Seria o Brasil o berço dos dinossauros?

Os dinossauros são um dos grupos de vertebrados mais interessantes que já passaram pela Terra. Existiram espécies com as mais variadas formas e tamanhos. Alguns eram carnívoros bastante grandes, com tamanhos acima de 8 metros como o Tyrannosaurus rex da América do Norte ou o Pycnonemosaurus do Brasil. Outros eram diminutos, como o filhote de Mussaurus , um prossaurópode encontrado na Argentina que, com seus 37 centímetros, cabe em duas mãos. E ainda havia os herbívoros gigantes, como o Argentinosaurus (Neuquén, Argentina), com comprimento estimado na casa dos 50 metros.
 
O sucesso desses animais durante o Mesozóico, também conhecido como a “Era dos Dinossauros”, foi muito grande: representantes desse grupo ocuparam todos os ambientes terrestres e deram os seus primeiros ensaios para voar com o surgimento das primeiras aves (hoje em dia acredita-se que as aves sejam descendentes dos dinossauros). Fica até difícil imaginar que, no início, os dinossauros não passaram de coadjuvantes! As pessoas ficam ainda mais surpresas quando os paleontólogos afirmam que, para se conhecer melhor a origem dos dinossauros, precisamos explorar mais os depósitos da América do Sul, incluindo os do Brasil…
 
Os dinossauros mais primitivos que conhecemos são provenientes de depósitos triássicos da Argentina e do Brasil. Alguns fósseis são atribuídos a dinossauros primitivos na América do Norte, África e Índia, mas as formas mais completas são argentinas e brasileiras – por isso acredita-se que a América do Sul seja o berço dos dinossauros.
 
Na Argentina cabe destaque para o Herrerasaurus e o Eoraptor , dois dinossauros carnívoros bem primitivos, e o Pisanosaurus , uma das primeiras formas de herbívoros. Restos desses animais são encontrados na Formação Ischigualasto, no noroeste daquele país. Mas no Brasil também temos dinossauros primitivos: o Staurikosaurus e o Saturnalia , encontrados na Formação Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Há ainda o Guaibasaurus (uma forma controversa) e o Unaysaurus , encontrados em camadas um pouco mais novas, chamadas de Formação Caturrita.
 
Mas como era o mundo em que surgiram as primeiras formas de dinossauros? Para começo de conversa, os continentes estavam todos juntos, formado a Pangea. A fauna então existente era muito diferente da atual. Animais que lembra hipopótamos dominavam a paisagem – os dicinodontes. Parentes distantes dos mamíferos, eles não apresentavam dentes, com exceção de um par de caninos no maxilar superior (daí o nome do grupo). Ao longo da boca, eles tinham provavelmente estruturas córneas afiadas, que lembram o bico das tartarugas. Os pesquisadores acreditam que esses animais estavam adaptados a uma dieta rica em vegetais – eram eles os grandes herbívoros no Triássico.
 
No Brasil, chegavam a atingir cerca de 3,5 metros de comprimento e 1,8 metro de altura. Mas eles ocorriam em outros lugares, inclusive a África do Sul, com a qual diversas formas brasileiras estão proximamente relacionadas. É interessante frisar que as formas brasileiras também são encontradas na Argentina, o que sugere um livre intercâmbio da fauna dos dois países naquele tempo. Essas migrações podem ter sido provocadas por períodos de possível aridez climática, com os animais migrando das áreas mais secas para regiões mais úmidas, onde teriam uma maior abundância de vegetais para sua alimentação.
 
Outro grupo de herbívoros do Triássico são os rincossauros. Diferentemente dos dicinodontes, os rincossauros eram répteis. Seu tamanho atingia até 2,5 metros de comprimento e o crânio era robusto, largo na sua porção posterior e estreito em sua região anterior. Eles tinham uma musculatura bem desenvolvida e a mandíbula alta, forte e curta lhes dava grande capacidade de mordida. Mas o mais curioso destes répteis eram os ossos pré-maxilares, que se projetam para frente formando uma espécie de bico. Além disso, eles possuíam placas dentárias com pequenos dentes ao longo dos maxilares.
 
