Um olhar para além dos sentidos

Em dias ensolarados é muito gostoso caminhar pelo campus da universidade onde trabalho (Universidade Federal de São Carlos, UFSCar) para sentir o calor do Sol, observar árvores verdinhas, sentir o perfume das flores e ouvir os pássaros que cantam nas ruas do campus (que levam o nome das aves que lá vivem).

Essas agradáveis sensações, percebidas pelos nossos sentidos, modificam nossos sentimentos e provocam diversas reações.

A percepção que temos do mundo à nossa volta é decorrente do contato sensorial. Tudo que é percebido pelos nossos sentidos faz com que construamos uma percepção da realidade. Mas os nossos sentidos, embora muito desenvolvidos, percebem apenas uma parte do mundo à nossa volta.

Por exemplo, os nossos olhos detectam uma pequena parte do espectro eletromagnético. Eles são sensíveis a radiações que tenham um comprimento de onda entre 700 a 400 nm (um nanômetro equivale a um bilionésimo de um metro). Esses limites equivalem respectivamente à cor vermelha (700 nm) e violeta (400 nm), passando pelo amarelo, verde e azul.

As informações podem ser as mesmas para vários indivíduos, mas a resposta é quase sempre única para cada um

Entretanto, somos expostos a outras radiações, que vão desde ondas de rádio – que possuem comprimento de onda de dezenas de metros – até radiações de mais alta energia, ultravioleta e raios-X, que têm comprimento de onda de centésimos de nanômetros.

Temos o conhecimento dessas outras radiações pelo uso de outros “olhos”, desenvolvidos artificialmente. Assim, podemos detectar as ondas de rádio utilizando antenas, e os raios-X com sensores feitos de cristais de silício.

As sensações que temos são interpretadas pelo cérebro e criam diversas reações, como de paz e tranquilidade, na situação descrita acima; ou de medo e apreensão, se estivermos em lugares sujos e escuros. Entretanto, cada pessoa reage aos mesmos estímulos de maneira completamente diferente.

Os estímulos também podem nos remeter a memórias e pensamentos, criando uma infinidade de reflexões. As informações podem ser as mesmas para vários indivíduos, mas a resposta é quase sempre única para cada um.

Cerejeira floresce: as cores apreendidas por nossa visão
Na natureza, as cores de uma cerejeira que floresce sob do céu azul: “As sensações que temos são interpretadas pelo cérebro e criam diversas reações, como de paz e tranquilidade ou de medo e apreensão” (foto: flickr.com/naukhel – CC BY-NC-ND 2.0).

Moldados  pela natureza

Nossos sentidos funcionam em determinadas regiões do nosso corpo a partir de estímulos que recebemos do meio ambiente. Eles são baseados em “sensores” muito sofisticados que foram desenvolvidos ao longo de milhões de anos, fruto da evolução.

Cada um deles foi se transformando devido aos estímulos do meio ambiente, favorecendo as configurações mais adaptadas aos desafios impostos pelo meio. Estamos aqui hoje graças ao sucesso do nosso projeto. Ele foi vencedor na concorrência imposta pela natureza.

Costuma-se ter muita confiança no que os nossos sentidos nos transmitem. Em particular, a visão é um dos que consideramos mais confiáveis. Quando vemos alguma coisa, ficamos mais seguros sobre aquilo a que se refere. 

Se a luz do Sol fosse em outros comprimentos de ondas, a nossa visão do mundo poderia ser bem diferente

A visão funciona de maneira extremamente sofisticada. Nossos olhos se ajustaram para captar uma faixa de 400 a 700 nm, porque grande parte da luz do Sol que chega a nós está dentro desta faixa de comprimento de onda.

Se emissão de luz do Sol fosse predominantemente em outros comprimentos de ondas, a nossa visão do mundo poderia ser bem diferente.

Nossos sensores visuais utilizam o cristalino, que funciona como uma lente que fica dentro dos olhos. Ele está situado atrás da pupila, que é a porta de entrada que admite e regula o fluxo de luz. Quando somos expostos a luzes muito intensas, a nossa pupila se contrai. Já se estamos em um lugar escuro, ela se dilata para coletar melhor a luz.

