Passado e futuro do projeto Ciência Hoje

Há três décadas, o projeto Ciência Hoje se confunde com a história da divulgação científica nacional. Na tarde da última quarta-feira (03/06), uma mesa-redonda realizada no Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IBCCF-UFRJ) relembrou essa trajetória e debateu possibilidades de futuro. Mais ainda: o evento, que contou a presença de dois dos fundadores da revista Ciência Hoje – o neurocientista Roberto Lent, da UFRJ, e o físico Alberto Passos Guimarães Filho, pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas e atual diretor-presidente do ICH –, além do biólogo Franklin Rumjanek, pesquisador da UFRJ e diretor adjunto do Instituto, homenageou o biólogo Darcy Fontoura, outro fundador da revista e ex-diretor do IBCCF, falecido em 2014.

Os palestrantes fizeram questão de valorizar o pioneirismo dos cientistas  que deram início ao projeto em 1982 e apontaram caminhos para que o Instituto Ciência Hoje continue relevante para a ciência brasileira no novo século. Lent e Guimarães lembraram o idealismo e o caráter político que marcaram os primeiros anos do projeto e destacaram o papel de Fontoura no processo de concepção da revista e, pouco antes, dos primeiros encontros Ciência às seis e meia, outro marco da popularização da ciência no Brasil.

“A criação da Ciência Hoje foi um ato político, além de científico”

“Havia um clima de intimidação pelo momento político que atravessávamos, só realizar esse tipo de encontro já era perigoso”, recordou Lent. Guimarães completou: “Apesar de o financiamento para a revista só ter saído no início dos anos 1980, já em 1978 redigimos um documento em prol da divulgação da ciência; na verdade a criação da Ciência Hoje foi um ato político, além de científico”.

Ao realizarem um balanço dos mais de 30 anos do projeto Ciência Hoje, os pesquisadores destacaram conquistas desse período. “Não conseguimos atingir toda a população brasileira, como ansiávamos de forma idealista – seria preciso uma mudança de cultura no país para que a ciência ganhasse tal visibilidade –, mas há muita coisa a comemorar”, afirmou Lent. “Além da própria longevidade da revista, diversos projetos derivados, como o Jornal da Ciência Hoje (atual Jornal da Ciência) e a Ciência Hoje das Crianças, tiveram êxito; o próprio campo no Brasil se fortaleceu, com mais pesquisadores dedicados à divulgação, mais publicações e a formação de ilustradores e jornalistas especializados, por exemplo”.

Os jovens e a era digital

A seriedade na forma de tratar os temas científicos foi destaque na fala de Rumjanek, que também abordou o papel do Instituto Ciência Hoje na formação dos jovens.  “A Ciência Hoje tem um compromisso de seriedade e uma tradição de dar destaque à produção científica nacional”, disse. “Quando entrei no projeto, no início dos anos 2000, acreditava em três coisas: as pessoas querem participar da discussão de temas polêmicos da ciência e devem ser informadas para que possam fazê-lo; o trabalho de divulgação é uma importante forma de prestar contas à sociedade; e uma publicação como essa é essencial para despertar jovens para um interesse científico”.

Alberto Passos Guimarães Filho
Desde a publicação da primeira ‘Ciência Hoje’ em 1982, o projeto cresceu e rendeu novos frutos. (foto: Marcelo Garcia)

Nesse sentido, o trabalho do Programa Ciência Hoje de Apoio à Educação (PCHAE), que recebeu o prêmio ODM Brasil na categoria “Educação básica e de qualidade para todos” em 2012, é fundamental. Em parceria com governos estaduais e municipais, ele distribui assinaturas da revista Ciência Hoje das Crianças para os estudantes do ensino público e forma professores para a utilização da publicação em sala de aula. “As crianças têm o poder de capilarizar o conhecimento, levá-lo para dentro de casa a partir das aulas”, avaliou Guimarães. “Sem contar que, ao levar Ciência Hoje das Crianças para casa, os pais e irmãos também podem ler e, em alguns casos, a revista é a única literatura da casa”.

Outra área identificada pelos participantes da mesa como fundamental é a utilização das novas tecnologias digitais. “Temos procurado explorar essas possibilidades: crescemos muito nas redes sociais, especialmente no Facebook, e lançamos recentemente um aplicativo para celulares e tablets e um primeiro livro digital”, comemorou.

Para Rumjanek, os recursos existentes hoje criam novas alternativas de aprendizado que vão muito além dos muros da escola. “Criamos, por exemplo, a série CHats de ciência, desenvolvida para a internet, mas ainda há muito o que explorar”, avaliou. “O mundo digital oferece muitos recursos, mas o custo ainda é um grande limitador: apesar de as agências de fomento estarem mais atentas à divulgação da ciência, seguimos muito longe de contar com milhões de dólares para a atividade, como tem, por exemplo, a inglesa BBC”, completou.

Marcelo Garcia
Especial para a Ciência Hoje On-line