Uma aventura com dinossauros

Uma ilha no meio do oceano. Um parque secreto com animais pré-históricos revividos por meio da ciência. Um acidente. Um grupo de bravos humanos precisa lutar por sua sobrevivência. Parece um argumento conhecido? E é mesmo, já que muitos produtos de entretenimento dos anos 1980 e 1990 utilizaram pelo menos parte dele. Um novo jogo de tabuleiro desenvolvido por um grupo de paleontólogos brasileiros traz o passado de volta, revitalizado e cientificamente correto. 

Aureliano: Nos anos 1980 e 1990, foram lançados diversos filmes, jogos e desenhos, toda criança sabia citar o nome de muitas espécies

O projeto foi desenvolvido pelos paleontólogos Tito Aureliano, bolsista do laboratório de paleontologia da Universidade Federal de Pernambuco, e Aline Ghilardi, doutoranda da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Apesar de criado no Brasil, o título do jogo é em inglês: ‘Mesozoic Tales’ (algo como ‘Contos do Mesozoico’), pois a responsável por sua produção é a empresa norte-americana Game Crafter, que trabalha com pequenas tiragens – uma mostra da dificuldade de encontrar parceiros na indústria nacional.  

Segundo seus idealizadores, o projeto tem como objetivo reviver a ‘cultura da paleontologia’, muito popular poucas décadas atrás. “Nos anos 1980 e 1990, foram lançados diversos filmes, jogos e desenhos, como Jurassic Park e ‘Dino Crisis‘, toda criança sabia citar o nome de muitas espécies”, relembra Aureliano. “Queremos resgatar um pouco disso e aproveitar outros lançamentos na mesma linha, como Jurassic Park 4, Caminhando com Dinossauros e até uma nova animação da Pixar.”

Bestiário
Em breve, o jogo vai ganhar um ‘bestiário’ on-line, com informações e paleoilustrações feitas por Ghilardi de todos os seus dinossauros. (imagens: divulgação)

No mesmo espírito retrô, as espécies que aparecem no jogo também são famosas. No entanto, o conhecimento sobre elas avançou muito nas últimas décadas – o que o jogo procura representar com fidelidade. “Apesar de conter erros, filmes como Jurassic Park criaram uma cultura popular sobre dinossauros, mas a ideia de que todos eles eram répteis escamosos ficou ultrapassada”, avalia. “Procuramos revisar essas informações, em especial para a geração que viveu essa fase popular da paleontologia, mostrando tiranossauros com penas, tricerátopos mais semelhantes a porcos-espinhos e raptores completamente emplumados.” O jogo vai ganhar, em breve, um ‘bestiário’ on-line, com informações e paleoilustrações feitas por Ghilardi de seus dinossauros. 

Tabuleiros, caminhos e escolhas

A lúdica dinâmica de ‘Mesozoic Tales’ também traz referências a jogos clássicos de tabuleiro. No início, cada participante recebe uma carta com o papel que desempenhará e um objetivo relacionado (o caçador deve exterminar os dinossauros carnívoros; o paleontólogo, reativar instalações do complexo, por exemplo). Antes de cada rodada, o jogador define, no dado, se vai desempenhar o papel de humano ou se vai controlar um dinossauro naquele turno, para atrapalhar os rivais. É possível, ainda, utilizar cartas de itens – como veículos, armas, kits médicos – e cartões de acesso às estruturas do parque.     

A primeira versão do jogo foi desenvolvida por Aureliano ainda no segundo grau, em 2006. Ghilardi, que ajudou a aprimorar o projeto, fez questão de manter o formato de tabuleiro. “Acredito que as pessoas precisam se reunir e interagir mais, um jogo de tabuleiro é uma oportunidade para que isso aconteça, para que os participantes se divirtam juntos”, avalia. “Hoje em dia, é difícil encontrar criações de qualidade desse tipo, falta criatividade para renovar o mundo dos jogos produzidos em grande escala.” 

Jogo lúdico
Apesar de valorizarem o aspecto lúdico do jogo, seus criadores não descartam formatos digitais no futuro. Já para baratear o produto físico, apostam em novas parcerias e até em possíveis projetos de ‘crowdfunding’. (foto: divulgação)

Talvez por isso o lançamento do jogo tenha sido tão complicado. Sem recursos para bancar tiragens mínimas de 500 exemplares, exigência das empresas nacionais, eles optaram por uma produtora de fora do país, que imprime unidades sob demanda. Isso se refletiu no preço: mais de R$200. A paleontóloga acredita, no entanto, que com essa versão inicial em mãos, podem surgir novas oportunidades para ampliar o público do jogo. “Com o produto final concretizado, outros parceiros podem se interessar em torná-lo mais viável comercialmente; podemos até coletar verba por meio do crowdfunding”, cogita. “Seria ótimo que ele pudesse chegar a uma grande quantidade de jovens!” 

Ghilardi: A paleontologia e suas áreas afins são ciências carismáticas, que atraem o público, mas o cientista precisa dialogar com o público e a criação de jogos é uma alternativa interessante

Apesar de defender a interação presencial, Ghilardi também avalia a possibilidade de levar o ‘Mesozoic Tales’ para as plataformas digitais. “Precisamos considerar essa alternativa, tablets e computadores têm um alcance muito grande e estão cada vez mais baratos”, afirma. “Está em nossos planos criar materiais nesse sentido, com uma visão mais paradidática, a fim de popularizar o conhecimento científico.”

O jogo não é a primeira iniciativa dos dois nessa área. Em 2012, lançaram ‘Dinossauros e Pterossauros do Brasil’, um jogo da memória que relacionava fósseis a paleoartes de animais pré-históricos brasileiros. Novos projetos também estão em desenvolvimento: um jogo de combate com cartas inspirado em ‘Magic The Gathering‘, que também explorará plantas e ambientes do Mesozoico, e o outro, de tabuleiro, que vai simular a vida de paleontólogo. “Para explorar sítios arqueológicos do mundo, os jogadores terão que lidar com fatores como a sorte e as barreiras políticas”, conta Aureliano.

Os jogos não são as únicas atividades de divulgação dos dois paleontólogos. Eles integram os Colecionadores de Ossos, grupo criado por Ghilardi responsável pelo blogue homônimo na plataforma Science Blogs Brasil. “A paleontologia e suas áreas afins são ciências carismáticas, que atraem o público para o universo científico; são portas de entrada”, avalia. “Mas o cientista precisa dialogar com o público, falar a sua língua; o blogue tem sido bem-sucedido nisso. A criação de jogos didáticos e de entretenimento, como o ‘Mesozoic Tales’, são uma alternativa interessante nesse contexto.”

Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line