A invasão de ecossistemas naturais por organismos não nativos é, atualmente, uma das mais importantes causas de perda de biodiversidade em nosso planeta. O estabelecimento de organismos invasores em um novo ambiente pode resultar em uma mudança irreversível na estrutura de suas comunidades biológicas e acarretar a extinção de espécies nativas. Os episódios de invasão atuam em conjunto com outros componentes, como o aquecimento global e a destruição de hábitats, causando, assim, danos consideráveis a todos os ecossistemas terrestres e aquáticos do planeta.

Em um cenário de constante aumento das demandas humanas por recursos naturais, destaca- -se a iminente necessidade de se preservarem as nossas reservas de água, tendo em vista que os ecossistemas aquáticos têm sofrido grandes impactos nas últimas décadas.

As invasões biológicas por organismos aquáticos não nativos representam um importante fator de transformação ambiental, cujas consequências extrapolam os prejuízos ecológicos e incluem também diversos impactos econômicos e sociais. Somente em 2013, nos Estados Unidos, os prejuízos causados por espécies invasoras foram estimados em aproximadamente R$ 400 bilhões (US$~130 bilhões).

Um exemplo clássico de invasão biológica é a introdução da perca-do-nilo no lago Vitória, na África. A entrada desse peixe, que pode atingir quase 2 m de comprimento, causou a extinção de mais de 200 espécies de peixes ciclídeos (de tamanho pequeno) nativos e, consequentemente, provocou o colapso de comunidades tradicionais de pescadores ao redor do lago. Na América do Sul, o mexilhão-dourado representa um exemplo típico de espécie invasora, capaz de produzir alterações relevantes nos sistemas hídricos invadidos, assim como impactos econômicos e sociais.


A invasão do mexilhão-dourado é atualmente uma das mais graves
ameaças aos ecossistemas aquáticos brasileiros. (foto: Fabiano A. Silva)

O mexilhão-dourado é um pequeno molusco de cerca de 2 cm de comprimento. Esse pequeno invasor é responsável por significativos impactos ambientais, como a morte de peixes nativos e a alteração da cadeia alimentar e da qualidade da água. Ele é capaz de causar enormes impactos econômicos nas regiões invadidas, como o entupimento de bombas e tubulações de captação de água, de máquinas em hidrelétricas e de redes de criadouros de peixe etc. Os impactos ambientais e econômicos desse organismo ocorrem principalmente devido às suas altas taxas de reprodução e competição por recursos. Além disso, ele não encontra, em águas brasileiras, predadores, parasitas ou mesmo variações ambientais capazes de reduzir seu crescimento populacional. Dessa forma, esse organismo se configura atualmente como uma das mais graves ameaças aos ecossistemas aquáticos brasileiros.

De carona nos navios

Registrado pela primeira vez na América do Sul em 1991, o mexilhão-dourado é um molusco bivalve (que tem concha com duas peças fechadas) de água doce. Originalmente, sua distribuição geográfica estava limitada ao Sudeste Asiático, principalmente ao rio Yang Tsé, na China. Na década de 1960, foi encontrado pela primeira vez como espécie invasora em Hong Kong e, em 1991, foi achado na América do Sul.

Provavelmente, essa introdução se deu por meio da água armazenada no fundo dos navios para lhes conferir estabilidade (chamada água de lastro). Essa prática é uma importante via de introdução de espécies não nativas em todo o mundo, pois apenas um navio cargueiro é capaz de transportar milhões de litros de água, que cruzam estados, países e continentes. Essas águas podem conter organismos capazes de sobreviver a viagens de longa distância e duração e que acabam invadindo novos ambientes à medida que a água é liberada. Atualmente, um programa global de fiscalização e controle das águas de lastro (Globallast) busca reduzir essa forma de introdução de espécies em novos ecossistemas, por meio de técnicas de manejo que diminuem a capacidade de sobrevivência desses organismos.

As superpopulações de mexilhão-dourado, aliadas à grande capacidade desses organismos de aderir a superfícies rígidas de qualquer natureza, causam problemas de obstrução de tubulações e aumento da corrosão dos materiais

As superpopulações de mexilhão-dourado (que podem chegar a 200 mil indivíduos por metro quadrado), aliadas à grande capacidade desses organismos de aderir a superfícies rígidas de qualquer natureza, causam problemas de obstrução de tubulações e aumento da corrosão dos materiais. O entupimento de tubulações de equipamentos responsáveis pelo resfriamento de turbinas em uma usina hidrelétrica, por exemplo, implica até o desligamento temporário do sistema. Essas paralisações provocam enormes prejuízos econômicos, principalmente devido à perda de energia que a usina deixa de gerar e ao custo do trabalhador usado para retirar e descartar esses organismos.

