Os novos caminhos brasileiros

Em um discurso proferido em 2009 na cidade de Praga, na República Checa, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, prometeu estabelecer uma política de desarmamento nuclear, que ficou conhecida como a ‘Agenda de Praga’. Obama apresentou sua visão de um mundo livre de armas nucleares e delineou algumas medidas que poderiam ser seguidas pelos Estados Unidos e por outros países nuclearmente armados.

O Brasil apoiou a Agenda de Praga desde o começo, colocando-se como um dos principais atores na questão do desarmamento. O compromisso assumido pela política externa brasileira a favor dessa causa foi destacado por especialistas reunidos em debate realizado no final de outubro no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). Os participantes falaram sobre a política externa nuclear do presidente Obama ao longo de seus dois mandatos e o importante papel do Brasil no cenário internacional.

Azambuja: O Brasil não desenvolve armas nucleares para se impor no cenário internacional, diferentemente de outros países

O embaixador Marcos Azambuja, membro do Conselho Curador do Cebri e ex-secretário-geral do Itamaraty, ressaltou que o Brasil não desenvolve armas nucleares para se impor no cenário internacional, diferentemente de outros países, como China e Alemanha. “O Brasil está em uma posição confortável, é signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) e não tem interesse em armas nucleares”, explicou Azambuja.

No entanto, a cientista política Renata Dalaqua, coordenadora de projetos do Cebri, chamou a atenção para uma postura crítica brasileira frente ao TNP. Segundo ela, o acordo é visto como um instrumento injusto, já que prevê a interrupção imediata de projetos nucleares nos países signatários, mas permite a manutenção do armamento nuclear já existente em algumas nações. “Quando se desenhou o TNP, mesmo seus maiores defensores sabiam que era uma solução precária. Não há acordo desigual que possa ter uma durabilidade de longo prazo”, completou Azambuja.

Posturas divergentes

Apesar do compromisso em favor do desarmamento, o Brasil não tem uma postura tão clara quando o assunto é a suspensão de projetos nucleares com fins pacíficos. Carlo Patti, historiador de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), citou o exemplo da construção do submarino nuclear brasileiro. Esse teria sido um dos motivos para o Brasil não assinar o Protocolo Adicional do TNP, que prevê a presença da Agência Internacional de Energia Nuclear (AIEA) em instalações nucleares. A justificativa brasileira é que essa fiscalização poderia abrir espaço para a espionagem industrial.

Debate no Cebri
Da esquerda para a direita: Carlo Patti, historiador de relações internacionais da PUC-Rio; o embaixador Marcos Azambuja, membro do Conselho Curador do Cebri e ex-secretário-geral do Itamaraty; e a cientista política Renata Dalaqua, coordenadora de projetos do Cebri. (foto: Divulgação Briefcom Comunicação)

Mas, segundo a visão norte-americana, o enriquecimento de urânio no Brasil, ainda que para uso em pesquisas nucleares com fins pacíficos, pode abrir um precedente para países com uma atuação ambígua no campo internacional, como o Irã.

Mesmo assim, o Brasil foi estimulado pelo governo norte-americano a assumir um papel de mediador durante o Acordo de Teerã de 2010, entre Irã e Turquia. Segundo o documento, o Irã – que não domina a tecnologia de enriquecimento de urânio – entregaria à Turquia cerca de 1.200 quilos desse elemento levemente enriquecido e, em troca, receberia 1/10 dessa quantidade 20% enriquecido.

A atuação brasileira nesse caso foi um dos motivos das primeiras tensões entre Brasil e Estados Unidos, pois o governo norte-americano não queria retirar as sanções impostas ao Irã por sua postura em relação ao desenvolvimento de projetos nucleares. O impasse acabou levando os Estados Unidos a afastarem o Brasil das negociações, aumentando as tensões entre os dois países.

Patti: O suposto fracasso brasileiro no Acordo de Teerã foi, na verdade, uma abertura de portas para o país em outras questões internacionais

“O Brasil tem uma postura e um perfil próprios”, disse Azambuja. “É um país amigo, mas não aliado dos Estados Unidos nessa questão da não proliferação e não aceita alguns papéis que lhe são impostos no cenário internacional.”

Segundo Patti, os americanos declararam que o Acordo de Teerã poderia ser uma solução se ela tivesse sido tomada antes. “O Brasil foi apoiado pelos Estados Unidos para encontrar uma solução nas relações com o Irã, mas o Acordo de Teerã não reverteu esse caminho”, explicou.

A interferência do Brasil nesse caso também foi criticada por outros países, já que a situação se distancia muito da área de atuação habitual da nossa diplomacia. No entanto, Patti comentou que o suposto fracasso brasileiro no Acordo de Teerã foi, na verdade, uma abertura de portas para o país em outras questões internacionais.

“O modelo das negociações de Teerã acabou se tornando um possível modelo para novas negociações, não apenas feitas pelo Brasil, mas também por outros países”, afirmou. A participação brasileira em outras tentativas de criar um modelo sólido de desarmamento nuclear, assim como no The Nuclear Security Summit 2014 (encontro que visa prevenir o terrorismo nuclear no mundo), tem sido apoiada. “O esforço brasileiro está sendo apreciado internacionalmente”, completou.

Fernanda Távora
Ciência Hoje On-line