Este é o seu cérebro vendo um faroeste

A pergunta parece filosófica: se eu e você assistirmos ao mesmo filme, nossos cérebros reagirão da mesma maneira? Claro que o primeiro impulso é responder “não”: o filme pode ser o mesmo, e até visto ao mesmo tempo — e no entanto duas pessoas nunca o verão nem o apreciarão da mesma forma.

Mas essa resposta está uns 30% errada, segundo um estudo israelense publicado na revista Science de 12 de março. Rafael Malach e sua equipe, do Instituto Weizmann de Ciência, pediram a cinco voluntários que assistissem a um trecho de meia hora do clássico do faroeste Três homens em conflito ( The good, the bad and the ugly ), de 1966. Detalhe: a sessão de cinema aconteceria dentro de uma máquina de ressonância magnética, para permitir que os pesquisadores acompanhassem as variações na atividade cerebral de cada espectador. 

O objetivo do estudo era justamente determinar se haveria alguma semelhança na atividade cerebral dos cinco espectadores, cada um na sua sessão privê. Resultado? A atividade de 29% da superfície do córtex — a camada mais externa do cérebro — variava de maneira semelhante nos diferentes espectadores. Se em certos momentos do filme o nível de ativação aumentava em uma dessas regiões corticais em um espectador, ele aumentava ali em resposta àquela cena também nos outros voluntários. Em outras palavras: Malach descobriu que 30% do córtex cerebral dos espectadores responde da mesma maneira, seja com um aumento ou uma diminuição da sua atividade, a cada momento do filme.

Que 30% são esses? Boa parte das variações semelhantes entre espectadores se espalhava por várias regiões do cérebro, e acontecia em resposta a cenas de tiros e explosões. Faz sentido: além de causarem surpresa e aumentarem como um todo o ’estado de alerta’ do cérebro, essas cenas têm alto impacto emocional, que altera o processamento de sinais dos sentidos pelo cérebro afora.

Mesmo descontando essas variações ’globais’ causadas por surpresa ou impacto emocional, 25% da superfície cortical dos cinco espectadores ainda respondia da mesma maneira às mesmas cenas. Dentre esses 25%, cenas diferentes ’ligavam’ áreas diferentes. Close-ups dos atores, por exemplo, provocavam em todos os espectadores um aumento da atividade da região cortical responsável pela identificação de rostos (“Este é o Clint Eastwood”, por exemplo). Cenas onde os movimentos das mãos dos atores eram importantes — um dedo no gatilho, manipulação de objetos –, por sua vez, causavam um aumento da atividade da região cortical dos espectadores que representa a posição das mãos.

De certa forma, portanto, o estudo pouco convencional não fez muito mais do que confirmar, em uma situação bem mais natural, o que os estudos padrão de ressonância magnética funcional já haviam mostrado: ver rostos provoca ativação aqui, ver mãos em movimento provoca ativação ali. Pode parecer pouco, mas só a constatação de que os resultados são semelhantes tanto na visão livre de um filme quanto em estudos onde os movimentos dos olhos são controlados já é uma conclusão importante para a neurociência.

E para o público que não liga para detalhes que deixam somente neurocientistas felizes, fica o complemento da descoberta dos autores: se 30% do córtex cerebral de pessoas diferentes se comporta da mesma maneira enquanto se assiste a um faroeste, a atividade dos outros 70% é perfeitamente imprevisível. O que deve explicar, por sinal, por que tem gente que é fã de Spencer, Terrence, Wayne e Eastwood, e outros mudam de canal rapidinho quando a paisagem é um deserto americano e o mocinho usa chapéu…

Fonte: Hasson U, Nir Y, Levy I, Fuhrmann G, Malach R (2004). Intersubject synchronization of cortical activity during natural vision. Science 303, 1634-1640.

Suzana Herculano-Houzel
O Cérebro Nosso de Cada Dia