A grande densidade populacional dos mexilhões também modifica rapidamente a presença e abundância de diversas espécies de organismos nativos. Com a menor disponibilidade de presas, alguns peixes se alimentam dos mexilhões, mas muitos deles são incapazes de digerir as conchas e morrem. Além disso, o mexilhão-dourado tem a taxa de filtração (que representa a demanda por alimento) mais alta entre os bivalves invasores, que incluem também o mexilhão-zebra, um dos que mais causam impactos na América do Norte e Europa. Considerando os contingentes populacionais, a invasão pelo mexilhão- -dourado demanda um grande volume de plâncton para sua alimentação, o que impacta toda a cadeia alimentar da região, podendo reduzir significativamente populações de peixes e outros organismos do ecossistema que dependam majoritariamente do plâncton como fonte de alimento.

Controle populacional

Várias estratégias têm sido estudadas e disponibilizadas pela iniciativa privada para o controle populacional desse invasor. Entre elas, destacam-se o uso de luz ultravioleta, indução eletromagnética, dióxido de cloro, ozônio, hipoclorito de sódio e compostos citotóxicos diversos. Apesar de esses mecanismos de combate estarem disponíveis no mercado brasileiro, todos ainda carecem de regulamentação pelos órgãos ambientais, uma vez que causam significativos impactos ao ambiente (atuam de forma irrestrita sobre quaisquer organismos aquáticos), têm altos custos de implantação e estão limitados à área industrial. Nenhuma dessas técnicas pode ser usada em ambientes abertos e, portanto, elas não representam uma solução para os problemas decorrentes da invasão desses organismos.

As estratégias de prevenção e detecção rápida de organismos invasores têm recebido atenção especial, por terem demonstrado maior potencial efetivo na mitigação dos impactos econômicos e, principalmente, ambientais desse fenômeno. A detecção rápida da chegada de um invasor é fundamental, visto que permite ao gestor ambiental o controle de populações enquanto elas ainda são pequenas o suficiente para serem erradicadas, minimizando, assim, as chances de sucesso da invasão. Além disso, a detecção rápida permite o estabelecimento de barreiras sanitárias para prevenir a invasão de novos ambientes.

Os trabalhos de detecção rápida do mexilhão-dourado têm dois entraves importantes. O primeiro é que, devido ao grande potencial invasivo do organismo, diversas áreas devem ser monitoradas, o que eleva os custos da atividade e, consequentemente, reduz a capacidade de execução. O segundo entrave está na dificuldade de detectar as larvas em baixas densidades populacionais nos grandes volumes de água que compõem os reservatórios, rios e lagos brasileiros.

Detecção precoce

Visando solucionar esses obstáculos, grupos de pesquisa têm buscado a elaboração de um sistema integrado para detectar rapidamente a presença de espécies invasoras e permitir uma resposta rápida na tomada de medidas de contenção e controle por entidades interessadas na gestão de rios, bacias e demais regiões invadidas. O Programa de Detecção Rápida e Resposta Imediata (DRRI), desenvolvido pelo Centro de Bioengenharia de Espécies Invasoras de Hidrelétricas (CBEIH), baseou-se no programa de detecção precoce do Bureau of Reclamation, instituto do governo federal norte-americano responsável pelo combate às espécies invasoras nos EUA.

O DRRI propõe um conjunto de protocolos que se inicia com uma rede de monitoramento ativo em áreas prioritárias indicadas por modelagem ambiental, com coletas de água em trechos estratégicos. Essa modelagem é feita por modelos matemáticos computacionais que cruzam informações ambientais com informações biológicas e ecológicas do organismo, indicando áreas com maior probabilidade de ocorrência da invasão. Para esses locais, são enviadas equipes de campo que, com auxílio de barcos e equipamentos, fazem vistoria e coletas de água e sedimento para análises químicas e biológicas. No laboratório, são realizadas diferentes técnicas capazes de detectar e quantificar larvas – comumente encontradas no início da invasão – em locais de baixa densidade populacional. O método combina estereomicroscopia com luz polarizada, aná- lise visual automatizada de fluidos e técnicas de biologia molecular, o que permite obter um resultado confiável com relação à presença e distribuição de um organismo aquático invasor.


