Em busca de mais anos de vida

Envelhecer é inevitável, mas, cá entre nós, independentemente de sua crença ou religião, quem não gostaria de viver mais?

Por séculos a humanidade busca o elixir da juventude. Teve gente que já acreditou até que banho com sangue de jovens virgens prolongaria eternamente a vida, mas como diria um colega meu: “só a ciência salva!”

Apesar de ainda estarmos muito longe de descobrir a pílula dourada da imortalidade, as bases biológicas da longevidade vem sendo cada vez mais bem compreendidas. Um estudo publicado por cientistas dos Estados Unidos na revista Nature Cell Biology sugere que uma proteína originalmente associada à divisão celular pode estender a expectativa de vida em mamíferos. Mas como?

Vamos por partes. Durante a divisão de uma célula, o material genético compactado sob a forma de cromossomos precisa ser duplicado e distribuído em partes iguais entre as duas células que estão sendo geradas.

Para que a distribuição dos cromossomos ocorra sem erros, os mamíferos desenvolveram um mecanismo de vigilância, chamado de ‘checkpoint mitótico’. BubR1 é um dos componentes desse ponto de checagem e ajuda a orquestrar a separação dos cromossomos durante a mitose.

Mutações em BubR1 foram associadas a uma doença rara, conhecida como síndrome da aneuploidia variada em mosaico e cujos pacientes possuem células com números alterados de cromossomos (fenômeno conhecido como aneuploidia; daí o nome da doença), predisposição à formação de tumores e várias características associadas ao envelhecimento, incluindo expectativa de vida curta, crescimento reduzido, atraso mental, catarata etc.

Mitose
Durante a divisão celular, os cromossomos se duplicam para formar duas células iguais. Para que essa divisão ocorra sem erros, os mamíferos desenvolveram um mecanismo de controle, do qual BubR1 é um dos componentes. Mutações nessa proteína aumentam as chances de formação de tumores e acentuam sintomas de envelhecimento. (imagem: Roy van Heesbeen)

Camundongos mutantes que produzem baixas quantidades dessa proteína também possuem células com diferentes números de cromossomos, curta expectativa de vida, retardo no crescimento, catarata, sarcopenia (perda de massa e força muscular), perda de gordura subcutânea e outras características associadas ao envelhecimento.

Essas informações, aliadas ao fato de que a produção de BubR1 diminui com a idade, levantou a hipótese de que a ausência de BubR1 poderia contribuir para o envelhecimento biológico.

Integridade genômica

Para testar essa hipótese, a equipe de Jan M. van Deursen nos Estados Unidos criou camundongos capazes de produzir grandes quantidades de BubR1. Essa superexpressão de BubR1 não causou alterações nos pontos de checagem do ciclo celular. Não foi observado, por exemplo, aumento da taxa de aneuploidia espontânea nesses animais.

Por outro lado, quando os animais eram expostos a agentes capazes de induzir cânceres de pulmão e pele, apenas 33% deles desenvolveram tumores. No grupo controle (animais com níveis normais de BubR1), todos, ou seja 100%, ficaram doentes.

Quando os animais eram expostos a agentes capazes de induzir cânceres, apenas 33% deles desenvolveram tumores. No grupo controle, todos ficaram doentes

Aneuploidia é a marca registrada de cânceres (e também do cérebro, mas aí é outra história). Há evidências científicas de que essa condição favorece o desenvolvimento tumoral.

Em fibroblastos cultivados em laboratório, os pesquisadores demonstraram que a superexpressão de BubR1 diminui a geração forçada de células aneuploides. Nos animais, demonstraram que taxas de aneuploidia associadas ao envelhecimento também estavam reduzidas.

Esses resultados sugerem que a proteção antitumoral por níveis elevados de BubR1 estaria relacionada à preservação da integridade genômica e à manutenção de mecanismos de checagem mitótico mais eficazes.

De volta aos camundongos, aqueles que produziam grandes quantidades de BubR1, desenvolveram menos tumores e, consistente com essa redução, apresentaram aumento da longevidade.

Poderes restritos

Para testar se BubR1 teria efeitos antienvelhecimento independentes de sua capacidade protetora contra o câncer, diversos parâmetros associados à expectativa de vida foram analisados, incluindo perda de massa muscular.

Entre 3 e 24 meses de idade, animais comuns tiveram redução de diâmetro e peso de suas fibras musculares em torno de 35%, já aqueles que produziam grandes quantidades de BubR1 estavam protegidos da atrofia observada.

Além disso, animais com superexpressão de BubR1 superaram os outros em testes ergométricos, validando a preservação da função muscular e da função cardíaca, sugerindo que BubR1 impediria a entrada em senescência celular.

Por outro lado, osteoporose e catarata, desordens também relacionadas com a idade, não foram revertidas pela superexpressão de BubR1, indicando que seu efeito antienvelhecimento é restrito a células e tecidos específicos.

Em resumo, os dados sugerem que a expressão alta de BubR1 protege contra o câncer, atenua a deterioração relacionada com a idade de tecidos específicos e prolonga a vida de camundongos, muito provavelmente por atenuar a instabilidade cromossômica. 

BubR1
O estudo sugere que a alta expressão de BubR1 (na imagem) protege contra o câncer, atenua a deterioração relacionada com a idade de tecidos específicos e prolonga a vida de camundongos, fazendo da proteína um alvo promissor no desenvolvimento de novos tratamentos de cânceres humanos. (imagem: PhosphoSitePlus)

É possível que os efeitos benéficos de BubR1 também ocorram independentemente de seu papel na divisão celular. Isso porque essa proteína é conhecida por estar implicada em outras funções além da mitose. Estudos recentes sugerem inclusive que proteínas controladas por BubR1 regulam processos biológicos importantes em outras etapas da vida de uma célula, como sua diferenciação.

Portanto, BubR1 é mais um alvo promissor no desenvolvimento de novos tratamentos de um amplo espectro de cânceres humanos, cujo surgimento, como sabemos, pode estar associado ao processo natural de envelhecimento.

Stevens Rehen
Instituto de Ciências Biomédicas
Universidade Federal do Rio de Janeiro