As mudanças climáticas provocam o crescente deslocamento de populações fugidas da seca, da cheia de rios e do aumento do nível do mar. Segundo estimativas da Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados, existem hoje 50 milhões de migrantes climáticos. E a previsão da organização é de que esse número chegue a 250 milhões até 2050.
Nesse contexto, um grupo internacional de 12 pesquisadores, incluindo brasileiros, propõe, na seção ‘Fórum Político’ da Science desta semana, medidas para um melhor planejamento desses deslocamentos populacionais.
A primeira e principal recomendação do artigo é a criação de um aparato legal internacional que dê suporte ao reassentamento das populações afetadas pelas mudanças climáticas e que garanta o bem estar e os direitos desses migrantes, sejam eles de deslocamento interno, dentro de seus próprios países, ou não.
De acordo com os autores, algumas diretrizes já redigidas – como os Princípios Orientadores Relativos aos Deslocados Internos, adotados pela Comissão de Direitos Humanos da ONU em 1998, e as deliberações sobre mudanças climáticas e deslocamento populacional da Agência de Refugiados da ONU – devem servir de guia para tratar da questão. Entretanto, eles salientam que esses documentos não contêm recomendações concretas sobre o reassentamento das populações afetadas.
“É preciso haver uma guia de planejamento e acompanhamento depois do deslocamento”, diz o principal autor do artigo, o geógrafo Alexander de Sherbinin, da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.
“O reassentamento implica muito mais do que uma simples realocação espacial, é um processo complexo que envolve desafios e riscos como a falta de emprego e de moradia apropriada e possíveis impactos negativos culturais e psicológicos.”
Embora a maior parte das migrações climáticas se dê sem que as pessoas cruzem fronteiras nacionais, já existem populações inteiras sendo removidas de seus países, como é o caso dos moradores das Ilhas Carteret, região autônoma de Papua Nova Guiné.
Estima-se que, em 2015, toda a ilha ficará debaixo d’ água por causa do aumento do nível do mar. Por isso os 2.700 ilhéus começaram, em 2005, a ser levados para a ilha de Bougainville, também na Papua.
Outra recomendação de Sherbinin e seus colegas é que, durante processos de reassentamento como esse, as autoridades responsáveis incentivem o envolvimento das comunidades deslocadas nas tomadas de decisão relacionadas ao processo e haja respeito às diferenças culturais.
“Embora a reconstrução das moradias seja possível e possa até ser feita de modo melhor do que a de origem dos deslocados, podem existir problemas culturais”, diz o artigo. “O sucesso de um reassentamento não depende só de questões econômicas […], é preciso cuidado para que a população não seja reassentada em áreas com antagonismo étnico prévio.”
Ainda oficialmente inexistentes
Além de uma política internacional para os reassentamentos, os pesquisadores ressaltam a importância do reconhecimento oficial da categoria de refugiado climático. Atualmente, só é considerado refugiado pela ONU aquele que é obrigado a deixar seu país devido a perseguições políticas, conflitos armados, violência generalizada ou violação massiva dos direitos humanos. Os afetados pelas mudanças climáticas não se enquadram como tal.
“Essas populações não têm um status legal e não são protegidas por nenhuma lei internacional específica”, afirma outra autora do artigo, a brasileira Márcia Castro, professora de demografia na Universidade Harvard, nos Estados Unidos. “A criação do status legal é necessária, mas demanda uma definição clara das situações que poderiam tornar indivíduos elegíveis a essa condição.”
A criação da categoria oficial de migrante climático foi um dos assuntos discutidos na última Conferência do Clima da ONU (COP-16), em Cancún. Desde então, pesquisadores e cientistas políticos continuam pedindo o reconhecimento à ONU.
Enquanto isso não acontece, os autores do artigo apontam como alternativa os vistos temporários, como os concedidos pelos Estados Unidos às vítimas do terremoto de 2010 no Haiti.
No entanto, os autores ressaltam que o reassentamento em outros países deve ser a última opção, tomada somente se não houver outra escolha ou possibilidade de adaptação.
“Um deslocamento em massa para outro país tem o potencial de gerar conflitos, além de ser uma ação que pode resultar em situações precárias, com implicações sociais e ambientais”, pondera Castro.
A pesquisadora e os demais autores do artigo da Science apontam ainda que os estudos sobre as ações de reassentamento de populações e comunidades afetadas pelas mudanças climáticas são poucos e pretendem publicar novos trabalhos sobre o assunto.
“Nós esperamos que esse artigo seja o primeiro de uma série de estudos que pretendemos organizar a fim de dar mais visibilidade ao tema dos deslocamentos populacionais em função de mudanças climáticas e de gerar evidências científicas para o eficaz planejamento de reassentamentos futuros.”
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line