Estranho no ninho

Folhas, gravetos de madeira, plásticos, linhas de náilon, pedaços de isopor, objetos de metal e pontas de cigarro. Esses são alguns dos itens utilizados pelos atobás-marrons (Sula leucogaster) na construção de seus ninhos. A informação tem origem em uma pesquisa conduzida em ilhas no litoral do Rio de Janeiro, segundo a qual quase dois terços dos ninhos examinados contêm lixo. A exposição dos filhotes à poluição desde o início de suas vidas pode constituir uma nova ameaça a determinadas espécies de aves marinhas.

O Brasil está entre os 20 países que mais despejam lixo nos oceanos: cerca de um milhão de toneladas por ano. Todo esse lixo permanece no mar por longo tempo, porque sua decomposição é lenta. Plásticos e náilon, por exemplo, duram por até 500 anos. A classe das aves inclui o maior número de espécies afetadas. Estima-se que de 312 espécies de aves marinhas estudadas no mundo todo, pelo menos, 39% sejam impactadas diretamente pelo lixo no oceano. Os principais danos são dois: por um lado, emaranhamento em cordas, linhas e redes de pesca, com possibilidade de asfixia ou fratura das asas e patas, o que conduz esses organismos à morte; por outro, ingestão de fragmentos de plásticos, esponjas e anzóis, entre outros itens que podem causar asfixia, engasgos ou feridas no aparelho digestório.

A utilização lixo na construção de ninhos por aves marinhas é um fenômeno relativamente pouco estudado e constitui um novo problema a ser investigado. A pesquisa realizada com os atobás-marrons no Arquipélago do Santana, em Macaé, e na Ilha dos Franceses, em Arraial do Cabo – ambos no estado do Rio de Janeiro –, revela que 61% dos 203 ninhos analisados contêm lixo.


Fragmentos de pesca coletados em um ninho de atobá-marrom no Arquipélago do Santana, em Macaé/RJ. (foto: Davi C. Tavares)

Plásticos e artefatos de pesca, como cordas e linhas de náilon, são os itens mais comuns, mas o estudo também constatou a ocorrência de outros itens, como borrachas, isopores, metais, vidro, papéis, tecidos e pontas de cigarro. A incidência de resíduos poluentes nos ninhos pode prejudicar a sobrevivência das aves, uma vez que os filhotes podem ingerir fragmentos ou se embaraçar em linhas de pesca.

Sabe-se que as aves adultas ingerem plásticos e outros tipos de lixo, mas a pesquisa em Macaé e Arraial do Cabo demonstra que os atobás-marrons estão expostos a essa forma de poluição desde o início de suas vidas. Um estudo similar foi conduzido em ninhos do trinta-réis-das-rocas (Onychoprion fuscatus) na Ilha de Trindade, localizada a aproximadamente mil quilômetros de distância do litoral do estado do Espírito Santo. Embora a ilha esteja perto de uma zona de acúmulo de lixo no oceano Atlântico, apenas 3% de 1.800 ninhos examinados continham fragmentos de plásticos. Portanto, algumas espécies de aves marinhas parecem ser mais afetadas do que outras pelo lixo disponível no oceano.

 

Davi Castro Tavares
Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Recursos Naturais
Laboratório de Ciências Ambientais
Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF)