Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano
Rede Ressoa Oceano
Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano
Universidade de São Paulo
Cátedra Unesco para Sustentabilidade do Oceano, Rede Ressoa Oceano

Assim como fez em outras ocasiões e com outros temas para atingir um objetivo global comum, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou o período 2021-2030 como a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável. A meta central é gerar e divulgar conhecimento relacionado ao oceano. Entre outras propostas da também chamada ‘década do oceano’ estão a redução de fatores de estresse que afetam o ambiente marinho, assim como a recuperação de seus ecossistemas.

“É doce morrer no mar”, disse o cantor e compositor baiano Dorival Caymmi (1914-2008). Se, na ocasião, entoava o verso solitário que refletia as tragédias que destruíram a vida de frágeis pescadores no oceano, hoje há um coro planetário revelando os problemas que assolam essa imensa extensão de água que cobre mais do que 70% da Terra.
Lixo, esgoto, petróleo e mudanças no clima são exemplos de acordes dissonantes dessa cacofonia epopeica e planetária. Uma enorme quantidade de produtos oriundos de diferentes atividades humanas acaba hoje por se acumular no mar. E de maneira nada doce. O mar, romantizado na música e na literatura, mas ainda incógnito para a humanidade, está cada vez mais doente.


A Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável traz uma missão para cada um de nós: unir esforços para garantir o oceano de que tanto precisamos para que tenhamos o futuro que queremos para o planeta

Espera-se que, a partir de agora, do início de 2021 até 2030, essa realidade tenha um grande aliado para sua transformação: a década do oceano. Assim como em outros decênios estipulados pela Organização das Nações Unidas (ONU) desde 1960 a fim de despertar a atenção da humanidade para temas sensíveis e relevantes, a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável traz uma missão para cada um de nós: unir esforços para garantir o oceano de que tanto precisamos para que tenhamos o futuro que queremos.

 

Elemento central

De fato, o oceano é um tema urgente. Não apenas pela degradação que vem sofrendo com a poluição diversificada, a pesca excessiva, a destruição de hábitats e as mudanças climáticas, que impactam a biodiversidade e os benefícios que o oceano traz à sociedade. Mas também porque o oceano tem forte influência no funcionamento do planeta, como na regulação do clima, e nas atividades humanas que dependem direta ou indiretamente dele. É um elemento central na busca da sustentabilidade da Terra. Portanto, diz respeito a todos.

A década traz desafios a serem superados e metas a serem cumpridas, como aquelas associadas ao 14° Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU: conservar e promover o uso sustentável do oceano, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável. Portanto, ações de combate à poluição e de restauração do ambiente marinho fazem parte desse caminho.

Entretanto, há um grande gargalo a ser superado para que tais ações possam ser propostas e implementadas: a falta de conhecimento científico. Conhecimento que precisa ser produzido e divulgado adequadamente, a fim de atingirmos a (cons)ciência de que precisamos para o oceano que queremos.

E qual é esse cenário? Um oceano limpo, saudável e resiliente, produtivo, previsível, seguro, transparente, inspirador e envolvente. Cada um desses sete objetivos exige diferentes ações que, cada vez mais, deixam de ser facultativas e passam a ser emergenciais. Interconectadas, elas buscam criar as bases para definirmos o futuro do oceano e, consequentemente, o destino do planeta. Por isso, se quisermos atingir essas metas e preparar o oceano que queremos, precisamos ampliar o nosso conhecimento sobre ele. Abaixo, discorremos sobre os sete objetivos da década.

 

Oceano limpo

Segundo relatório da Fundação Ellen MacArthur, em 2050 haverá mais plásticos do que peixes no oceano. Resíduos têm valor e não deveriam ser jogados fora indiscriminadamente. Parece óbvio, mas parte da população não pratica esse conhecimento básico – diariamente toneladas de lixo chegam ao oceano.

Esgoto, resíduos sólidos, produtos químicos, fertilizantes agrícolas, metais pesados e até remédios que liberamos em nossa urina são exemplos de formas de poluição que podemos gerar, tanto em terra quanto no mar. As fontes poluentes podem ser pontuais ou difusas, colocando em risco os ecossistemas, a saúde humana e o desenvolvimento sustentável do planeta.

O oceano que queremos requer que as fontes de contaminação sejam identificadas, reduzidas ou eliminadas.Para isso, existem vários caminhos, como ampliar a rede de coleta e tratamento de esgoto – que no Brasil atende apenas 50% das moradias –; fomentar a economia circular, promovendo desde o redesenho de produtos até soluções para sua destinação final; e fortalecer a política e os órgãos responsáveis por instrumentos de regulação, como o licenciamento ambiental.

