Madeira que cupim não rói

Muito usada na construção civil, a aroeira-do-sertão é conhecida por sua qualidade e grande resistência ao ataque de cupins. Essa ‘imunidade’ é atribuída à lectina, proteína presente em diversos organismos e que, nesse caso, funciona como um inseticida natural. Agora um estudo desenvolvido na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) desvenda os mecanismos desse efeito cupinicida, que resulta de um conjunto de ações da proteína no sistema orgânico dos insetos.

A aroeira-do-sertão, conhecida por sua qualidade e grande resistência ao ataque de cupins, é muito usada na construção civil

“Descobrimos que, mesmo depois de ingerida, a lectina permanece ativa no intestino dos cupins, o que comprova sua resistência às enzimas que digerem proteínas consumidas por insetos”, afirma a bioquímica Patrícia Paiva, líder da pesquisa. Segundo ela, a lectina interage com carboidratos presentes no aparelho digestivo dos cupins, o que impede a digestão e absorção de nutrientes pelo inseto e leva a sua morte.

Além disso, os pesquisadores atribuíram à lectina a capacidade de matar bactérias intestinais, responsáveis pela produção de enzimas que quebram celulose. “Sem a ação dessas enzimas digestivas, os cupins morrem”, acrescenta a bioquímica.

Testes bem-sucedidos

Teste de cupinicida
Nos testes feitos pela equipe da UFPE, os cupins soldados e operários morreram ao serem colocados em contato com discos de papel impregnados da solução líquida com lectina. (foto: Thiago Henrique Napoleão)

Além de investigar a ação da lectina, o estudo buscava comprovar que a proteína está ativa na madeira da aroeira. Para isso, cupins da espécie Nasutitermes corniger foram colocados em contato com soluções líquidas com diferentes quantidades de lectina extraída do tronco da árvore. Depois, a equipe monitorou a sobrevivência dos insetos diariamente.

“O resultado nos surpreendeu, porque a madeira é considerada um tecido morto na planta, mas, ainda assim, existiam ali lectinas bioativas desempenhando atividade cupinicida”, destaca Paiva.

Nessa primeira fase do estudo, realizada entre 2004 e 2008, os testes foram bem-sucedidos: 100% dos cupins soldados morreram após um período de cinco a sete dias. Já os cupins operários demoraram um pouco mais, entre oito a dez dias. “Esse efeito diferenciado pode estar relacionado a diferenças biológicas entre as castas”, supõe a bioquímica.

Segundo ela, a pequena variação no tempo necessário para matar todos os cupins de uma mesma casta está diretamente ligada à quantidade de lectina aplicada na solução líquida.

Folhas e entrecasca

O passo seguinte, iniciado em 2008, foi saber quais outras partes da aroeira-do-sertão teriam lectinas eficazes contra cupins. Os pesquisadores analisaram então as folhas e a entrecasca da planta.

Cupim soldado e operário
O efeito cupinicida da lectina da aroeira-do-sertão foi diferente entre os cupins soldados (à esquerda) e os operários (à direita). (foto: Thiago Henrique Napoleão)

“A lectina das folhas matou 100% dos cupins soldados em nove dias e os operários em seis dias”, relata Paiva. Submetidos à proteína extraída da entrecasca, os cupins soldados levaram nove dias para morrer e os operários, dez dias.

A pesquisadora ressalta que os resultados não foram tão bons quanto os anteriores, mas, ainda assim, considerados positivos pela equipe. Para matar a mesma quantidade de cupins, foi necessário usar concentrações maiores de lectina extraída das folhas e da entrecasca. “Com esses novos dados, comprovamos que a lectina da madeira é mais eficiente que a das folhas, que, por sua vez, tem eficácia maior que a da entrecasca”, diz.

Como a lectina se mostrou tão poderosa no combate aos cupins, a esperança é que esses estudos contribuam para o desenvolvimento de cupinicidas orgânicos biodegradáveis e, por isso, menos prejudiciais ao meio ambiente.

Ana Paula Monte
Ciência Hoje On-line