O carnaval é seguramente a festa mais popular do Brasil e tem ganhado cada vez mais impulso em todas as cidades do país. No Rio de Janeiro, onde acontecem os mundialmente famosos desfiles de escolas de samba, centenas de profissionais passam o ano preparando a folia que, por alguns dias, agita a vida de milhões de pessoas.
Como não podia deixar de ser, toda manifestação popular acaba incorporando diversos aspectos da sociedade, como elementos culturais e costumes. E a ciência também não fica de fora, tendo sido enfocada em maior ou menor escala nos enredos das escolas de samba ou nos blocos carnavalescos, que têm se transformado em uma alternativa cada vez mais popular para a diversão dos foliões.
A citação do físico Cesar Lattes (1924-2005) no samba-enredo da Estação Primeira de Mangueira em 1947 e o memorável carro do DNA, que tanto maravilhou aqueles que puderam assistir ao desfile da escola de samba Unidos da Tijuca na avenida ou pela televisão em 2004, são dois bons exemplos.
Dinossauros e samba
Ao fazer uma pesquisa, pude constatar que também a paleontologia – como a ciência do estudo dos fósseis é chamada – pode ser encontrada em temas desenvolvidos pelas escolas de samba. Não sei exatamente quando o primeiro fóssil foi retratado em um enredo e agradeceria muito se algum leitor acabar descobrindo essa informação. Porém, não é muito raro que agremiações apresentem em seus desfiles fantasias e carros alegóricos que reproduzam algum fóssil, geralmente os de dinossauros.
Um desses registros foi apresentado no desfile de 1990 pelo artista plástico recentemente falecido Joãosinho Trinta (1933-2011). Então carnavalesco da escola de samba Beija-flor de Nilópolis, ele desenvolveu o enredo ‘Todo mundo nasceu nu’. Para enfatizar a questão da nossa origem, trouxe no carro abre-alas um dinossauro. Irreverente como era, o carnavalesco pôs um homem na bocarra do réptil extinto, como se o mesmo estivesse sendo engolido em plena Marquês de Sapucaí.
Outro enredo que chamou muita atenção foi ‘O mistério da vida’, desenvolvido pela União da Ilha do Governador em 2011 e no qual a escola procurou retratar aspectos da viagem do famoso naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882). No carro abre-alas, aparecem diversos crânios de dinossauros, mostrando claramente que qualquer tema que envolva a evolução passa pela pesquisa dos fósseis. E esse enredo ainda trouxe muitos outros elementos associados aos fósseis.
O mais badalado carnavalesco da atualidade, Paulo Barros, é outro que usou fósseis em alguns dos temas desenvolvidos para a escola de samba Unidos da Tijuca. Entre as fantasias mais interessantes estão os dinossauros que apareceram em diversas alas do enredo ‘Esta noite levarei sua alma’, desenvolvido em 2011. A azul-e-amarelo ficou com o vice-campeonato daquele ano – muitos acharam, inclusive, que ela merecia a primeira colocação.
Outra escola de samba que retratou animais extintos em seu desfile foi a Acadêmicos do Grande Rio no enredo ‘Do verde de Coari, vem meu gás, Sapucaí’, de 2008. A agremiação de Duque de Caxias enfocou desde o início do universo até a exploração de gás natural, que trouxe iluminação para as cidades.
A era dos dinossauros, com seus répteis gigantes, foi retratada como a origem do gás e do petróleo, embora do ponto de vista científico não seja bem assim. Hoje sabemos que os organismos que mais forneceram matéria orgânica para a formação do petróleo foram os microrganismos marinhos. Um detalhe que não tira o mérito da escola de samba ao enfocar essa temática.
Museu Nacional como enredo
Não apenas nos desfiles das principais escolas de samba aparecem os fósseis. Em 2008, a escola de samba Arrastão de Cascadura desenvolveu o enredo ‘Paço de São Cristóvão: do Palácio Real ao Museu Nacional, 200 anos de história’ e conquistou o segundo lugar do grupo C, conseguindo, assim, voltar a desfilar no sambódromo depois de uma longa ausência.
A escola de samba contou com apoio do Museu Nacional/UFRJ, que forneceu não apenas auxílio na pesquisa para o desenvolvimento do enredo, como também algumas peças. Quem disse que museu não dá samba?