 

Oceano saudável e resiliente

Um oceano saudável tem os componentes e processos de seus ecossistemas preservados. Em outras palavras, a biodiversidade está protegida e as relações entre os organismos e entre eles e o ambiente estão equilibradas. Portanto, um oceano saudável deve ser primordialmente limpo, sem poluentes, mas também sem outros tipos de agressão, como aquelas trazidas pela pesca excessiva, destruição de hábitats e mudanças climáticas.

Um oceano saudável é resiliente, ou seja, é capaz de lidar com eventuais alterações ambientais adicionais, causadas ou não pelo ser humano. O oceano que queremos exige que os ecossistemas marinhos sejam compreendidos, protegidos, restaurados e gerenciados. Mas o cenário atual é desolador, com uma lista crescente de espécies marinhas ameaçadas de extinção, como a raia-manta (Mobula mobular) e o tubarão-baleia (Rhincodon typus).


O oceano que queremos exige que os ecossistemas marinhos sejam compreendidos, protegidos, restaurados e gerenciados

Uma das lacunas para enfrentar esse problema é o estudo dos diferentes ecossistemas e dos impactos que eles vêm sofrendo, a fim de implementar ações que garantam o funcionamento de cada um deles. Uma das formas de fazer isso é combatendo as fontes de poluição. Outra é aumentar o número de áreas marinhas protegidas.

Segundo o Painel de Alto Nível para a Economia Sustentável do Oceano, que integra chefes de estado de 14 nações, a proteção de 30% do oceano, considerando os mais variados ecossistemas, seria capaz de restaurar e proteger os ambientes e a biodiversidade marinha no planeta. Esse objetivo é especialmente desafiador, pois atualmente apenas 4% do oceano está protegido, enquanto a degradação dos ecossistemas marinhos está se acelerando devido à intensificação das atividades humanas insustentáveis.

 

Oceano produtivo

O oceano tem sido fonte de riqueza para a humanidade. Além de fornecer boa parte do oxigênio que respiramos, o ambiente marinho nos oferece recursos e benefícios variados, como alimento, energia, lazer e transporte. Mas, a nossa possibilidade em desenvolver uma economia relacionada ao mar pode ser comprometida pela poluição e pela perda de saúde e resiliência do oceano. Isso reforça o entendimento de que economia e meio ambiente devem andar juntos e de que não são excludentes.

A captura de recursos pesqueiros, por exemplo, ocorre em uma velocidade que a natureza tem dificuldades em restaurar, afetando não só a própria pesca como também o bom funcionamento dos ecossistemas marinhos. É o que vem acontecendo com importantes recursos pesqueiros brasileiros, como a lagosta, a sardinha e o atum, que não são mais facilmente encontrados em nossa costa.

A maricultura, nome dado ao cultivo de organismos marinhos, é uma alternativa para recuperar estoques de peixes selvagens, implantar práticas de gestão de pesca sustentável e produzir proteínas de origem animal. A maricultura pode, inclusive, ser a base para obtenção de recursos biotecnológicos e moléculas ativas a partir do cultivo de algas.

Inúmeras outras atividades econômicas sustentáveis podem ser desenvolvidas no mar. Elas recebem o nome de economia azul e incluem o uso de fontes de energia limpa e renovável, com baixa emissão de carbono.


O oceano que queremos é um ambiente produtivo que apoia o abastecimento sustentável de alimentos e uma economia oceânica igualmente sustentável

O oceano que queremos é um ambiente produtivo que apoia o abastecimento sustentável de alimentos e uma economia oceânica igualmente sustentável. Mais que isso, o oceano produtivo precisa ser uma engrenagem de um movimento que deve promover a prosperidade equitativa, ou seja, o amplo compartilhamento dos benefícios que o ambiente marinho, bem da humanidade, proporciona às pessoas.

 

Oceano previsível

Se pretendemos nos preparar para o futuro, temos que prever as mudanças que ocorrerão no oceano. Essas transformações são causadas por fenômenos naturais, ações humanas (como poluição) ou mudanças no clima. É preciso aprofundar o conhecimento sobre sua estrutura – como são o relevo e a biodiversidade – e como ele funciona (processos).

Apenas 15% do fundo oceânico foram mapeados até hoje, enquanto a biodiversidade do mar profundo ainda é uma grande fronteira para o conhecimento. Isso significa que o ambiente marinho é pouco conhecido e só com a busca constante da compreensão dos seus processos, aprimoraremos nossa capacidade de entender suas mudanças e as consequências destas para a vida tanto marinha quanto humana.

