Uma barata de 299 milhões de anos

Baratas! Não tem como não retorcer o rosto só de pensar nesses insetos. Parentes próximos dos cupins, com quem formam o grupo Blattodea, delas são conhecidas aproximadamente 4.500 espécies, distribuídas por todos os continentes, menos a Antártica.

Talvez poucos saibam, mas as baratas são bastante antigas, com muitas formas fósseis. João Ricetti, do Centro Paleontológico (Cenpaleo) da Universidade do Contestado, em Santa Catarina, e colegas acabam de publicar na Revista Brasileira de Paleontologia novos dados sobre uma dessas espécies, denominada Anthracoblattina mendesi. A barata havia sido descrita em 2000 pelos paleontólogos Irajá Damiani Pinto (1919-2014) e Fernando Sedor, da Universidade Federal do Paraná. Com o novo estudo, a espécie se transforma no mais bem conhecido representante desse grupo da era paleozoica na América do Sul.

A pesquisa de Ricetti e colegas se baseia em 18 novos fósseis coletados em rochas negras que afloram no centro urbano do município de Mafra, no estado de Santa Catarina. Conhecidas como Campáleo, essas camadas fazem parte do Folhelho de Lontras, cuja idade é estimada em 298,9 milhões de anos.


Coleta de fósseis no afloramento Campáleo. (foto: Solon Soares)

A presença de fósseis nessa região de Mafra já é conhecida desde o início do século passado, com a descoberta de peixes, coprólitos (excrementos fossilizados) e restos de plantas, além de braquiópodes – invertebrados marinhos com duas conchas, muito comuns no Paleozoico. Desde os anos 1990, a equipe do Cenpaleo tem realizado coletas sistemáticas nessa região, revelando uma grande quantidade de novos fósseis, em especial insetos – mais de 150 já foram encontrados, entre os quais as asquerosas… baratas! No total, a equipe identificou 18 espécimes de Blattodea – uns mais completos do que os outros – que, em conjunto, formam uma reconstrução única de uma barata da era paleozoica, a mais completa e detalhada da América do Sul.

 

Fósseis e ouro de tolo

Os insetos recuperados do Campáleo tendem a ser muito comprimidos, apesar de alguns manterem certa tridimensionalidade. No processo de fossilização do material, os restos orgânicos são substituídos por pirita, um mineral com ferro que possui coloração amarelada, também conhecido como o "ouro dos tolos" pela sua semelhança ao metal nobre e muito mais valioso.


João Ricetti examinando fósseis no campo. (foto: Solon Soares)

Para evitar a oxidação da pirita e a consequente destruição dos fósseis, os espécimes são mantidos imersos em óleo mineral – o que, aliás, também ajuda na melhor visualização das estruturas anatômicas. Um exemplo concreto é a venação (enervação) das asas dos insetos, tremendamente importante para a distinção das diferentes espécies.

 

Corredora da pré-história

Entre os resultados obtidos por Ricetti e colegas estão muitos detalhes anatômicos das asas, corpo e patas dessa barata. Os pesquisadores chegaram à conclusão de que Anthracoblattina mendesi era cursorial – ou seja, uma excelente corredora, à semelhança das baratas atuais. Só pensar nisso me dá calafrios…


Ilustração detalha a espécie Anthracoblattina mendesi. (imagem: Ricetti et al)

Os grandes olhos desta barata estavam inclinados para cima e para o lado da cabeça. As mandíbulas também eram vultuosas e largas e as asas, bem desenvolvidas e estruturadas. Uma visão pra lá de perturbadora! Mas o animal não era particularmente grande, alcançando cinco centímetros de comprimento (sem as antenas) – ufa!

 

Baratas fósseis no mundo

A equipe de pesquisadores também analisou a ocorrência de formas do grupo Blattodea em outras partes do mundo. Pela análise das características anatômicas, os especialistas levantaram a hipótese de que as espécies de Anthracoblattina teriam, em algum momento entre o final do Carbonífero e o início do Permiano, migrado da Euramérica (supercontinente que existia durante a era Paleozoica) para a região que hoje compõe a América do Sul.

São dados impressionantes, mas não pense que Anthracoblattina mendesi, com seus quase 299 milhões de anos, é a barata mais antiga já conhecida. O primeiro representante desse grupo de insetos vem da China, mais especificamente de depósitos formados há cerca de 320 milhões de anos. Em torno dos 315 milhões de anos atrás, esses animais já haviam se diversificado bastante e formavam um dos principais componentes da fauna de insetos em muitas regiões. Ou seja, as baratas já viviam no nosso planeta 85 milhões de anos antes do primeiro dinossauro, que surgiu há 235 milhões de anos. Quem diria…

 

Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

 

Paleocurtas

As últimas do mundo da paleontologia
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A mostra Pterosaurs – flight in the age of dinosaurs, que apresenta as novas descobertas dos primeiros vertebrados a desenvolverem o voo ativo, encontra-se no Natural History Museum of Los Angeles County (Califórnia, Estados Unidos). Em cartaz até o inicio de outubro, a exposição retrata, entre outros, os principais pterossauros encontrados no Brasil e no mundo.

Pedro Godoy (Bayerische Staatssammlung, Munique, Alemanha) e colegas acabam de publicar a descrição detalhada do material pós-craniano do crocodilomorfo Pissarrachampsa, representante dos baurusuquídios. O estudo publicado na PeerJ confirma os hábitos terrestres desses animais, que eram predadores do topo da cadeia alimentar durante parte do Cretáceo.

De 20 a 24 de setembro, acontece o IX Congreso Latinoamericano de Paleontologia, no Museu de La Nación, em Lima, Peru. Mais informações na página do evento.

Luisa Massarani (Fundação Oswaldo Cruz) e Ildeu Moreira (UFRJ) publicaram nos Anais da Academia Brasileira de Ciências um estudo sobre o atual estágio da divulgação cientifica no Brasil. Vale a pena a leitura.

Alex Hubbe (Universidade Federal da Bahia, Salvador) publicou na Paleobiology um estudo sobre crânios de Xenarthra – grupo de mamíferos que possui tanto formas recentes como extintas. Os autores procuraram testar metodologias para reconstruir crânios de espécies extintas desse grupo.

Estudo liderado por Andrew Tomkins (Monash University, Melbourne, Austália) está revolucionando o que se sabe sobre a concentração de oxigênio na atmosfera durante o tempo denominado de Arqueano. Pela análise de micrometeoritos encontrados na Austrália, os cientistas chegaram a conclusão de que, há 2,7 bilhões de anos, a concentração de oxigênio na parte superior da atmosfera era semelhante à dos dias de hoje. O artigo foi publicado na Nature.