução do preço final da energia têm criado muita turbulência no setor.”

Brilho solar ou escuridão?

Os especialistas também destacaram as expectativas em relação à utilização da energia solar. “Acredito que sua exploração possa começar com leilões específicos, mas sua maior importância será na geração distribuída, ou seja, na energia gerada pelo próprio consumidor”, afirmou Meirelles. A perspectiva também foi defendida por Comin, que ressalvou: “É preciso incentivar, reduzir impostos, beneficiar os consumidores que introduzirem energia na rede, estamos buscando parcerias para dar incentivo à instalação de painéis solares, em especial direcionados a pessoas jurídicas.”

Energia solar
Apesar do sucesso atual da energia eólica, especialistas apostam na força da energia solar no futuro e acreditam que geração descentralizada será importante no setor. (foto: Francisco.Santo Antonio do monte/ Flickr – CC BY 2.0)

Apesar dos avanços, a memória recente do apagão de 2001 ainda assusta. Para Hauser, o crescimento do país abaixo do esperado ajudou a reduzir a pressão por energia, mas ainda assim o aumento da demanda tem sido grande, em especial pela elevação da renda da população. “O Brasil lidera o Climatescope, mas sofre com o atraso de obras de infraestrutura importantes para a segurança energética”, ponderou. “Os novos empreendimentos têm tido dificuldade de lidar com a questão ambiental e a capacidade eólica instalada ainda representa apenas um quarto do total já contratado.”

Hauser: é preciso avaliar não só a competitividade da fonte, mas a da matriz como um todo

Para Meirelles, uma nova redução drástica forçada da demanda, como na época do apagão, pode trazer impactos bem maiores do que o evento anterior. “Naquela época, havia uma política de consumo energético muito ineficiente, foi possível ‘cortar a gordura’, mas não poderemos fazer isso de novo”, destacou. Comin ponderou: “Não acredito que o país esteja perto de uma situação como essa, mas se ela se repetisse, as consequências para a economia realmente seriam maiores”

Por tudo isso, Hauser voltou a destacar a importância do planejamento. “Não vale olhar só o preço da energia, é preciso pensar na capacidade de modular o sistema”, afirmou. “Se o país voltar a crescer mais e os atrasos persistirem, pode haver colapso. Então é preciso avaliar não só a competitividade da fonte, mas a da matriz como um todo.”

Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line