Várias hipóteses foram propostas para explicar o hábito alimentar dos rincossauros a partir da morfologia de sua cabeça e de seus dentes. Segundo a mais aceita, eles se alimentavam de vegetais que se apresentavam numa forma altamente resistente, como as sementes. O Scaphonyx é uma das principais formas conhecidas no Brasil – ele também foi encontrado na Argentina. É interessante registrar que, onde se encontram rincossauros, é provável que não se encontrem dicinodontes. Esses répteis possivelmente preferiam hábitats mais áridos, enquanto os dicinodontes preferiam áreas mais úmidas.
 
Outro grupo que bem representado no Triássico são os cinodontes. Ao lado dos dicinodontes e rincossauros, eles foram os vertebrados terrestres mais numerosos que viveram há 225 milhões de anos no sul do Brasil e na Argentina. Os cinodontes, cujo tamanho variava de 50 centímetros a 1,3 metro, já tinham uma diferenciação dentária, que lembra a dos mamíferos recentes. Seu hábito alimentar deve ter sido bastante diversificado, já que a dentição sugere a existência de formas carnívoras, herbívoras e onívoras. Certamente alguns desses animais serviam de presa para os primeiros dinossauros, como o Eoraptor .
 
Já os maiores predadores do Triássico – Prestosuchus e espécies afins – eram parentes distantes dos crocodilomorfos. De uma forma geral, o Prestosuchus era um animal quadrúpede, que podia atingir até 6 metros de comprimento. Possuía um crânio bem desenvolvido que podia chegar a quase um metro. Seus dentes eram afiados e serrilhados – característica que também se desenvolveu de forma independente em dinossauros carnívoros.
 
Nas costas, o Prestosuchus possuía uma dupla fileira de placas ósseas, que chamamos de osteodermas. Sua cauda era longa e robusta, atingindo mais da metade do comprimento total do animal. Os membros eram possantes e, ao contrário dos crocodilomorfos atuais, estavam posicionados bem abaixo do corpo, fazendo com que o Prestosuchus tivesse uma postura mais ereta. Sua postura indica que ele era um animal muito ágil, com  condições de correr a uma boa velocidade atrás de suas presas. Os dicinodontes devem ter sido as principais presas desses carnívoros.
 
Como é que os dinossauros passaram a dominar a Terra em um cenário desses? Apesar de parecer estranho, a verdade é que ainda não sabemos ao certo. Diversas teorias procuram explicar o domínio dos dinossauros, que ocorreu no final do Triássico e início do Jurássico (entre 200 e 210 milhões de anos atrás). Uma delas sugere que os dinossauros eram simplesmente melhor adaptados para o ambiente que os demais “concorrentes” da época. A sua postura bípede facilitaria que eles se locomovessem para obter mais presas e assim por diante. Outra teoria postula que os dinossauros, na verdade, deram muita sorte: houve um evento de extinção em massa entre o Triássico e o Jurássico e os dinossauros simplesmente ocuparam espaços deixados disponíveis pelos animais extintos ( Prestosuchus , dicinodontes e rincossauros).
 
Seja como for, é fato que, a partir do final do Triássico, os dinossauros dominaram todos os ambientes terrestres e só se extinguiram no final do Cretáceo, há 65 milhões de anos. Ou quase se extinguiram, já que um grupo sobreviveu e deu origem às aves modernas. Mas esta já é outra história…

Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
03/02/2006

 

Paleocurtas 

As últimas do mundo da paleontologia
(clique nos links sublinhados para mais detalhes) Envie comentários e notícias para esta coluna: [email protected]

Uma hipótese macroevolutiva conhecida como a “regra de Cope” estabelece que os organismos tendem a aumentar o tamanho do corpo com o passar do tempo geológico. Essa hipótese permanece pouco entendida, mas um estudo recente traz novidades nessa área: cientistas americanos analisaram o registro fóssil de populações de crustáceos marinhos do gênero Poseidonamicus (ostrácodes) e verificaram que, de fato, existe uma tendência no aumento do tamanho do corpo com o passar do tempo geológico em várias espécies desse gênero. Porém, o aumento parece estar ligado a mudanças climáticas – as populações de maior tamanho estão associadas a temperaturas mais baixas. O estudo, publicado pela PNAS , sugere que mudanças climáticas afetam as tendências macroevolutivas ligadas ao tamanho do corpo.

