Novos rumos

De abril de 2007 a fevereiro de 2016, mantive aqui a coluna ‘Do laboratório para a fábrica’, na qual discutia a ciência por trás de inovações tecnológicas. Por causa da interdisciplinaridade característica do atual estágio da pesquisa científica, o escopo da coluna evoluiu para o tratamento de questões interdisciplinares referentes ao ensino das ciências da natureza, tanto nos cursos universitários quanto nas escolas da educação básica. Parte do material foi, inclusive, usada na organização do livro Energia e Matéria: da fundamentação conceitual às aplicações tecnológicas, recentemente publicado pela Editora Livraria da Física e agraciado com o terceiro lugar no Prêmio Jabuti deste ano.

Essa evolução da temática motivou-me a iniciar uma nova coluna, com o objetivo de transpor conhecimentos gerados no ambiente acadêmico para o da educação básica, sobretudo do ensino médio. Dentro desse escopo, serão apresentadas inovações científicas e tecnológicas com potencial de aplicação didática imediata, bem como reflexões sobre teorias da educação e movimentos da comunidade docente capazes de inspirar práticas pedagógicas no cenário brasileiro. Esta primeira coluna, à guisa de apresentação, ilustra muito bem esses novos rumos.

 

Science literacy ou scientific literacy?

Uso as expressões inglesas pela importância que têm na literatura internacional a respeito do ensino de ciências. Há uma polêmica entre estudiosos do assunto sobre se essas expressões têm o mesmo significado. Com muita frequência, elas são usadas sem distinção; mas há quem diga que scientific literacy é a forma como se adquire a science literacy.

A divulgação científica é considerada parte do processo pelo qual se dá a alfabetização científica

A polêmica não se limita ao aspecto linguístico das expressões anglo-saxônicas originais. Se considerada a equivalência das duas expressões, resta a polêmica sobre o que é science literacy ou scientific literacy. E como era de se esperar, a polêmica projetou-se na comunidade lusófona.

Em português, existem pelo menos três expressões usadas indistintamente: alfabetização científica, letramento científico e literácia científica. Além dessas expressões, existe o termo divulgação científica, que ora se confunde com elas, ora é colocado em outra instância. Ou seja, a divulgação científica é considerada parte do processo pelo qual se dá a alfabetização científica, o letramento científico ou a literácia científica.

Qualquer que seja o entendimento epistemológico desses termos, uma coisa é aceita com unanimidade: o processo se dá por meio de mecanismos formais nas escolas e não formais em museus de ciências, parques naturais, livros paradidáticos, jornais e revistas de divulgação científica, como as publicações do Instituto Ciência Hoje.


O processo de alfabetização científica requer o auxílio de mecanismos não formais, como museus de ciências, parques naturais, livros paradidáticos, jornais e revistas de divulgação científica. Na foto, crianças exploram o Museu Catavento, em São Paulo. (foto: Marcio Okabe/ Flickr – CC BY 2.0)

Entre as tantas definições e finalidades da alfabetização científica (vê-se que prefiro essa denominação), gosto daquelas propagadas por Paul DeHart Hurd (1905-2001), o educador norte-americano que introduziu o termo science literacy em um artigo publicado em 1958 e depois passou a usar o termo scientific literacy. Em artigo de 1998 intitulado Scientific literacy: new minds for a changing world (Literácia científica: novas mentes para um mundo em mudança), Hurd vê a alfabetização científica como a ponte entre a ciência acadêmica e o mundo real dos estudantes. Para facilitar essa conexão, ele imagina um currículo vivo, dinâmico, que desenvolva habilidades cognitivas para o uso apropriado da informação científica e tecnológica corrente. Essa é a alfabetização científica feita por meio de mecanismos formais; e ela requer o auxílio de mecanismos não formais, sobretudo aqueles representados pelos veículos da literatura científica especializada e da literatura de divulgação científica.

 

Desafio para a educação básica

Acompanhar os avanços científicos e tecnológicos, com a velocidade com que atualmente emergem, é um desafio e tanto para o sistema escolar. A realidade da nossa educação básica raramente permite que os professores tenham tempo para se atualizar por meio da busca de material extracurricular.

Acompanhar os avanços científicos e tecnológicos, com a velocidade com que atualmente emergem, é um desafio e tanto para o sistema escolar

Posso dar uma ideia dessa dificuldade contando minha experiência como colunista da CH On-line. Uma vez definido o tema da coluna, o que me toma vários dias em uma pesquisa preliminar, a rota para a elaboração do texto é similar àquela percorrida por um professor que deseje se atualizar em certo tópico a ser tratado em sala de aula.

Em primeiro lugar, para ter sucesso, é preciso desenvolver boas estratégias de busca nas bases de dados públicas, como o Google Acadêmico. Em seguida, estabelecer bons critérios para definir os artigos relevantes, aqueles de autoria confiável e que tratam o tema de modo inteligível. Geralmente, para minha coluna, essa busca inicial resulta em mais de 30 artigos, dos quais uma meia dúzia merece ser lida em detalhes e os outros serão consultados pontualmente. Até a finalização do texto, não menos do que cinco dias são necessários.

Vê-se, portanto, que essa não é tarefa compatível com a carga horária média de trabalho de nossos professores da educação básica. Esse é o papel que um veículo de comunicação como a CH On-line pode desempenhar. Espero poder contribuir nesse sentido com essa nova coluna, levando a universidade até a escola.

 

Carlos Alberto dos Santos
Professor aposentado do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professor visitante da Universidade Federal Rural do Semi-árido (Ufersa)