Uma das técnicas usadas para identificar a invasão por mexilhão-dourado baseia-se em um fenômeno da luz (chamado birrefringência) que torna possível visualizar as larvas do molusco, pois elas se destacam sobre o fundo negro ao serem observadas por um aparelho especial. (foto: Fabiano A. Silva)

A identificação de larvas por luz polarizada baseia-se em um fenômeno provocado na luz (chamado birrefringência) devido ao formato da concha dos moluscos (ou da carapaça presente em suas larvas) e que torna possível visualizar os organismos. As larvas se destacam sobre o fundo negro ao serem observadas por uma espécie de lupa chamada estereomicroscópio. O uso dessa técnica representou um avanço nas análises de rotina para detecção e contagem de larvas de moluscos e auxilia principalmente quando há amostras com muito material em suspensão, pois aumenta bastante a visualização da larva entre outros materiais.

Para uma maior precisão na detecção de larvas de moluscos invasores, como o mexilhão-dourado e o mexilhão-zebra, é feita a análise automatizada das partículas presentes na água. Nessa técnica, usa-se um equipamento que consiste em um microscópio acoplado a um computador com um programa que identifica imagens e a uma bomba de sucção que estabelece um fluxo. O fluxo desloca o líquido a ser analisado e permite que o equipamento explore automaticamente toda a amostra em busca de partículas de interesse – no caso, larvas do mexilhão-dourado.

O método inclui ainda a técnica de reação em cadeia da polimerase (PCR), em que são usadas pequenas sequências de DNA que se ligam somente ao DNA do mexilhão-dourado presente na amostra. Após ciclos de variação de temperatura e a ação de uma enzima que copia o DNA, o material genético do mexilhão é amplificado. Terminada a amplificação, o DNA do mexilhão-dourado pode ser visualizado e sequenciado. A sequência de DNA obtida é comparada com outras previamente depositadas em um banco de dados internacional on-line para confirmar se pertence mesmo ao mexilhão-dourado, o que permite constatar um evento de invasão, mesmo que ainda não se note a presença do mexilhão adulto no local de coleta da água.

Por fim, os resultados são integrados a um sistema on-line de informação, com módulos de visualização que indicam os locais onde foram identificadas invasões. Em caso de detecção em novas áreas, protocolos de alerta são acionados e os órgãos de fiscalização, as empresas que usam água bruta dos locais invadidos e os gestores da bacia hidrográfica são notificados para a tomada imediata de medidas. Por usar um sistema de informação integrado, o DRRI garante ao Estado, às empresas e a todos os usuários das bacias hidrográficas um modelo eficiente de prevenção e combate ao mexilhão-dourado e poderá servir como base para o controle de outras espécies invasoras. Essas ações permitem o monitoramento eficiente de áreas prioritárias para conservação e locais estratégicos para abastecimento e geração de energia, garantindo a efetiva mitigação dos impactos do mexilhão-dourado.

Sugestões para leitura

ALMEIDA, A.C.; BARBOSA, N.P.U.; SIlVA, F.A.; FERREIRA, J.A.; CARVALHO, V.A.; CARVALHO, M.D.; CARDOSO, A.V. (2016) o invasor dourado. Scientific American Brasil 164: 36-41.

BARBOSA, N.P.U.; SIlVA, F.A.; OLIVEIRA, M.D.; SANTOS-NETO, M.A.; CARVALHO, M.D.; CARDOSO, A.V. (2016) Limnoperna fortunei (Dunker, 1857) (Mollusca, Bivalvia, Mytilidae): first record in the São Francisco River basin, Brazil. Check List 12: 1846.

Na internet

Página do Centro de Bioengenharia de Espécies Invasoras de Hidrelétricas (CBEIH): www.cbeih.org

Fabiano A. Silva
Newton P. U. Barbosa
Rayan S. Paula
Vinícius A. Carvalho
Arthur Corrêa
Antônio V. Cardoso

Centro de Bioengenharia de Espécies Invasoras (Belo Horizonte)

Marcela David de Carvalho
Companhia Energética de Minas Gerais

Seu Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Outros conteúdos desta edição

614_256 att-22963
614_256 att-22937
614_256 att-22931
614_256 att-22965
614_256 att-22941
614_256 att-22933
614_256 att-22943
614_256 att-22935
614_256 att-22951
614_256 att-22959
614_256 att-22945
614_256 att-22961
614_256 att-22949
614_256 att-22953
614_256 att-22957

Outros conteúdos nesta categoria

614_256 att-22975
614_256 att-22985
614_256 att-22993
614_256 att-22995
614_256 att-22987
614_256 att-22991
614_256 att-22989
614_256 att-22999
614_256 att-22983
614_256 att-22997
614_256 att-22963
614_256 att-22937
614_256 att-22931
614_256 att-22965
614_256 att-23039