Assim, quando entramos em uma sala escura, precisamos de alguns segundos para enxergarmos melhor. A luz concentrada pelo cristalino atinge a retina, que é composta de células nervosas que levam a imagem através do nervo óptico para que o cérebro as interprete. 

Embora seja o olho que capta a luz, quem enxerga e vê as imagens é o cérebro

Em particular, como qualquer lente, o cristalino projeta a imagem invertida. O nosso cérebro ‘sabe’ que é preciso levar isso em consideração e interpreta esses sinais de maneira a “inverter” a imagem.

Por isso, embora seja o olho que capta a luz, quem enxerga e vê as imagens é o cérebro. É por esse motivo que, quando sofremos algum abalo na cabeça ou temos, por exemplo, uma crise de enxaqueca, as imagens que vemos aparecem distorcidas, embora os olhos as estejam captando perfeitamente. Nesse caso, o problema não está no ‘sensor’, mas sim no ‘interpretador de dados’.

Os cinco sentidos
Os nossos cinco sentidos são baseados em ‘sensores’ sofisticados desenvolvidos ao longo de milhões de anos (imagem: João Loureiro – CC BY-NC-ND 2.0).

Estímulos para todos os sentidos

Os outros sentidos, audição, olfato, gustação e tato, são estimulados por outros meios, como mecânicos (no caso da audição e tato), térmicos (tato) e químicos (olfato e gustação). A orelha capta os sons e barulhos e os envia ao córtex cerebral. Devido às diferenças na frequência de cada onda sonora, ouvimos diferentes sons. Ao entrar pelo canal auditivo, as ondas sonoras fazem com que ocorram vibrações nos tímpanos. 

O olfato é o único sentido diretamente ligado às emoções e memórias

Já o tato não tem um órgão específico, pois todas as regiões do organismo possuem mecanorreceptores responsáveis pela percepção do toque, bem como termoceptores para perceber o frio e o calor e terminações nervosas livres para perceber a dor, mudando apenas de intensidade.

No caso do aparelho gustativo e olfativo, temos células específicas na língua (gustação) e nas narinas (olfato) – sendo que o olfato é o único sentido diretamente ligado às emoções e memórias. Os outros sentidos também nos remetem a memórias, mas de forma indireta.

De uma maneira semelhante, tentando imitar a natureza, o homem desenvolveu meios para ampliar os seus sentidos. Por exemplo, os telescópios funcionam como gigantescos olhos. Um telescópio que tem quatro metros de diâmetro (como o caso do telescópio espacial Hubble) capta um milhão de vezes mais luz do que o olho humano. 

Para ampliar a visão e observar o muito pequeno, é necessário utilizar outros olhos capazes de captar outras faixas de radiação. É o caso dos microscópios eletrônicos, que a partir de um feixe de elétrons permitem interagir com a matéria na escala atômica e observar até átomos. Neste caso, os elétrons funcionam como ondas – com comprimento de onda de alguns décimos de nanômetros.

“Língua eletrônica” possui mil vezes mais sensibilidade do que a língua humana

Os sentidos também podem ser substituídos ou magnificados utilizando-se outros tipos de equipamentos e materiais. Um exemplo é a “língua eletrônica” desenvolvida por pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP e da Embrapa, que utiliza polímeros condutores como sensores e possui mil vezes mais sensibilidade do que a língua humana.

Ela é utilizada para testar a qualidade de café, vinhos, água, leite etc. A interação desses líquidos com os polímeros altera a sua condutividade, e esta é utilizada para identificar o tipo de produto.

O nosso olhar para o mundo é influenciado, portanto, pelas nossas experiências, e as nossas experiências são afetadas pelas sensações que nossos sentidos captam. Esse retorno contínuo é de fundamental importância para o nosso desenvolvimento. Tanto os sensores (sentidos) como as sensações (interpretações) são responsáveis por isso. O resultado disso é sempre um individuo único com as suas visões particulares do mundo.

Adilson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos