Cooperação diversificada

Às vésperas das resoluções finais da Cúpula do Clima da ONU – encontro que hoje (23/09) congrega em Nova Iorque (EUA) líderes mundiais para trocar experiências e promover ações para frear o aquecimento global – governantes, indígenas, ONGs e empresas multinacionais se uniram no combate ao desmatamento e, por consequência, às mudanças climáticas.

Em uma série de eventos paralelos ao oficial e no da própria ONU, esses atores sociais tão distintos se comprometeram com algumas metas voluntárias e medidas concretas para o clima. Um dos exemplos foi o lançamento hoje de um documento apelidado de Declaração de Nova Iorque, no qual 150 representantes desses setores, incluindo algumas ONGs brasileiras, firmaram o compromisso de tentar reduzir o desmatamento mundial pela metade até 2020 e em 100% até 2030.

Segundo os proponentes, a meta ambiciosa, se cumprida, resultará no fim da emissão de aproximadamente 6 bilhões de toneladas de carbono por ano – o equivalente à quantidade de gases-estufa emitidos no mesmo período pelos cerca de um bilhão de carros que existem atualmente no mundo.

Da parte dos governos, foram anunciados grandes aportes para financiar projetos de combate ao desmatamento e de proteção de comunidades tradicionais que agem na conservação das florestas

Apesar de não ter ficado claro o que será feito para que a meta seja cumprida, as entidades divulgaram algumas medidas políticas. Da parte dos governos, foram anunciados grandes aportes para financiar projetos de combate ao desmatamento e de proteção de comunidades tradicionais que agem na conservação das florestas.

A Noruega anunciou um financiamento de 300 milhões de dólares para projetos de combate ao desmatamento no Peru e mais 100 milhões de dólares destinados exclusivamente a povos indígenas como parte do orçamento de 3 bilhões de dólares que o país tem reservados para uso na área climática até 2020.

O Reino Unido também se comprometeu a destinar 60 milhões de euros para parcerias entre empresas e comunidades com o intuito de proteção florestal pelo mundo e mais 84 milhões para projetos de combate à extração ilegal de madeira.

Segundo a secretária de Estado para desenvolvimento internacional do Reino Unido, Justine Greening, governos, empresas e sociedade civil precisam cooperar para impedir o aumento da temperatura do planeta. “As mudanças climáticas são o maior desafio que temos pela frente, sem ação, o mundo vai passar fome e sede”, disse. “Precisamos de uma aliança global entre países desenvolvidos, subdesenvolvidos, sociedade e companhias, pois essa pode ser a nossa última chance de mudança.”

Negócios verdes

Grandes empresas também aproveitaram a oportunidade para divulgar metas. A multinacional Unilever, produtora de alimentos industrializados e produtos de beleza, firmou o compromisso de que, no máximo em 2020, todo o óleo de palma comprado por ela será ambientalmente certificado. A mercadoria, usada na fabricação desde xampus até sobremesas, vem sendo apontada como um dos grandes motores do desmatamento ilegal na Ásia. A empresa anunciou ainda um investimento de 97 milhões de dólares em programas de manejo sustentável para pequenos fazendeiros que estejam dispostos a cultivar sem desmatar.

Floresta de palmeiras
O óleo de palma vem sendo apontado como um dos grandes motores do desmatamento ilegal na Ásia. (foto: Rainforest Action Network/ Flickr – CC BY-NC 2.0)

“Não podemos pedir que um sozinho mude o mundo, mas podemos nos responsabilizar por nossas ações e organizações”, disse o representante da Unilever Jeff Seabright. “Países precisam se comprometer com metas de redução, ONGs precisam expor corrupção e ações ilegais e nós, empresários, precisamos promover um crescimento econômico sustentável e usar nossa visão de negócio para ajudar os produtores a mudar suas práticas para o bem.”

A retórica de empresas como a Unilever pode gerar suspeitas aos mais céticos, especialmente quando a companhia acabou de ser multada em um milhão de dólares por não reportar um despejo ilegal de lixo industrial em vias fluviais em Clinton (EUA). Mas Seabright garante que o comprometimento é real. “Temos sido transparentes em relação ao progresso de nossos comprometimentos e a como vamos fazer negócios de agora em diante”, afirmou. “A sustentabilidade é parte de nossos negócios e não só parte de uma lista de coisas a fazer.”

Do papel para a realidade

Para a engenheira florestal Andrea Azevedo, diretora do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Ipam), uma das três organizações brasileiras que assinam a declaração, o comprometimento de redução do desmatamento é viável se realmente houver a mobilização dos diferentes setores envolvidos.

Azevedo: O comprometimento de redução do desmatamento é viável se realmente houver a mobilização dos diferentes setores envolvidos

“Não acredito que haja uma estratégia única para atingir esse objetivo e o mais importante é que seja um acordo multissetorial, que envolva nações, indústrias e sociedade civil”, disse. “A forma como isso vai ser implementado e monitorado deve ser uma segunda etapa, mas creio que várias das instituições da sociedade civil que assinam esse compromisso já realizam ações que podem ser replicadas e ganhar escala em diferentes áreas do mundo.”

O procurador da República no Pará Daniel César Azeredo Avelino, também presente na Cúpula do Clima, aponta que, para que qualquer meta de redução do desmatamento e comprometimento de empresas em relação à compra de mercadorias certificadas seja viável, são necessárias ações em plano nacional. “Temos que legalizar e certificar desde o pequeno produtor, para que os acordos de empresas funcionem, pois senão os empresários compram de produtores certificados que, por sua vez, compram de produtores ilegais”, comentou.

No Pará, o procurador já colocou em andamento um acordo entre as empresas compradoras de soja e produtores que prevê um maior controle sobre a safra. De acordo com o pacto, as empresas compradoras se comprometem a não comprar mais do que o produtor tem capacidade de produzir, de modo a evitar o repasse ilegal de mercadorias. A verificação é feita com uma estimativa matemática da safra máxima possível na área de plantio de cada produtor.

Voz das florestas

Indígenas presentes nos eventos da semana, que vem sendo chamada de semana do clima, cobram por mais participação nas tomadas de decisão. Abdon Nababan, secretário geral da Aliança de Povos Indígenas da Indonésia (AMAN), critica o repasse de dinheiro de países sem o envolvimento das comunidades que vivem nas florestas. Indígenas do país vêm lutando por uma nova constituição que assegure o direito de propriedade à terra para as comunidades que vivem na floresta.

Indígenas presentes
Indígenas da América Latina pediram para ser ouvidos nas discussões sobre o clima. (foto: Sofia Moutinho)

“Se os repasses financeiros fossem usados para assegurar o nosso direito à terra, poderíamos preservar as florestas com segurança”, comentou o líder indígena. “Se não há proteção para as pessoas, quem vai proteger as florestas? É possível proteger as florestas apenas mandando dinheiro da Noruega e de Londres?”

A indígena e advogada brasileira Joenia Batista de Carvalho, de Roraima, também pediu pelo reconhecimento da propriedade das terras indígenas como forma de preservação das florestas. “Não adianta termos esse apoio financeiro se não temos garantias sobre o território”, apontou. “Indígenas são assassinados em terras que habitam há séculos por pessoas que estão destruindo as matas.”

No início do mês, quatro ativistas indígenas foram mortos por madeireiros dentro de sua comunidade nativa Ashaninka, na fronteira do Peru com o Brasil. O incidente vem sendo frequentemente comentado na Cúpula do Clima, que ocorre em paralelo à Conferência Mundial dos Povos Indígenas.

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line

*A repórter viajou a Nova Iorque a convite da Burness Communications.