Uma nova exposição de dinossauros e outros animais fósseis acaba de ser inaugurada na Oca, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. A mostra Dinos na Oca apresenta diversos achados de dinossauros realizados na África por equipes de pesquisadores norte-americanos, como o saurópode Jobaria ou o carnívoro Suchomimus . Fósseis brasileiros também estão presentes, como os pterossauros Thalassodromeus e Anhanguera , os dinossauros Santanaraptor e Unaysaurus , os crocodilomorfos Purussaurus e Baurusuchus e a ave Paraphysornis . Peixes, insetos e plantas fósseis da Bacia do Araripe, rochas e estromatólitos, além de diversos mamíferos extintos, são outras atrações da exposição, que fica em cartaz até o final de abril.

A recuperação do DNA de organismos fósseis é muito importante para a pesquisa, mas pode ser prejudicada por diversos fatores, como a contaminação e decomposição do material genético. Pesquisadores de Israel e dos Estados Unidos conseguiram recuperar DNA bem preservado de pequenos agregados de cristais que formam os ossos. Esses fragmentos são resistentes a uma substância usada para tratar os ossos, o hipocloreto de sódio (NaOCl). O NaOCl oxida toda a matéria orgânica no osso, com exceção da preservada na partes onde cristais de ossos se juntam formando agregados – o que contorna o problema da contaminação. O estudo, publicado na revista PNAS , mostra que o DNA dos agregados é original e tende a ser melhor preservado do que o DNA recuperado no restante do osso tratado por NaOCl. Paleontólogos da Alemanha fizeram uma interessante descoberta sobre um dos principais dinossauros encontrados no Triássico da Europa: o Plateosaurus . Essa forma herbívora pertence ao grupo dos prossaurópodes (o mesmo do Unaysaurus do Brasil) e era muito diversificada quando os continentes estavam juntos formando a Pangea. O estudo mostra que, embora o Plateosaurus tivesse um crescimento rápido, geralmente ligado a animais endotérmicos, seu desenvolvimento era influenciado por questões climáticas, como acontece com os répteis atuais (que são ectotérmicos), e diferentemente do que ocorre nos mamíferos e outros grupos de dinossauros. A pesquisa, publicada na Science , comprova que os dinossauros desenvolveram diversas estratégias energéticas ao longo de sua evolução, com metabolismos diferenciados.

O crânio de dois dos mais conhecidos répteis marinhos jurássicos – Ichthyosaurus e Stenopterygius – acaba se ser redescrito. Esses animais pertencem ao grupo conhecido como Ichthyosauria e são caracterizados pelo formato de seu corpo, que se assemelha superficialmente aos golfinhos, embora eles não possuam qualquer relação próxima de parentesco. O Ichthyosaurus é conhecido sobretudo da Inglaterra, enquanto o Stenopterygius é encontrado em diversos depósitos da Europa. O estudo, publicado no Journal of Vertebrate Paleontology , esclarece uma série de aspectos anatômicos desses répteis marinhos e contribui para uma melhor compreensão da evolução do grupo que dominou os mares durante o Jurássico.

Pesquisadores chineses acabam de anunciar a descoberta de uma nova ave fóssil, chamada Hongshanornis longicresta . A espécie pertence ao grupo Ornithurae, que inclui as aves modernas. Ela foi encontrada em depósitos da Formação Yixian com aproximadamente 125 milhões de anos e representa uma ave pernalta que andava nos lagos de água doce ou áreas pantanosas existentes naquela região. O novo achado, publicado na revista PNAS , ajuda a compreender a evolução das aves primitivas, que tem se mostrado ser mais complexa e diversificada do que se supunha. Leia mais sobre o paleontólogo Alexander Kellner
e a proposta da coluna “Caçadores de Fósseis”.