Polêmica maravilha

Talvez a maior obra de reurbanização já realizada na cidade do Rio de Janeiro, os preparativos da cidade para receber as Olimpíadas de 2016 – que incluem o projeto Porto Maravilha e a inauguração da linha 4 do metrô – vêm levantando muita polêmica. Se no papel os especialistas acreditam que as propostas são bem interessantes, a forma como vêm sendo implementadas é alvo de críticas.

Uma das grandes expectativas dos cariocas com as obras é, enfim, conseguir ampliar de forma substancial a cobertura de metrô da cidade. A nova linha 4 vai ligar a zona Sul à Barra da Tijuca, trajeto que apresenta sempre trânsito complicado nos horários de maior movimento, e atenderá, segundo a concessionária responsável pela construção e operação da linha, a Riobarra, mais de 300 mil pessoas por dia. No total, serão seis novas estações e 16 quilômetros de extensão. A inauguração está prevista para 2015.

Ribeiro: A nova linha 4 pode melhorar o fluxo na cidade, mas representa apenas um passo para resolver os problemas do metrô carioca

Para o engenheiro de transportes Paulo Cezar Martine Ribeiro, do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a obra pode melhorar o fluxo na cidade, mas representa apenas um passo para resolver os problemas do metrô carioca. “Uma grande questão do sistema é que ele é, na verdade, uma linha reta”, afirmou o pesquisador durante palestra da série Engenharia para poetas realizada em novembro na capital fluminense. “As linhas não são independentes, não há trajetos alternativos, e isso diminui a capacidade de atender a população e deixa o sistema mais vulnerável; se acontece um contratempo, para tudo.”

Em parte, a questão talvez se explique por outra limitação: o ritmo de crescimento do sistema. “O processo de ampliação do metrô do Rio de Janeiro foi mais tímido do que o de outras grandes metrópoles de países em desenvolvimento”, avaliou. “Mesmo em redes maiores e mais antigas, como as de Londres e de Paris, novas linhas e estações são sempre inauguradas, o movimento tem que ser contínuo.”

Metrô
Com a proximidade dos Jogos Olímpicos, a linha 4 do metrô carioca finalmente será implementada. Em comparação com outras cidades, no entanto, a cobertura do sistema da cidade ainda é pequena. (foto: Wikimedia Commons)

A título de comparação, enquanto o metrô carioca, inaugurado em 1979, terá três linhas e 41 estações em 2016, o de Seoul, na Coreia do Sul, aberto em 1974, já conta com quase 20 linhas interligadas. O da Cidade do México, de 1969, tem 11, assim como o de Xangai, na China, inaugurado em 1993 e já com cerca de 300 estações. O metrô paulistano, inaugurado em 1974, conta com 5 linhas e 64 estações em funcionamento. 

Obras controversas no porto

O projeto do Porto Maravilha, que promoverá a revitalização da zona portuária do Rio de Janeiro, também foi abordado pelo engenheiro ao avaliar os efeitos das obras para as Olimpíadas sobre a mobilidade na cidade. “A ideia sem dúvida é muito boa, mas vem se transformando num péssimo marketing para a Prefeitura”, considerou Ribeiro.

Ele analisou em especial a polêmica em torno da derrubada do elevado da Perimetral, via expressa que conectava alguns dos principais entroncamentos rodoviários da cidade do Rio de Janeiro. A implosão do primeiro grande trecho aconteceu em 24 de novembro, mas a demolição de um pedaço pequeno da via, feita sem o conhecimento da imprensa, já havia decretado o fim do elevado no início do mês.

Ribeiro: “Se tudo der certo, serão dois anos e meio sem uma via expressa para substituir a Perimetral. Por mais que a implosão fosse necessária para as obras, isso é muito tempo”

Na véspera da interdição definitiva da Perimetral, o presidente do Departamento de Transportes Rodoviários do Estado do Rio de Janeiro (Detro), Rogério Onofre, previu que a cidade enfrentaria o pior engarrafamento de todos os tempos. Mesmo que não tenha sido tão drástico, o impacto tem repercutido em diversos pontos da cidade, segundo Ribeiro. “Os reflexos das obras não aparecem só na região onde elas acontecem, pelo contrário”, afirmou. “A Avenida Presidente Vargas e a nova Via Binário do Porto talvez não apresentem congestionamentos anormais, mas é porque as pessoas não conseguem chegar até lá, pela piora do trânsito em outras áreas, como a Lagoa Rodrigo de Freitas.”

O engenheiro criticou a precocidade da derrubada da via. “Se tudo der certo, o que não é garantido, serão dois anos e meio sem uma via expressa para substituir a Perimetral”, ressaltou. “Por mais que a implosão fosse necessária para as obras, isso é muito tempo.”

Para ele, a Prefeitura deveria ter adiado a medida, para reduzir o período de transtorno para os moradores da cidade. “Acredito que as razões para a derrubada precoce possam fugir à alçada técnica”, sugeriu. “A manutenção da via por mais tempo não atrapalharia tanto as obras dos túneis previstos, que têm profundidade de dezenas de metros.”