Uma compreensão integrada e uma previsão precisa dos fenômenos oceânicos, como tempestades, inundações ou mesmo o desaparecimento de estoques pesqueiros, apoiarão a implementação de uma gestão eficiente, capaz de salvar vidas e propriedades e proteger as atividades humanas. O oceano que queremos é um ambiente previsível em que a sociedade seja capaz de entender e de responder às suas mudança .

 

Oceano seguro

Acidentes ambientais de todos os tipos, como tempestades e tsunamis, ocorrem anualmente no oceano, e estão se tornando mais frequentes e intensos devido às mudanças climáticas. A correta avaliação, mitigação, previsão e comunicação sobre esses riscos, assim como a formulação de respostas adaptativas, são necessárias para reduzir os efeitos de curto e longo prazo em terra e no mar.

O oceano que queremos é seguro; nele, a vida e os meios de subsistência são protegidos dos perigos a ele relacionados. Assim, apenas com um oceano previsível, teremos um oceano seguro. Mas, além de nossa capacidade de prever os fenômenos oceânicos, temos que aprimorar nossa habilidade para compartilhar essas informações.

 

Oceano transparente

Aqui, o transparente não diz respeito à água, mas à garantia do acesso à informação: dados produzidos por uns – pesquisadores, instituições ou países – e que são importantes para outros. A grande maioria da informação – gerada por países desenvolvidos que fomentam fortemente a ciência – deve estar acessível aos países pobres e que não têm condições para produzir o conhecimento do qual dependem. É necessária uma maior disseminação do conhecimento gerado sobre o oceano por meio de produtos acessíveis a todos, a partir da comunidade científica, dos governos, dos educadores e da indústria para o público geral.


O oceano que queremos deve ser acessível e com disponibilidade equitativa de dados, informações e tecnologia e inovação

Um exemplo é conectar a ciência oceanográfica produzida por pesquisadores com políticas públicas e ações incorporadas pela sociedade. O oceano que queremos deve ser acessível e com disponibilidade equitativa de dados, informações e tecnologia e inovação. Assim, espera-se que as informações existentes sejam compartilhadas em bancos de dados de livre acesso para uso irrestrito. Pressupõe-se também que seja ampliada a transferência de tecnologia para fortalecer e emancipar países emergentes econômica e cientificamente.

 

Oceano inspirador e engajante

O oceano precisa da ajuda de todos nós. E essa ajuda começa com uma mudança radical da sociedade em relação a ele, o que pode ser alcançado por meio de abordagens de alfabetização oceânica, ferramentas educacionais inovadoras e iniciativas de conscientização formais e não-formais.

Seja um habitante do interior ou do litoral, a conexão com o oceano deve ser garantida a todos para que a visão sobre seus valores econômicos, sociais, ambientais e culturais se expanda. Mais que isso, as formas como nossas atitudes e escolhas afetam o ambiente marinho devem ser parte de uma discussão crítica de toda a sociedade. O oceano que queremos é inspirador e envolvente, e a sociedade deve entender e valorizar o que ele representa em relação ao bem-estar humano e ao desenvolvimento sustentável. Sem esse objetivo não alcançaremos os demais.


O oceano que queremos é inspirador e envolvente, e a sociedade deve entender e valorizar o que ele representa em relação ao bem-estar humano e ao desenvolvimento sustentável

Para alcançar esses objetivos, temos alguns caminhos: incluir esse tema global no currículo do ensino básico, promovendo uma alfabetização sobre o oceano; formar profissionais que lidam direta ou indiretamente com o mar; expor na mídia temas sobre os diferentes ecossistemas marinhos de maneira abrangente; debater políticas públicas para que problemas em terra, como saneamento básico, sejam solucionados; e conectar a comunicação científica (entre os cientistas) com a divulgação científica (para a sociedade), encurtando a distância entre cidadãos, cientistas e tomadores de decisões.

 

Mudança com e para todos

O chamado para termos o ‘oceano que queremos’ precisa ecoar por todos os cantos, pois a mudança é com e para todos. Como o oceano é um só, interconectado, temos que pensar no global e ao mesmo tempo agir localmente. E agir significa produzir e disseminar conhecimento sobre o ambiente marinho. Isso demanda investimento, profissionais treinados, equipamentos (satélites e navios) e desenvolvimento tecnológico e inovação. Atingir os objetivos da década do oceano pressupõe a valorização da ciência no país.

“É doce morrer no mar”, disseram pela última vez 25 milhões de toneladas de lixo. Esperamos que a década do oceano não morra na praia.

Alexander Turra, Monique Rached e Tássia Biazon
Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano
Universidade de São Paulo

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