Desconhecidas montanhas da Amazônia

Quase todo mundo tem a mesma ideia da Amazônia: um local com rios extensos e grandes florestas fechadas, em um cenário plano a perder de vista. Mas a maior floresta tropical do mundo possui, em seu extremo norte, montanhas pouco conhecidas e exploradas. “Antigamente, presumia-se não haver muita riqueza natural nesses locais, mas hoje sabe-se que possuem grande diversidade biológica e são lar de diversas espécies endêmicas (isto é, que só ocorrem em determinado lugar)”, conta o biólogo Gustavo Martinelli, do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

Acompanhado de outros quatro biólogos do instituto e um fotógrafo, Martinelli visitou, entre 2011 e 2014, cinco localidades montanhosas diferentes. Os locais selecionados foram a Serra do Aracá, o Pico da Neblina e a Serra da Mocidade, no Amazonas, e o Monte Caburaí e a Serra Grande, em Roraima. As viagens deram origem ao livro Expedições às montanhas da Amazônia, um relato bem ilustrado das aventuras vividas pelos pesquisadores e dos resultados preliminares de seus estudos.


Alguns pontos mais difíceis só puderam ser acessados de helicóptero. (foto: Ricardo Azoury)

 

Preparativos

Como são áreas de difícil acesso, os cientistas precisaram percorrer extensas estradas de terra e cascalho, pegar carona com voadeiras (barcos rápidos que trafegam pelas águas rasas dos rios da Amazônia), fazer trilhas e voar de helicóptero. Mas essas não foram as únicas dificuldades. Para explorar Unidades de Conservação da Amazônia, são necessárias autorizações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Ministério da Defesa (em áreas perto das fronteiras), além de permissões da Fundação Nacional do Índio (Funai) e dos indígenas moradores de áreas que serão visitadas.

Como as florestas são consideradas sagradas por esses grupos, dá pra imaginar que o processo foi demorado. Marcus Nadruz, coordenador da equipe, encarregou-se das extensas e difíceis negociações com as lideranças indígenas. “Para conseguir a autorização demorava oito, nove meses. É difícil, porque os índios não usam celular e não têm e-mail. Em meu primeiro contato com eles, eu possuía apenas o número do orelhão de uma aldeia ianomâmi”, relata o pesquisador.


Coleta de amostras. (foto: Ricardo Azoury)

A exigência feita pelos indígenas para a expedição ao Pico da Neblina foi a presença de uma liderança sua junto aos cientistas. O escolhido era Armindo Góes Ianomâmi, fluente em português e diretor da Huturaka Associação Ianomâmi. Embora não planejada, a companhia foi celebrada pela equipe. “Fomos convidados para assistir a cerimônias sagradas dos indígenas, ouvimos sobre o conhecimento tradicional que eles tinham sobre plantas coletadas por nós, como seus usos e nomes”, ressalta a bióloga Denise da Costa, que também participou das expedições.

 

Fazendo as malas

Em expedições científicas não podem faltar equipamentos para conservar adequadamente as amostras coletadas e preservar a segurança dos pesquisadores. Por isso, além dos itens de necessidade básica de cada um, a equipe contava com aparelhos GPS e telefones via satélite, para que ninguém se perdesse. Levavam ainda álcool para a secagem das amostras, vidros para guardá-las, grades de madeira para prensagem e um item que chama atenção: a estufa de campo, composta por duas caixas de madeira, de 30 kg cada.

 

Dia a dia na floresta

Se a sua ideia de expedição à Amazônia é a de um agradável e bucólico passeio ao ar livre, vamos acrescentar alguns detalhes para dar emoção. Essas são viagens de rotina árdua, que começa às sete da manhã. Depois de café da manhã frugal, os pesquisadores se dividem em duplas ou trios para caminhar pela floresta, coletando plantas. À tarde, começa o trabalho de prensagem, secagem e descrição das amostras coletadas, que se estende até as 23h, hora de dormir para reunir forças e iniciar tudo de novo no dia seguinte.


Nada de folga: o dia a dia na floresta é de trabalho pesado. (foto: Ricardo Azoury)

 

Descobertas científicas

Mas todo esforço tem sua recompensa. No total das expedições, os cientistas coletaram 4.000 amostras, entre as quais 57 espécies que nunca haviam sido registradas em território brasileiro, embora já fossem conhecidas pela ciência. Pelo menos seis novas espécies já foram descobertas, e possivelmente haverá mais – o processo de identificação, porém, é demorado e pode levar décadas. As amostras coletadas estão catalogadas no acervo do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que contém aproximadamente 600 mil plantas.


Uma das belas flores observadas pelos biólogos durante as expedições. (foto: Ricardo Azoury)

No fim, fica a sensação de ter feito uma contribuição de peso para a botânica brasileira. Vamos combinar que, para um biólogo dessa área, passar alguns dias imerso na maior floresta tropical do mundo não é nada mal, hein? “Foi a realização de um sonho poder contribuir para preencher essa lacuna de conhecimentos. A frustração é por ter sido tão pouco tempo”, conclui Costa.

 

Expedições às montanhas da Amazônia

Organização: Marcus Nadruz
Autores: Marcus Nadruz Coelho, Gustavo Martinelli, Denise Pinheiro Costa, Rafaela Forzza e Miguel Avila de Moraes
Fotografia: Ricardo Azoury
244 páginas
Andrea Jakobsson Estúdio

 

João Paulo Rossini
Especial para a CH Online