Bicentenário da Independência: momento de debate

O ano de 2022 marca o bicentenário da Independência do Brasil, mas bem poderíamos falar em ‘independências’, assim mesmo no plural. “Havia muitos espaços políticos diferenciados, percepções diferentes da Independência. Não existia um ‘Brasil’ colonial como uma unidade territorial e administrativa de norte a sul que se torna um ‘Brasil independente’ em 1822”, destaca Patricia Maria Alves de Melo, professora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e integrante da Rede de Historiadorxs Negrxs). Nesta entrevista, a historiadora que trabalha na área de história indígena e indigenismo há duas décadas destaca as diferentes dimensões dessa efeméride e, também, a expansão da historiografia brasileira sobre o tema, que, cada vez mais, tem se dedicado a buscar novas fontes e problemas a serem investigados, dando protagonismo às populações indígenas e negras nesse processo de construção de uma nação. Autora do livro O fim do silêncio: presença negra na Amazônia, ela também ressalta o esforço para apagar a memória das lutas de negros e indígenas da história. “Olhar para 1822 é, também, ver todos esses processos de silenciamento e exclusão, que reiteram esse projeto de uma sociedade desigual e excludente”. Para a historiadora, a efeméride permite que “o momento de comemoração seja também o momento de debate”.

CIÊNCIA HOJE: Há um mito bastante difundido de que a Independência brasileira se deu de forma pacífica e que não houve ‘guerra da Independência’, assim como em outros países das Américas. Pode falar sobre por que e como esse mito foi propagado e sobre os conflitos que marcaram o período?

PATRICIA MARIA ALVES DE MELO: Há uma vasta historiografia que analisa essa questão, que tem muitas dimensões. Vou destacar apenas uma delas: houve a construção de uma determinada ideia de nação pautada por um ideário de que haveria um sentimento latente de nacionalidade, no sentido de pertencimento a determinado lugar. Desse modo, os movimentos pela Independência teriam seguido um caminho pacífico porque iam ao encontro dos mais profundos desejos de liberdade fortalecidos por essa ‘proto-nacionalidade’, vamos dizer assim, de modo bem simplificado. Estamos diante de uma construção narrativa, claro.

A ideia de pertencimento a uma nação é um processo de construção de determinados ideais políticos, de certo passado e de construção de futuro. E o que tínhamos eram ‘muitas colônias’ na América portuguesa. Havia uma ideia de pertencimento a uma coroa, de vassalagem com um trono. A ideia de uma nação não estava presente nessas áreas coloniais. Ou seja:  não existia um Brasil colonial que compartilhava um desejo de independência dessa metrópole, esse ideal de nação que estava sendo proposto.

Por Valquíria Daher
Jornalista, Instituto Ciência Hoje