Casar, tomar sorvete ou comprar uma bicicleta?

Como seria sua vida hoje se você tivesse feito outra faculdade, casado com a primeira namorada ou comprado aquele apartamento mais feinho, mas muito mais barato? Talvez melhor, talvez pior, mas você nunca saberá ao certo. O que é ótimo, aliás: segundo um estudo francês publicado em 21 de maio na revista Science, descobrir que as coisas poderiam ter sido melhores é um grande estraga-prazeres — e o culpado é o córtex orbitofrontal (COF), região situada na porção mais frontal do cérebro, entre os olhos.

O estudo mostra que o COF é necessário para a sensação de arrependimento, aquela emoção indesejada que só aparece quando se compara o que é com o que poderia ter sido. Em um jogo simplificado de roleta, a equipe de Angela Sirigu, no Centro Nacional de Pesquisas Científicas francês, pediu a 18 voluntários saudáveis que avaliassem sua satisfação com o resultado da escolha de rodar uma de duas roletas, cada uma com chances diferentes de fazer o jogador ganhar ou perder dinheiro.

Se apenas a roleta escolhida era rodada, os voluntários ficavam felizes de ganhar dinheiro e tristes de perdê-lo, como seria de se esperar. No entanto, quando a outra roleta também era rodada — ’só para saber o que daria’ –, conhecer o resultado podia acabar com a alegria de um pequeno prêmio em dinheiro. Bastava o prêmio máximo equivalente a 40 reais ser sorteado na roleta não escolhida, e o jogador, arrependido, se dizia até triste de ter ganhado 10 reais na sua roleta.

Os cinco pacientes com lesões no COF que participaram do mesmo jogo ficavam igualmente alegres ou tristes com o resultado de suas decisões. Mas não sentiam arrependimento: para eles, o resultado da roleta não escolhida era indiferente. Sem o COF, o cérebro não tem mais como comparar o que foi com o que poderia ter sido, e 10 reais na mão serão sempre melhores do que 40 voando na roleta não escolhida.

Poderia até parecer uma benção, se não fosse um problema — e os problemas aparecem com a repetição do jogo. Ao longo de 30 rodadas, os jogadores normais acumularam em média (e levaram para casa!) mais de 70 reais, mas os pacientes com lesão no COF só conseguiram ganhar dívidas, de 20 reais aproximadamente.

Um modelo matemático do jogo e das escolhas de cada jogador indica a razão. Embora a expectativa de maximizar os ganhos e minimizar as perdas seja o fator mais importante na hora de tomar decisões financeiras, como minha irmã economista já havia me ensinado, jogadores normais também levam em consideração a chance de arrepender-se, dependendo dos resultados possíveis da opção alternativa. Sem o COF, e desse modo sem a chance de arrepender-se, os pacientes contavam apenas com a decisão racional de maximizar os ganhos — e acabavam se endividando.

Tomar boas decisões, portanto, é maximizar os ganhos mas também evitar arrependimentos. E evitar arrependimentos, como o estudo mostra, é algo que só se aprende… se arrependendo ocasionalmente, até que o cérebro passe a antecipar hoje o seu arrependimento de amanhã, antes de tomar uma decisão. Tudo isso graças ao COF, estrutura por sinal muito bem relacionada: conversa com regiões dorso-laterais do córtex pré-frontal, que cuidam do raciocínio e do planejamento; com estruturas do sistema límbico, responsáveis pela expressão das várias emoções; e participa da avaliação de recompensas e resultados como bons ou ruins.

Não é à toa que o COF é o último pedaço do córtex a ficar ’pronto’ na adolescência, como mostra um estudo a ser publicado em 25 de maio nos Proceedings of the National Academy of Sciences dos EUA. Faz sentido: ser adulto é tomar decisões dezenas de vezes por dia, e o COF dos adolescentes deve mesmo estar em franco aprendizado, à medida que eles se apaixonam pelas pessoas erradas, bebem demais, e com um pouco de sorte começam logo a se arrepender de não ir à escola ou gastar dinheiro com besteiras.

Sorte têm as crianças, que não precisam decidir grandes coisas além do sabor do sorvete…

Fonte: Camille N, Coricelli G, Sallet J, Pradat-Diehl P, Duhamel, JR, Sirigu, A. The involvement of the orbitofrontal cortex in the experience of regret. Science 304, 1167-1170 (2004).

Gogtay N, Giedd JN, Lusk L, Hayashi KM, Greenstein D, Vaituzis AC, Nugent III TF, Herman DH, Clasen LS, Toga AW, Rapoport JL, Thompson AM. Dynamic mapping of human cortical development during childhood through early adulthood. PNAS 101, 8174-8179 (2004). SM, Li J, Tomlin D, Cypert KS, Montague LM, Montague PR. Neural correlates of behavioral preference for culturally familiar drinks. Neuron 44, 379-387 (2004). 

Suzana Herculano-Houzel
O Cérebro Nosso de Cada Dia