Picada contra a dengue

A dengue, doença milenar causada pelo vírus carregado por um pequeno mosquito, Aedes aegypti, parece ser uma pedra constante no sapato da saúde pública do Brasil. Nem sempre foi assim: o mosquito transmissor – e a doença – já foram vencidos em ocasiões anteriores. Porém, seu último reingresso no país, no fim da década de 1970, se estende até hoje com graves consequências.

O Instituto Butantan, em São Paulo, iniciou recentemente a última fase de testes clínicos para a aprovação de uma vacina contra os quatro tipos de vírus conhecidos da dengue – a primeira do gênero no mundo a avançar tanto nos testes clínicos. Em entrevista à CH Online, Alexander Precioso, diretor da Divisão de Ensaios Clínicos e Farmacovigilância do Instituto Butantan, conta como está sendo o desenvolvimento da vacina e o que esperar no futuro. 
 

Desde quando o desenvolvimento da vacina está em andamento?
O programa de desenvolvimento e produção da vacina contra a dengue surgiu em 2008, por uma parceria entre o Instituto Butantan e os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH, na sigla em inglês). Essa vacina é composta pelos quatro tipos de vírus conhecidos da dengue que foram atenuados para a produção da vacina graças à parceria com o NIH. A modificação genética nos vírus foi realizada nos Estados Unidos e os vírus foram, então, trazidos para o Instituto Butantan para a produção da vacina. 

Como a vacina funciona?
Esta vacina estimula o sistema imunológico das pessoas de duas formas: o organismo humano passa a produzir anticorpos contra os quatro vírus da dengue e também estimula, no sistema imunológico, células específicas que ‘memorizam’ o contato prévio com os vírus, o que leva a uma rápida produção dos anticorpos em um contato posterior com o patógeno, proporcionando proteção completa contra a dengue.

Alexander Precioso
Alexander Precioso, diretor da Divisão de Ensaios Clínicos e Farmacovigilância do Instituto Butantan. (foto: Camilla Carvalho / Instituto Butantan)

Quais são as fases de teste para a aprovação da vacina?
Para que uma vacina seja aprovada para uso, são necessárias três fases de testes em humanos: na primeira fase, é demonstrada a segurança do produto por meio do monitoramento de dores e outros efeitos colaterias; na segunda, é monitorada a resposta imunológica desenvolvida pelas pessoas. Na última, por fim, é avaliada a eficácia do produto, ou seja, se ele realmente é capaz de proteger contra a doença. 

A vacina desenvolvida pelo Instituto Butantan contra a dengue acaba de iniciar sua terceira e última fase de testes clínicos. Como é essa fase?
Serão recrutados 17.000 participantes com boa saúde e idades entre 2 e 59 anos. Esta fase será conduzida em 14 centros de pesquisa clínica espalhados por todas as regiões do país. Primeiro, os participantes passarão por avaliação médica para atestar que elas possuem condições para participar do estudo. Em seguida, as pessoas serão vacinadas – dois terços receberão a vacina e um terço receberá o placebo, que não possui a capacidade de proteção – e comparecerão periodicamente aos centros de pesquisa para acompanhamento médico e coleta de sangue para análises laboratoriais. Essas pessoas serão monitoradas por um período de cinco anos. 

“A vacina será um dos instrumentos mais importantes para controlar a doença no país. Mas não vai solucionar o problema sozinha”

Essa última fase de testes levará, então, pelo menos cinco anos. Qual a previsão para que a vacina esteja disponível?
Não serão necessários cinco anos para a obtenção do registro da vacina. Uma vez que todos os participantes estiverem vacinados e com os quatro vírus circulando pelo país, faremos análises periódicas para atestar a eficácia da vacina. Assim que a eficácia estiver demonstrada, será possível o registro. Nossa estimativa é de que, se tudo correr bem, a vacina esteja disponível para a população a partir de 2018. Mas os participantes continuarão sendo monitorados – isso é importante para sabermos se a vacina necessita de reforço, como é o caso da vacina contra febre amarela. 

Qual será efetivamente o papel desta vacina no combate à dengue?
A vacina será um dos instrumentos mais importantes para controlar a doença no país – e até em outros países. Mas não vai solucionar o problema sozinha: as outras medidas de controle do mosquito transmissor devem continuar.

 

Everton Lopes
Instituto Ciência Hoje/ RJ