Na pesca do atum – peixe que ocupa importante posição na exportação do pescado brasileiro – são utilizadas por ano cerca de 1.400 toneladas de sardinha-verdadeira (Sardinella brasiliensis) como isca. Pensando em reduzir os impactos ambientais causados pela retirada anual de cerca de 760 milhões de sardinhas juvenis do mar, o Projeto Isca Viva estuda a criação da espécie em cativeiro.
Realizado por meio de uma parceria entre a Universidade do Vale do Itajaí (Univali), a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o projeto é o primeiro a estudar a piscicultura da espécie. S. brasiliensis é nativa do Brasil e se distribui por toda a faixa litorânea do país, ocorrendo em maior quantidade nas regiões Sul e Sudeste.
A coleta de indivíduos juvenis em ambiente natural foi o primeiro passo para viabilizar a produção de larvas em laboratório. Agora os pesquisadores estudam formas de aperfeiçoar o cultivo.
Fatores como temperatura e salinidade da água, alimentação e nutrição são controlados de modo a identificar as condições ideais de maturação, reprodução e desenvolvimento dos indivíduos. O uso de ração como alimento também está sendo estudado. Em ambiente natural, esse peixe alimenta-se de fitoplâncton (microalgas) e zooplâncton.
Segundo o oceanógrafo Vinicius Cerqueira, professor do Laboratório de Piscicultura Marinha da UFSC, a criação de sardinha ainda está em fase experimental. Por isso, ainda não foram definidas as melhores práticas de cultivo da espécie. Mesmo assim, alguns fatores já podem ser observados.
“A sardinha suporta temperaturas bem baixas, mas prefere águas mornas, típicas de primavera e verão”, conta o pesquisador da UFSC. No entanto, diz ele, águas com temperatura elevada retardam a maturação dos peixes reprodutores.
Em meados de 2013, com um número considerável de nascimento de novas larvas, cerca de 10 mil sardinhas juvenis foram transferidas do laboratório da UFSC, em Florianópolis, para tanques-rede, no município de Penha (SC).
Segundo o coordenador do Centro Experimental de Maricultura da Univali, em Penha, Gilberto Manzoni, os peixes mediam quatro centímetros quando foram transferidos; 40 dias depois haviam dobrado de tamanho. Constatou-se então que é possível produzir uma reserva de iscas abrigadas em estruturas dentro do mar.
Na pesca do atum com vara, peixes como manjuba e anchova são empregados como iscas, mas em menor escala, por causa de sua baixa disponibilidade em diferentes locais. Em 80% dos casos usa-se a sardinha como chamariz.
O bonito-listrado (Katsuwonus pelamis) é a espécie de atum mais visada pela indústria pesqueira brasileira. K. pelamis é também o tunídeo que ocorre com maior frequência no litoral do país.
No Brasil, cerca de 50 atuneiros (barcos próprios para a pesca do atum) são autorizados a praticar a pesca comercial da espécie. Estima-se que, em uma viagem, cada barco capture cerca de 1,5 milhão de sardinhas para uso na pesca do atum.
Vantagens do cultivo
Gilberto Manzoni acredita que a criação de sardinhas em cativeiro irá contribuir para a redução de conflitos entre pesca artesanal e industrial. Segundo ele, os atuneiros capturam suas iscas em baías e enseadas, interferindo na cadeia alimentar de outras espécies visadas por embarcações menores.
O pesquisador defende ainda que o cultivo em cativeiro garantiria aos proprietários daquelas embarcações não só ganho de tempo como também economia de combustível.
Vinícius Cerqueira ressalta que a técnica possibilitará ainda controlar a reprodução e o desenvolvimento da sardinha durante todo o ano. Assim, ela poderá ser usada como isca também na época do defeso – período de maior reprodução da espécie em ambiente natural, quando a pesca é proibida. Segundo determinação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, a captura da espécie fica suspensa por praticamente cinco meses no ano.
Gilberto Manzoni está convencido de que esse tipo de cultivo só será adotado pelo setor pesqueiro se apresentar, entre outros benefícios, vantagem econômica. Por enquanto, a criação experimental da sardinha em cativeiro ainda tem custo elevado.
O professor da Univali acredita que um modo de contornar o problema seria a criação, pelo poder público, de políticas de incentivo à criação da sardinha em cativeiro. Segundo ele, uma forma de estímulo, por exemplo, seria a permissão da pesca do atum com iscas cultivadas durante o período de defeso de S. brasiliensis.
Vinícius Cerqueira afirma que o cultivo é viável, apesar dos custos. “A técnica deverá ser aperfeiçoada e os gastos reduzidos à medida que a prática comercial for se desenvolvendo”, acredita. Mas, além de beneficiar o setor pesqueiro, a produção da sardinha em cativeiro contribuirá para manter a espécie em seu ambiente natural.
Franciele Petry Schramm
Especial para a CH On-line/ PR