Projeto Porto Maravilha
Segundo a Prefeitura do Rio de Janeiro, a derrubada do elevado da Perimetral nesse momento é fundamental para dar continuidade às obras Porto Maravilha, que incluirão uma nova via expressa, um túnel subterrâneo, passeios públicos e ciclovias. (foto: Prefeitura do Rio de Janeiro/ Divulgação)

Ribeiro lembrou que estão sendo investidos cerca R$ 11 bilhões na revitalização da região. “A área será uma das mais valorizadas da cidade, já atrai condomínios de luxo e empresas, a especulação imobiliária já é enorme”, disse. “Há muito investimento e talvez por isso falte interesse em frear as obras para discutir melhor os detalhes com a população.” Ele também destacou pontos que considera pouco claros do projeto, como a integração das novas vias com o mergulhão que já existe na Praça XV de Novembro – obra, aliás, que sofre com falta de manutenção e infiltrações.

“Esse é um grande problema de muitas obras públicas do Brasil, não existe um projeto executivo com todos os pontos das obras muito bem definidos desde o princípio”, afirmou. “Isso acaba gerando atrasos e aumentando o custo final das construções, como já ocorreu em outras obras da cidade, como a linha amarela [via expressa que liga a ilha do Fundão, na zona Norte da cidade, à Barra da Tijuca, na zona Oeste].”

Ribeiro: “Há muito investimento e talvez por isso falte interesse em frear as obras para discutir melhor os detalhes com a população”

Em resposta à Ciência Hoje On-line, no entanto, a Prefeitura do Rio de Janeiro afirmou que a escolha pela derrubada do elevado da Perimetral obedeceu a critérios técnicos – pilares, blocos de fundação e estacas da antiga via ocupariam áreas necessárias para a construção da estrutura dos túneis e a altura da Perimetral também inviabilizaria a utilização do maquinário de grande porte previsto nas obras. “O trecho da Avenida Rodrigues Alves [abaixo da Perimetral], também passará por obras de drenagem de grande porte (…) para solucionar os problemas de alagamentos na área”, acrescentou.

A Prefeitura também destacou a dimensão das obras de reurbanização, a liberação de novas vias (a Binário do Porto e a Binário 2) e a existência de um plano de mitigação de impactos com a ampliação da oferta de transporte público, além de pedir novamente a colaboração da população. “Todas as ruas nos cinco milhões de metros quadrados do Porto Maravilha passarão por completa renovação das redes de água, saneamento, drenagem, energia, gás natural, telecomunicações e iluminação pública, não se trata somente de obras viárias”, reforçou. A Prefeitura também informou que detalhes das obras estão disponíveis no site do Porto Maravilha, aqui e aqui.

Futuro parado

Independentemente das obras, sem um grande investimento em transporte público e em novas alternativas de mobilidade, Ribeiro prevê mais congestionamento para a cidade nos próximos anos – a velocidade média registrada no Rio de Janeiro, que segundo ele está na casa dos 25 km/h, deve cair ainda mais nos próximos anos.

“O crescimento da frota segue exponencial por muitos fatores: há a força da indústria automobilística, os carros geram arrecadação de impostos para o governo e temos oferta de combustível do pré-sal e de carros elétricos que devem ser barateados, por exemplo”, enumerou. “Ideias alternativas existem muitas, como a criação de estacionamentos periféricos ao centro da cidade, e estão aí desde que eu me formei, ainda na década de 1970, mas os planos e planejamentos não são seguidos”, concluiu.

Cenário conturbado
Após ter sido eleito sede das Olimpíadas de 2016 (e também uma das sedes da Copa do Mundo de 2014), o Rio de Janeiro passou a sonhar com as muitas melhorias econômicas, sociais, urbanas, artísticas, culturais e de qualidade de vida que a escolha poderia representar. Nos últimos anos, as obras seguem a toque de caixa. A cidade vive a expectativa de saber como ficará depois dessa bela recauchutada, mas não tem aceitado bem a forma como os governos estadual e municipal vêm atuando, com acusações de autoritarismo, segregação social e especulação imobiliária. Reunimos alguns dos muitos links disponíveis na internet com bons textos sobre esse cenário:
Na cidade dos carros, vão derrubar a Perimetral a base de mentiras. (Cidades Possíveis)
As duas lentidões da cidade. (Folha de S. Paulo)
Dirá você (Folha de S. Paulo)
Discursos sobre a Perimetral. (Caos Carioca)
Destino de aço usado na Perimetral vira polêmica. (Brasil Econômico)
‘Vigas da Perimetral estão a preço de sucata’, diz engenheiro do Crea-RJ. (Globonews)
Porto Maravilha, Bhering e Remoções. (Cidades Possíveis)
Imagina Depois da Copa. (Revista Pittacos)
O Caso Bhering, ou Especulação Imobiliária e a Lógica da Chantagem. (Revista Pittacos)
Remoção forçada da Aldeia Maracanã: não é assim que se faz uma Copa do Mundo. (Consciência.net)
Copa 2014 e Olimpíadas 2016: um legado de mitos. (Observatório das metrópoles)
O Rio que viola os direitos humanos. (Carta Capital)
Parabéns pra você: um mês depois, nem sinal das vigas da Perimetral. (O Dia)
Por que não implodir a rodoviária? (Folha de S. Paulo)

Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line