Uma estranha forma de ver o mundo

 

Difração da luz pelas árvores no pôr-do-sol, na qual é possível observar as cores do arco-íris (foto: Wing-Chi Poon).

A compreensão do mundo a nossa volta é uma tarefa que tem sido realizada por filósofos e cientistas há milhares de anos. Várias tentativas já foram empreendidas, algumas com sucesso e outras com fracasso. No caso particular da física, muitas teorias e modelos já foram propostos e refutados. Atualmente ela está fundamentada em duas grandes teorias: a teoria da relatividade geral de Einstein e a mecânica quântica.

A mecânica quântica, ao contrário da teoria da relatividade geral, que foi uma obra praticamente exclusiva de Einstein, foi uma realização coletiva construída ao longo das primeiras décadas do século 20. Sua forma de entender a natureza foi uma ruptura com todos os conceitos que a física tinha construído nos séculos anteriores. Depois da mecânica quântica, o mundo nunca mais foi o mesmo.

Uma das idéias revolucionárias introduzidas pela mecânica quântica foi o conceito da dualidade onda-partícula. Até a metade do século 19, vários experimentos tinham mostrado que a luz se comportava como uma onda. Em 1865, o físico escocês James C. Maxwell (1831-1879) demonstrou que a luz era uma manifestação de oscilações periódicas produzidas por campos elétricos e magnéticos que se propagam por todo o espaço como se fossem uma onda.

Contudo, mesmo com esses avanços, alguns fenômenos não podiam ser completamente entendidos. Um deles era o efeito fotoelétrico, no qual elétrons podem ser arrancados de um metal, gerando uma corrente elétrica, quando há incidência de luz. O importante nesse efeito não é a intensidade da luz, mas sim a freqüência desta. Se a freqüência for menor do que um determinado patamar mínimo, o fenômeno não é observado.

Contribuições de Einstein

Einstein por volta de 1905, ano em que propôs que a luz era emitida e absorvida como se fosse constituída por pequenas partículas.

A explicação do efeito fotoelétrico foi apresentada pelo alemão Albert Einstein (1879-1955) em 1905. Ele propôs que a luz era emitida e absorvida como se fosse constituída por pequenas partículas (‘quanta de luz’ ou fótons). A energia de cada fóton é proporcional à freqüência associada da luz que incide sobre o material. Dessa maneira, o efeito só é observado quando a luz incidente tem energia suficiente para arrancar os elétrons dos átomos. Por essa explicação (e outras contribuições à ciência), Einstein recebeu o prêmio Nobel de física em 1921.

 

De acordo com o tipo de situação, a luz apresenta comportamento ondulatório, no caso da sua propagação, ou corpuscular, no caso do efeito fotoelétrico e no processo de fotossíntese, que também ocorre somente para fótons de determinada energia. Contudo, esse comportamento não é privilégio da luz.

 

Em 1924, o francês Louis de Broglie (1892-1987) propôs que as partículas atômicas constituintes dos átomos poderiam se comportar como se fossem ondas, ou seja, “ondas de matéria”. Alguns anos depois, em 1927, os americanos Clinton J. Davisson (1881-1958) e Lester H. Germer (1896-1971) e o inglês George P. Thomson (1892-1975) demonstraram o comportamento ondulatório para os elétrons de modo similar ao que acontece com a luz. Esses cientistas incidiram elétrons com alta energia sobre a superfície de um metal e observaram que os elétrons apresentam o fenômeno de difração da mesma forma que a luz.

 

Em 1937, Davisson e Thomson receberam o Nobel de física pela demonstração experimental da difração de elétrons em cristais. Curiosamente, em 1906, o inglês Joseph J. Thomson (1856-1940, pai de G.P. Thomson) foi agraciado com o Nobel, por suas investigações sobre a condução da eletricidade nos gases, que levaram à descoberta do elétron. Após 31 anos, o seu filho recebeu o mesmo prêmio por demonstrar que essa mesma partícula poderia se comportar como uma onda.

 

Afinal de contas, a luz é uma onda ou um corpúsculo? Elétrons, prótons, nêutrons etc. são ondas ou partículas?

 

A mecânica quântica explica

 

O dinamarquês Niels Bohr (esquerda) e o alemão Werner Heisenberg trouxeram contribuições fundamentais para a mecânica quântica.

As respostas a essas questões estão no âmago da mecânica quântica. Podemos dizer que, no mundo microscópico, os aspectos corpusculares e ondulatórios da matéria e energia são complementares, ou seja, um sistema quântico pode tanto exibir aspectos corpusculares ou aspectos ondulatórios, dependendo de como realizamos o nosso experimento, mas não ambos ao mesmo tempo. Portanto, não é possível montar uma experiência onde os dois aspectos possam ser revelados ao mesmo tempo. Essa explicação foi proposta pelo dinamarquês Niels Bohr (1885-1962) em 1928 e ficou conhecida como o princípio da complementaridade.

 

Associado a esse fato, há um outro princípio fundamental na mecânica quântica conhecido como princípio da incerteza (ou princípio da indeterminação) proposto pelo alemão Werner Heisenberg (1901-1976) em 1927. Esse princípio introduziu a idéia de que é impossível conhecer com certeza absoluta de maneira simultânea a posição e a quantidade de movimento de uma partícula. Da mesma forma, ele limita também nossa percepção em relação ao tempo e à energia de uma partícula. Essa limitação não é tecnológica, mas sim uma imposição da natureza e faz parte do âmago do mundo em escala atômica.

 

Podemos compreender um pouco melhor esta idéia imaginando a seguinte situação: para a detecção de qualquer objeto, é necessário interagir com ele. Se o objeto a ser detectado for um ente muito pequeno, como um elétron, precisamos interagir com ele utilizando algo do seu tamanho. Para observarmos um elétron é necessário “iluminá-lo” com uma radiação com comprimento de onda muito pequeno. Ao fazermos isso, a interação com a radiação modifica a quantidade de movimento da partícula. Dessa forma, quanto maior for a nossa precisão em relação à posição do elétron (interagindo com ele com um comprimento de onda muito pequeno), maior será a quantidade de energia que ele absorverá, mudando a sua quantidade de movimento.

 

Embora esses conceitos da mecânica quântica pareçam estranhos, por contrariarem o senso comum, eles são até hoje demonstrados como válidos. De fato, grande parte da nossa tecnologia, como a eletrônica, o laser

, o microscópio eletrônico, a energia atômica etc., é baseada na mecânica quântica. Embora o “mundo quântico” pareça estranho, ele não tem nada de mágico: apenas é dominado por uma outra lógica, por outra forma de ver o mundo.

Adilson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos
17/11/2006