Um bom negócio

A discussão é antiga: há décadas, governos, ambientalistas, cientistas e empresas buscam alternativas para diminuir a emissão de gases de efeito estufa sem prejudicar o desenvolvimento econômico e social das nações. Entretanto, um estudo coordenado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) indica que, ao menos no Brasil, esse impasse pode estar próximo do fim. De acordo com o relatório, a adoção de medidas para o desenvolvimento sustentável do país poderia adicionar até cerca de R$ 600 bilhões ao PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro em 2030. 

O estudo, intitulado “Implicações econômicas e sociais de cenários de mitigação no Brasil – 2030”, calculou projeções para o futuro do país de acordo com dois cenários de investimentos na redução da emissão dos gases de efeito estufa adicionais aos planos governamentais que já estão em andamento. Em ambos, a economia brasileira seria beneficiada.

“Eliminou-se uma dualidade já assumida de que ou se reduzem as emissões, ou se desenvolve o país. O relatório mostra que há caminhos possíveis em que índices econômicos e sociais podem crescer com as reduções, um resultado novo e importante”

No cenário mais modesto, os investimentos previstos são de R$ 99 bilhões entre 2015 e 2030, com um ganho de PIB acumulado de R$ 182 bilhões. Já no cenário de mitigação mais ambiciosa, seria necessário investir R$ 372 bilhões, mas os ganhos seriam de R$ 609 bilhões. 

“Eliminou-se uma dualidade já assumida de que ou se reduzem as emissões, ou se desenvolve o país. O relatório mostra que há caminhos possíveis em que índices econômicos e sociais podem crescer com as reduções, um resultado novo e importante”, explica Luiz Pinguelli Rosa, diretor de Relações Institucionais da Coppe e secretário executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas (FBMC), liderado pela presidente Dilma Rousseff.

 

Brasil na COP 21

A proposta mais modesta traz índices de redução próximos às metas que serão apresentadas pelo governo brasileiro na 21ª Conferência do Clima (COP 21), em Paris, a partir do dia 30 de novembro. Durante o evento, que tem como principal objetivo a criação de um novo acordo global para redução das emissões de gases de efeito estufa, o Brasil se comprometerá a atingir a marca de 1,1 bilhão de toneladas de CO2 equivalente emitidos em 2030, uma queda de 43% em relação a 2005. O primeiro cenário do estudo da UFRJ prevê a emissão de 1,3 bilhão de toneladas no mesmo ano. Já o segundo cenário estima a emissão em 1,0 bilhão de toneladas, valor correspondente às necessidades de cortes globais estabelecidas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) para evitar que a temperatura do planeta aumente mais do que 2°C até 2100.

Segundo o levantamento da UFRJ, a queda no desmatamento que vem ocorrendo desde 2005 deverá permitir ao país manter as emissões em 1,2 bilhão de toneladas de dióxido de carbono em 2020, bem abaixo do objetivo voluntário de cerca de 2 bilhões de toneladas registrado da cúpula climática de Copenhague em 2009. Entretanto, caso não sejam tomadas providências adicionais, as emissões voltarão a crescer na década seguinte após o controle do desmatamento e o aumento no ritmo de crescimento da queima de combustíveis fósseis e da agropecuária. “Reduzido o problema do desmatamento, a agricultura e a energia ficam mais importantes e o problema, mais complexo. Temos uma desigualdade enorme e a expectativa de melhoria de vida de parte da população brasileira, o que gera mais consumo e emissões de gases de efeito estufa”, afirma Pinguelli, lembrando que o estudo tem como premissa a retomada do crescimento econômico do país nos próximos anos.

Cenários possíveis
Gráfico estipula redução nas emissões de toneladas de dióxido de carbono equivalente de acordo com três perspectivas: cenário de plano governamental (CPG), que indica medidas já previstas, cenário de mitigação adicional 1 (MA1), mais modesto, e cenário de mitigação adicional 2 (MA2), mais ambicioso. (gráfico: IES-Brasil)

As providências, neste caso, já são amplamente conhecidas. O cenário mais modesto prevê investimentos relacionados a fatores como sustentabilidade da agropecuária, plantação de florestas, adoção de medidas de eficiência energética (principalmente no consumo de combustível de veículos leves e pesados), transporte urbano sobre rodas (como ciclovias e ônibus elétricos) e desenvolvimento de energias sustentáveis. Já o cenário com maior redução das emissões tem como base medidas adicionais que demandam mais recursos e vontade política, como investimentos em transportes urbanos sobre trilhos e a restauração da Mata Atlântica. “Não estamos vendendo ilusões, dizendo que é fácil. Estamos cientes de que existem barreiras, mas, se não fizermos nada, nada vai acontecer. Não fizemos recomendações radicais”, garante Emilio Lèbre La Rovere, coordenador da pesquisa e professor da COPPE.

 

Mais salários, menos desemprego

Um exemplo de medida de baixo custo apontado pelos pesquisadores consiste no uso de biomassa de cana-de-açúcar em termelétricas. “Você pode colocar de 25% a 30% de biomassa nessas indústrias que já existem sem alterar a produção de energia. O potencial desse uso no Brasil é enorme”, descreve La Rovere.

A ampliação do setor de energias sustentáveis, aliás, é um dos motivos por trás de outra previsão otimista do estudo, que aponta uma correlação entre a diminuição nas emissões de CO2 e o aumento de salários e de empregos no país. “A fase agrícola das energias sustentáveis geraria de três a quatro vezes mais empregos do que os combustíveis fósseis, mesmo considerando o processo de mecanização”, pontua William Wills, pesquisador sênior do Centro Clima da Coppe que participou da pesquisa. “Além disso, medidas de eficiência energética também aumentam empregos ao usar mão-de-obra qualificada, como mecânicos que atuem na manutenção de veículos ou caldeiras”, acredita o especialista.

“O Brasil ocupa um lugar privilegiado por conta de sua matriz energética variada”

O estudo considerou ainda possíveis mudanças nos cenários previstos a partir de uma conjuntura global de taxações sobre as emissões de carbono. Enquanto no cenário modesto não há grandes impactos, no cenário mais ambicioso o saldo da balança comercial quase dobra em relação às medidas governamentais já em andamento. A explicação está na menor pegada de carbono na produção de bens intensivos em energia, como aço, papel e produtos químicos, o que aumentaria a competitividade da indústria nacional e as exportações. “O Brasil ocupa um lugar privilegiado por conta de sua matriz energética variada. Demos alguns passos com a energia eólica, que já ultrapassa a nuclear no Brasil, e estamos entrando na energia solar”, assinala Pinguelli.

Elaborado após pouco mais de um ano de trabalho com quase 100 colaboradores, entre integrantes do governo, empresas, organizações não-governamentais e representantes da sociedade civil, o projeto também deverá ser discutido na COP 21 junto com iniciativas semelhantes desenvolvidas na América Latina e África do Sul. “Queremos seguir neste esforço e olhar mais adiante para criar cenários até 2050. Aí poderemos discutir inclusive inovações tecnológicas, como biocombustíveis de segunda geração e os impactos dos carros elétricos”, torce Pinguelli.

 

Simone Evangelista
Especial para a CH On-line