Futuro prometido

A Cúpula do Clima da ONU, convocada emergencialmente pelo secretário-geral da entidade, Ban Ki-moon, como forma de catalisar o comprometimento contra as mudanças climáticas, durou apenas um dia, mas foi repleta de anúncios de metas voluntárias para reduzir emissões por parte de países e empresas. No balanço geral da reunião, realizada ontem (23/09) em Nova Iorque (EUA), Ki-moon disse crer que o evento serviu ao seu propósito e que líderes mundiais devem apresentar um rascunho de um pacto global para o clima ainda este ano, em dezembro, na Conferência de Mudanças Climáticas das Nações Unidas (COP-20), em Lima, no Peru.

“Nunca antes na história tantos líderes se comprometeram a tomar medidas contra as mudanças climáticas”, disse o secretário-geral ao final da reunião. “Os líderes olharão para hoje como o dia em que decidimos, como uma família humana, colocar nossa casa em ordem para as futuras gerações. Hoje mostramos que podemos levantar forças para combater o aquecimento global.”

Ban Ki-moon: “Nunca antes na história tantos líderes se comprometeram a tomar medidas contra as mudanças climáticas”

Se tudo ocorrer como planeja o secretário, depois de discutirem um pacto global de reduções mandatórias em Lima, um documento formal será lançado na COP-21 em 2015, em Paris, na França. O último acordo do tipo foi o Protocolo de Quioto, firmado em 1997 sem a adesão dos Estados Unidos, um dos maiores emissores de gases-estufa do mundo.

De acordo com o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), para que a temperatura do planeta não ultrapasse o limite de 2 ºC em relação à era pré-industrial, valor considerado crítico pelos climatologistas, seria necessário reduzir as emissões globais de carbono entre 40% e 70% até 2050.

Ao final da Cúpula do Clima desta semana, mais de 50 dos 100 países participantes se comprometeram com metas de redução de emissões, além de medidas de combate ao aquecimento global e aportes financeiros para projetos relacionados ao clima e às florestas.

Pela primeira vez, a China, maior poluidor do mundo, divulgou uma meta de redução de suas emissões em 45% em relação aos níveis de 2005. O Reino Unido anunciou uma das maiores metas: de cortar em 80% as suas emissões até 2050, além de ter destinado cerca de 6 bilhões de dólares para financiamento climático. A Dinamarca veio logo atrás, com a promessa de, até 2020, reduzir emissões em 40% em relação aos níveis de 1990 e, até 2050, se tornar independente de petróleo. A lista completa de comprometimentos de cada país pode ser encontrada aqui.

O montante total de investimentos anunciados para o combate às mudanças climáticas, somando doações de governos e empresas, chegou a 200 bilhões de dólares.

Esquiva

O Brasil, representado pela presidente Dilma Rousseff, que só confirmou participação na reunião em última hora, não anunciou metas de redução de emissões. O país também não assinou a Declaração de Nova Iorque, lançada durante a Cúpula com o compromisso de promover ações para reduzir o desmatamento global pela metade até 2020 e por completo em 2030. Não ficou claro se o documento – que ainda está aberto a adesões de países, empresas e ONGs – foi apresentado oficialmente ao Brasil.

Presidente Dilma Rousseff
A presidente Dilma Rousseff não anunciou metas de redução de emissões durante seu breve discurso na Cúpula do Clima, mas ressaltou o desempenho do Brasil na diminuição do desmatamento na última década. (foto: UN Photo/ Amanda Voisard)

Por outro lado, em um breve discurso, a presidente se comprometeu a apresentar até o fim do ano o Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas, um conjunto de medidas que vêm sendo formuladas por um grupo de trabalho do governo federal com o intuito de tornar o país adaptável ao aquecimento global e seus efeitos sobre a energia, a agricultura, a água, a indústria, as cidades e outros setores.

“Desastres naturais relacionados às mudanças climáticas têm ceifado muitas vidas e afetado a economia em todo o mundo”, disse Rousseff. “Em um quadro de injustiça ambiental, as populações pobres são as mais vulneráveis a esses efeitos, principalmente nos grandes centros urbanos. Por isso a importância desse plano, que é um marco na política nacional de prevenção e monitoramento de desastres naturais.”

A presidente Dilma Rousseff se comprometeu a apresentar até o fim do ano o Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas, um conjunto de medidas para tornar o país adaptável ao aquecimento global e seus efeitos

A presidente ressaltou ainda o desempenho do Brasil na redução do desmatamento na última década. “O desmatamento foi reduzido 79% no país desde 2000”, lembrou. “Entre 2010 e 2013, deixamos de lançar na atmosfera, a cada ano, em média, 650 milhões de toneladas de carbono. O Brasil, portanto, não anuncia promessas, mostra resultados.”

O secretário de mudanças climáticas e qualidade ambiental do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Carlos Klink, destacou ainda que o país foi um dos poucos a cumprir sua meta voluntária lançada em 2009 na COP-15, em Copenhagen, e se mostrou confiante de que o governo irá aderir a um pacto global de redução de emissões em 2015.

Em nível municipal, o Brasil foi representado na Cúpula pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, que preside o grupo C40 de prefeitos de grandes cidades do mundo comprometidos com a sustentabilidade. Segundo ele, para além do foco nas metas nacionais, deve-se olhar para a capacidade das cidades de reduzir as emissões de carbono. “Mobilizando cidades temos potencial de reduzir 8 gigatoneladas de carbono até 2050”, disse Paes. Em nome do grupo C40, o prefeito anunciou que 200 cidades se comprometeram a reduzir emissões de carbono até 2020. No Rio de Janeiro, a meta estabelecida foi de um corte de 20% até 2020 nos atuais 22 milhões de toneladas de carbono lançados anualmente na atmosfera pelo município.

Mais esforços

Apesar do otimismo dos líderes presentes e do secretário da ONU, nem todos se contentaram com os anúncios feitos durante a Cúpula. Para a viúva do ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela, as iniciativas dos líderes mundiais não serão suficientes para frear o avanço das mudanças climáticas.

Graça Machel
No encerramento da Cúpula do Clima, Graça Machel, viúva do ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela, ponderou que as medidas anunciadas pelos líderes mundiais não serão suficientes para frear o avanço das mudanças climáticas. (foto: UN Photo/ Yubi Hoffmann)

“Existe uma diferença muito grande na escala do desafio climático que nos aguarda e do que foi prometido aqui hoje”, disse Graça Machel no encerramento da Cúpula. “O desafio é muito maior. Podemos mesmo dizer que o futuro de nossos filhos e netos está assegurado e que eles herdarão um planeta seguro e sustentável?”

Machel lembrou os objetivos do milênio, metas relacionadas à saúde, segurança alimentar e sustentabilidade estabelecidas em 2000 pela ONU e que deveriam ser cumpridas até 2015.

“Quando esses objetivos foram acordados, todos estavam tão entusiasmados quanto agora, mas, anos depois, as metas não estão perto de serem cumpridas”, ressaltou. “Mas quando estamos falando de mudanças climáticas, não se trata de uma questão de escolha, é uma decisão de sobrevivência, é simplesmente uma obrigação. Os líderes deveriam ter tido coragem de tomar decisões mais severas que os tornassem mais impopulares entre milhares de cidadãos, mas que protegessem bilhões de pessoas e o futuro de nosso planeta.”

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line

*A repórter viajou a Nova Iorque a convite da Burness Communications.