100 anos do mal de Alzheimer

 



Célula nervosa ‘atacada’ pelas toxinas (pontos verdes) presentes nos cérebros de pacientes com a doença de Alzheimer.

Em todo o mundo, o centenário da descoberta da doença de Alzheimer – relatada pela primeira vez em 1906 – foi marcado pela realização de simpósios e congressos, em que médicos e cientistas se dedicaram a discutir os progressos já atingidos na luta contra esse mal. Por um lado, há fortes razões para comemorar, devido aos rápidos avanços que têm sido obtidos, especialmente nos últimos 20 anos, no entendimento dos mecanismos moleculares envolvidos no desenvolvimento da doença e na perda de função das células nervosas. Entretanto, mesmo com todos os estudos que já foram feitos no mundo, ainda não dispomos de nenhum teste diagnóstico efetivo e, pior ainda, nenhum tratamento eficaz e clinicamente aprovado para o tratamento da doença.

Essa constatação ressalta um fato bem conhecido entre os pesquisadores: como se trata de uma doença muito complexa, que afeta justamente o mais complexo órgão do ser humano – o cérebro –, serão necessárias ainda muitas pesquisas para que possamos conhecer suficientemente bem todos os processos e todos os agentes envolvidos na doença a ponto de desenvolver tratamentos efetivos que possam impedir o seu desenvolvimento, ou mesmo curá-la. 

O primeiro diagnóstico
No dia 3 de novembro de 1906, na pequena cidade de Tubingen (Alemanha), o neurologista alemão Alois Alzheimer (1864-1915) apresentou pela primeira vez a colegas reunidos em um simpósio o relato do caso de sua paciente Auguste D. (foto), internada com sintomas de doença mental grave no asilo de Frankfurt (Alemanha). A paciente fora internada em 1902 com um quadro clínico que incluía agitação, delírios e uma séria deficiência na capacidade de aprender e de formar novas memórias. O quadro da paciente evoluiu, com perda cada vez maior de memória e vários outros distúrbios psiquiátricos, culminando com sua morte em abril de 1906. Além do acompanhamento clínico do caso, Alzheimer também examinou o cérebro da paciente após sua morte, e constatou a presença de lesões anormais, que possivelmente estariam levando à perda de função ou à morte das células nervosas e ao quadro clínico complexo da enfermidade, que ficou conhecida como doença de Alzheimer.Outro fato bem conhecido é que pesquisas desse tipo levam tempo e não são baratas. Em especial, estudos voltados para o entendimento da perda de função do sistema nervoso requerem reagentes e infra-estrutura sofisticados e caros.

Questão de saúde pública
Estima-se hoje que a doença de Alzheimer afete cerca de 25 milhões de pessoas em todo o mundo. Nos Estados Unidos, onde as estatísticas acerca da doença são bem conhecidas, há 4,5 milhões de pacientes, que representam um custo total estimado de 100 bilhões de dólares ao ano, considerando despesas com o tratamento dos pacientes e outras perdas econômicas associadas. No Brasil, os dados sobre a incidência da doença são menos precisos, mas alguns estudos epidemiológicos permitem estimar que existam entre 800 mil e 1,5 milhão de indivíduos afetados.

A doença de Alzheimer é, na grande maioria dos casos, uma doença associada ao envelhecimento: a incidência da doença aumenta de um em cada dez indivíduos aos 65 anos para um em cada dois ou três indivíduos aos 85 anos de idade. Considerando que a população brasileira está em um processo rápido de envelhecimento, pode-se prever que a doença de Alzheimer venha a se tornar um grave problema de saúde pública no Brasil na próxima década.

Esforços crescentes  

Dr. Alois Alzheimer, neurologista alemão que fez o primeiro diagnóstico da doença que leva seu nome.

Temos assistido a um crescente investimento mundial, por parte de agências governamentais e de várias fundações e organizações filantrópicas, na pesquisa da doença de Alzheimer. Isso tem permitido o crescimento acelerado do número de pesquisadores que se dedicam a estudar essa doença, o que levou a novas e notáveis descobertas na área nos últimos anos.

No Brasil, ao contrário, há poucos pesquisadores que se dedicam a essa doença. Em grande parte, isso se deve à falta de apoio financeiro significativo e continuado às pesquisas. Mesmo assim, os poucos cientistas atuantes nessa área no Brasil vêm dando contribuições importantes, seja no entendimento dos mecanismos moleculares da doença, seja na proposição de alternativas inovadoras para o tratamento da enfermidade no futuro.

Como vemos em tantas outras áreas da ciência brasileira, a falta de recursos tem sido, em parte, compensada pela criatividade dos pesquisadores brasileiros. No entanto, se quisermos um futuro no qual a doença de Alzheimer não seja uma sombra a perseguir nossos idosos, é essencial que criemos agora os mecanismos, tanto na esfera governamental quanto na iniciativa privada, para apoiar as pesquisas brasileiras nessa área. Com o investimento adequado, esperamos que não sejam necessários outros cem anos para que o mal de Alzheimer deixe de ser uma doença incurável. 

Sergio T. Ferreira e
Fernanda G. De Felice
Instituto de Bioquímica Médica,
Universidade Federal do Rio de Janeiro
27/12/2006