Voar: um superpoder com muitos limites

Atravessar o céu em alta velocidade é um dos poderes mais cobiçados dos super-heróis. Mas essa habilidade tem limitações que colocariam em risco a vida de qualquer ser humano comum.

São muitos os superpoderes da ficção que nos fazem pensar em como seria nossa vida se pudéssemos tê-los. Voar é, certamente, um deles. Atravessar os céus em alta velocidade, com a brisa batendo no rosto, sem preocupações com trânsito e com atrasos, sem precisar sequer ter que pegar um avião para visitar uma cidade distante ou mesmo outro país.

Super-heróis como Tempestade (dos X-Men), Capitã Marvel, Mulher Maravilha, Super-Homem, entre outros, nos dão a impressão de que voar é fácil e só tem vantagens. Mas, se você tivesse esse superpoder, pode ter certeza de que teria que enfrentar alguns desafios e limitações.

 

O céu nem sempre é o limite

O primeiro obstáculo está relacionado à altitude. Altitude é a altura de uma região com relação ao nível do mar. São Paulo, por exemplo, está 760 metros acima do mar, enquanto La Paz, na Bolívia, está a uma altitude de 3.640 metros. Quanto maior a altitude em que nos encontramos, menor é a disponibilidade de ar atmosférico. Se você já escalou uma montanha que ultrapasse os 2.500 metros de altitude, como o Pico da Bandeira (entre o Espírito Santo e Minas Gerais) ou o Pico da Neblina (Amazonas), provavelmente sentiu maior dificuldade de respirar à medida que foi chegando ao topo.

Por isso, se você voasse sem um tanque de oxigênio, seu organismo sofreria muitas consequências da falta de ar e da baixa pressão atmosférica em altitudes mais altas.

Estudos sugerem que o mais saudável a se fazer em regiões de grande altitude é utilizar tanques de oxigênio, para auxiliar na respiração, e passar por um processo de aclimatização (ou seja, adaptação às novas condições ambientais).

Em um organismo que não está bem adaptado, os primeiros efeitos da altitude já podem surgir em questão de minutos: náusea, fadiga, tontura e edemas nas mãos, pés e rosto. Em altitudes maiores e com tempo de exposição maior, a situação pode se agravar para edemas pulmonar ou cerebral e ataque cardíaco.

Em poucas horas em altitudes acima de 5.000 metros, já se observam também problemas como quedas drásticas de sensibilidade visual, de atenção espacial, de memória de curto prazo, de habilidades aritméticas e da capacidade de tomar decisões.

Não é à toa que as companhias aéreas sempre orientam seus passageiros a colocarem a máscara de respiração primeiro em si próprios, em caso de acidente. Se um avião sofre despressurização e os passageiros começam a respirar o pouco ar disponível quando se está a milhares de metros de altitude, é questão de segundos até que eles desmaiem.

Além disso, em altitudes acima dos 4.000 metros, a temperatura ambiente já está próxima ou até abaixo de 0 ºC. Nenhum ser humano normal resistiria por muitos minutos nessa temperatura sem uma boa roupa de proteção.

Portanto, você pode até ter a habilidade de voar, mas não vai querer ir muito alto.

 

Pisando no freio

Você poderia então pensar: “certo, voarei baixo, mas posso ser tão rápido quanto um super-herói”. Talvez essa também não seja uma ótima ideia.

Já experimentou ficar na frente de um ventilador potente? Mesmo em dias quentes, é possível que você sinta frio nesse caso. Mas por que isso acontece?

Quando estamos parados, o ar que está ao nosso redor (em contato direto com nossa pele) se mantém na mesma temperatura que nosso corpo. Quando passa por nós uma rajada de vento, esse ar quentinho ao nosso redor é levado embora e a nova camada de ar que chega rouba um pouquinho de calor da nossa pele, nos dando a sensação térmica de frio. Se ficarmos constantemente expostos a ventos, nosso corpo vai perdendo quantidades significativas de calor para o ar e temos a sensação de frio.

Você já deve ter visto pessoas falarem coisas do tipo “está fazendo 10 ºC, mas a sensação térmica é de 5 ºC”. Isso acontece porque os ventos e a umidade do ar podem fazer você sentir ainda mais frio do que a própria temperatura real, fazendo um dia frio parecer ainda mais congelante!

No site do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), você encontra uma calculadora que determina a sensação térmica com base na velocidade do vento e na temperatura real. Se você estiver voando a uma velocidade de 61 Km/h em uma altitude em que a temperatura real seja de 10 ºC, a sua sensação térmica será de -3 ºC! Ou seja, para não passar muito frio voando, não basta voar baixo, tem que voar devagar também.

 

Obstáculos no caminho

Quando olhamos para o céu, não nos damos conta de que ele não é um espaço vazio por onde se pode voar sem preocupações. Em poucos minutos voando em linha reta, há uma chance razoável de se chocar com insetos e pássaros ou mesmo com algum drone, avião ou helicóptero (dependendo da altitude).

A colisão com pássaros pode provocar danos expressivos em aviões. Não à toa, os aviões costumam passar por um teste que consiste em disparar frangos congelados em alta velocidade contra a aeronave, com o auxílio de uma espécie de canhão, para simular o impacto de animais. Se o avião resiste, ele passa no teste.

Se pássaros são perigosos para aviões, imagine para você! Assim, para não correr o risco de se chocar com objetos voadores e animais, você teria que voar em baixa velocidade e, eventualmente, desviar desses obstáculos.

 

Superpoderes em sociedade

Há ainda uma última questão. O que passaria na sua cabeça se você olhasse para o céu e visse uma pessoa voando? Diferentemente de outros poderes, voar não é o mais fácil de esconder. Será que esse poder poderia te causar algum problema social?

É difícil dizer como as pessoas reagiriam à existência de um poder como voar. Mas podemos fazer algumas especulações. Os universos dos quadrinhos nos ensinam que nem sempre a população lida bem com a existência de super-humanos (veja o exemplo de X-Men e tantas outras histórias).

Com relação à vida em sociedade, o poder de voar provavelmente seria proibido ou, ao menos, regulamentado. Existem regras para acesso ao espaço aéreo do Brasil e de qualquer outro país. Da mesma forma que você não pode pilotar um drone que ultrapasse os 120 metros de altura sem a licença e a habilitação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), você certamente também teria que seguir regras para voar por aí.

Se quiser ir ainda mais além, não seria exagero imaginar que esse poder despertaria o interesse de muitas pessoas, empresas e até governos, seja para estudá-lo, seja para controlá-lo. Será que, sem o anonimato, você estaria seguro? Sua família estaria segura?

Você já deve ter percebido que o poder de voar tem várias limitações e consequências que podem colocar em risco a sua vida e de outras pessoas. E olha que nem falamos de todos os problemas relacionados ao voo! Mesmo assim, tomando diversas precauções e recorrendo a algumas tecnologias, é possível imaginar um cenário em que esse poder possa ser usado sem trazer efeitos negativos para o indivíduo. E então, você gostaria de ter esse superpoder?

Lucas Miranda

Editor do blogue Ciência Nerd
Universidade Federal de Juiz de Fora

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