Samovar em Mesquita

Pensava que se tivéssemos um, pousado sobre o fogão de três bocas, nossa cozinha de tijolos aparentes e sem reboco poderia fazer parte do cenário de um romance russo.

“A literatura nos faz entender que os outros somos nós”

Karl Knausgard (autor norueguês)

 

Comecei a amar os livros mais pela falta do que pela presença deles em minha vida; e muito embora meus pais achassem que livros fossem os objetos mais importantes do mundo, não podiam comprar. Por conta disso, com olho comprido, eu admirava os volumes grossos e coloridos das várias enciclopédias que enfeitavam a estante da casa de minha madrinha. Lá ninguém gostava de ler, mas todos achavam bonito possuir uma estante cheia de livros, por isso a enciclopédia do corpo humano, composta por oito volumes, tinha lugar de destaque. Ela me fazia corar de emoção e prazer todas as vezes em que folheava suas páginas dedicadas ao sistema reprodutivo. Foi com ela que aprendi a gostar de ciências.

Havia ainda os Tesouros da Juventude e uma coleção sobre culinária, todos trazidos pelas mãos de vendedores de livros que, no final do mês, circulavam pelas ruas poeirentas do nosso bairro. Também com olho comprido, eu costumava acompanhar os passos dos tais vendedores que, de porta em porta, ofereciam aquelas maravilhas. Meu pai sempre os despachava do portão, atitude que não permitia sequer o meu deleite com os encartes — aqueles enormes e coloridos instrumentos de sedução —, que em geral acompanhavam as enciclopédias.

Georgina Martins

Programa de Mestrado Profissional em Letras (Profletras)
Curso de Especialização em Literatura Infantil e Juvenil, Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Escritora de livros para crianças e jovens