Algumas pessoas – incluindo cientistas – têm certas reservas quando temas científicos são apresentados em expressões ou festas populares, entre elas, o carnaval.
As maiores críticas estão sempre vinculadas à precisão científica, uma vez que, na maioria dos casos, não há condições de aprofundar o tema, o que pode levar a interpretações erradas. Dinossauros equivocadamente retratados como a origem das nossas reservas de petróleo são um bom exemplo.
Outra preocupação constante está no risco da banalização de assuntos científicos, o que pode, inclusive, descambar para o deboche. Sem dúvida, um sério risco.
Mas, por outro lado, existe algum assunto sobre o qual não se possa fazer uma boa piada? Políticos, empresários, situações que fogem do cotidiano não são constantemente expostos de forma alternativa? Ainda mais pelo nosso povo, conhecido mundialmente pela sua irreverência!
Pessoalmente, acho ótima a apresentação de assuntos científicos – incluindo o estudo dos fósseis – em manifestações populares como essa maravilhosa festa que é o carnaval. Claro que não é interessante quando um conceito científico é mal desenvolvido – o que poderia ser facilmente evitado com uma consultoria básica, muitas vezes gratuita, dada por pesquisadores, se estes fossem consultados.
De qualquer forma, abordar a ciência em eventos de massa é uma excelente maneira de a população tomar conhecimento – mesmo que superficial – de um tema científico. Além disso, não podemos esquecer que o carnaval é uma festa e não tem que ter (felizmente!) a precisão que os cientistas necessitam no seu trabalho.
Aproveito para agradecer à leitora (e foliã?) Uiara Gomes Cabral pela sugestão do tema desta coluna!
Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
Paleocurtas
As últimas do mundo da paleontologia
(clique nos links sublinhados para mais detalhes)
O 46º Congresso Brasileiro de Geologia será realizado em Santos, São Paulo, de 30 de setembro a 05 de outubro de 2012. Um dos maiores eventos na área das geociências, congregando em torno de 4 mil pesquisadores, o congresso este ano tem como tema central a gestão de recursos naturais como mecanismo para produzir recursos sociais. Mais informações no site do evento.
Tiago Simões (Museu Nacional/UFRJ) acaba de publicar uma nova descrição de Tijubina pontei, um lagarto fóssil encontrado em camadas de 115 milhões de anos no Nordeste brasileiro. Com várias imagens coloridas, o artigo, publicado nos Anais da Academia Brasileira de Ciências, apresenta uma nova diagnose para esse réptil.
Acaba de ser publicado o livro Paleontologia de Vertebrados – Relações entre a América do Sul e a África (editora Interciência). Coordenada pela professora Valéria Gallo (Uerj), a obra, que foi lançada na comemoração do dia do paleontólogo (7 de março), procura apresentar os dados de diferentes grupos de vertebrados fósseis ao longo de sua história evolutiva. Mais informações podem ser obtidas diretamente com a coordenadora, pelo e-mail: galloval@gmail.com.
De 14 a 20 de setembro de 2012 será organizado o 5º Simpósio Internacional sobre Ovos e Embriões de Dinossauros no Museu de História Natural de Zhejiang (Hangzhou, China). O evento tem como objetivo congregar pesquisadores que estão interessados em entender melhor como ocorreu a reprodução em organismos hoje representados por registros fósseis, particularmente os dinossauros. Mais informações pelos e-mails: leetiti@163.com e omeisaurus@hotmail.com.
Luiza Ponciano (Departamento de Geologia/UFRJ) e colegas acabam de publicar uma análise detalhada da formação de um depósito fossilífero de braquiópodos (grupo de animais marinhos com conchas) de cerca de 380 milhões de anos no Piauí. Publicado na prestigiosa revista Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology, o estudo estabelece diferentes modos de preservação do material fóssil, que se formou em um ambiente de mar raso onde houve significativa influência de rios que outrora existiram na região.
Saiu o resultado da nossa enquete sobre a coluna que mais despertou a atenção do leitor durante o ano de 2011. Foram mais de 400 votos e o vencedor, com uma boa margem de diferença, foi o tema ‘Ovos fossilizados de crocodilomorfos’. Em segundo lugar ficou a coluna sobre a possibilidade de estarmos a caminho de uma nova extinção em massa, seguida do texto que aborda a descoberta do dinossauro Pampadromaeus. No ano que vem tem mais!