Por uma nova língua

Falamos português? A linguista Eni Orlandi acredita que não. Ela faz parte do grupo de estudiosos que defende a chamada língua brasileira, produto da mistura dos idiomas dos colonizadores, dos índios e dos escravos. No livro Língua brasileira e outras histórias – discurso sobre a língua e ensino no Brasil, lançado este ano, Orlandi reuniu 14 artigos de autoria própria que falam sobre o tema.

Processos históricos contribuíram para que o idioma falado no Brasil e em Portugal se diferenciasse

A linguista acredita na historicidade da língua. Para ela, os processos históricos pelos quais passaram Brasil e Portugal contribuíram para que o idioma falado nesses dois países se diferenciasse. Assim, segundo a pesquisadora, não é mais possível dizer que ambos falam português. Hoje esse idioma cabe apenas a Portugal. No Brasil, fala-se uma nova língua: o “brasileiro”.

A autora critica o fato de estarmos presos ao nosso português como língua esquematizada e ressalta que há uma infinidade de formas de se falar o idioma brasileiro. Ela destaca que os linguistas tendem a esconder a influência dos idiomas indígenas sobre o português em outros campos que não o vocabulário.

Língua imaginária x língua falada

Antes de entrar na discussão sobre as diferenças entre o português e o “brasileiro”, Orlandi, que é coordenadora do Laboratório de Estudos Urbanos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), comenta o conflito entre a língua imaginária, aquela descrita nos livros de gramática, e a língua fluida, usada pelos falantes no dia a dia.

Língua brasileira e outras histórias

Para a estudiosa, temos uma falsa impressão de que a língua é estável. O português, ou melhor, o “brasileiro”, é corrente e está em constante mutação. Orlandi acredita que essa tensão entre língua imaginária e língua fluida prova a necessidade de se complementar os estudos teóricos, baseados em polpudos bancos de dados, com o idioma usado no cotidiano.

A pesquisadora critica também a imposição do português de Portugal como norma. Em sua opinião, a supostas falhas da língua brasileira constituem, antes de qualquer coisa, um ponto forte, uma qualidade.

Plano de ação

Por fim, a linguista propõe um plano de ação para promover a língua brasileira. Entre as estratégias sugeridas por Orlandi, está o aumento da capacidade da população dos países sul-americanos de se comunicar em “brasileiro” e, possivelmente, estender essa ação para outros continentes. A ideia é que as pessoas percebam que a língua brasileira está ligada à vida cultural do país. Ela sugere ainda o estímulo à redação de artigos científicos em português. 

Orlandi sugere o estímulo à redação de artigos científicos em português

A autora menciona também uma declaração assinada em 2007 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates. Nela, os líderes comprometiam-se, entre outras coisas, a criar, no Brasil, o Instituto Machado de Assis.

A função da entidade seria promover, em parceria com o Instituto Camões (Portugal), as línguas portuguesa e brasileira no exterior, à moda dos institutos Cervantes (Espanha) e Goethe (Alemanha), por exemplo. No entanto, segundo Orlandi, as discussões sobre o projeto foram deixadas de lado em prol do novo acordo ortográfico, em vigor desde janeiro de 2009.

Quanto à linguagem usada em Língua brasileira e outras histórias, o leitor pode encontrar dificuldade para compreender o texto, caso não esteja familiarizado com artigos acadêmicos. Mas, se esse mesmo leitor estiver interessado na questão da língua portuguesa no Brasil, o esforço vale a pena.

Língua brasileira e outras histórias –
discurso sobre a língua e ensino no Brasil

Eni P. Orlandi
Campinas, 2009, Editora RG
208 páginas – R$ 35,00
Tel.: (19) 3289-1864

Raquel Oliveira
Ciência Hoje On-line