A ciência do palavrão

 

“Seu f.d.p. , você conseguiu sair com a mulher mais bonita da turma!” “Amor, onde você colocou a p**** da chave?” “Esse jogo é bom pra c****** !” “Ganhamos de novo! Nosso time é f*** !” Os trechos em itálico são considerados palavrões. Mas poderiam ser interpretados como insultos? Se analisados no contexto em que são enunciados, exemplos como esses mostram que nem sempre acertamos ao classificar o emprego dos palavrões como exclusivamente ofensivo: ao contrário, em muitos casos são usados para demonstrar carinho ou marcar proximidade entre amigos.

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Determinar o que pode ser considerado um insulto é um dos objetivos de pesquisadores franceses, que formaram em 2001 um grupo multidisciplinar de estudo para investigar o uso dos palavrões. Em março, o grupo se reuniu na Universidade da Savóia, em Chambéry (França), em um colóquio internacional que contou com cientistas de centros de pesquisa da Inglaterra, Bélgica e Canadá. O tema foi abordado sob diferentes óticas: etnológica, semântica, pragmática e jurídica. “A proposta era possibilitar um diálogo entre especialistas de diferentes áreas sobre o tema, ainda pouco explorado nas ciências da linguagem”, afirma a coordenadora do projeto, a lingüista Dominique Lagorgette.

O grupo parte do princípio de que a palavra por si só não basta para configurar a agressão verbal. Fatores como a intenção e entonação de quem fala, a reação e interpretação do ouvinte e o contexto (meio, idade, classe social ou sexo dos envolvidos) devem ser levados em conta quando se dimensiona o sentido de um insulto.

Os pesquisadores recorreram a fragmentos de textos literários, artigos de jornais e revistas, letras de músicas atuais, bate-papos da internet e depoimentos de estudantes a fim de destacar os elementos mais recorrentes na linguagem coloquial francesa. A partir daí, classificaram o ato de insultar em três categorias: ‘pessoal’, que objetiva agredir o outro; ‘ritual’, que mostra virtuosidade, sem intenção de magoar o próximo; e ‘solidário’, que marca proximidade entre indivíduos.

Os insultos solidários são o tema de um estudo específico conduzido por Lagorgette. Segundo a pesquisadora, eles são definidos principalmente por três fatores: por elementos faciais e gestos que indicam a boa disposição do locutor (risos, apertos de mão, abraços), pela reação do receptor, que responde positivamente ao apelo pejorativo do outro, e pelo contexto da enunciação, que não deixa transparecer qualquer tensão durante o diálogo.

Mas por que xingar para demonstrar proximidade entre pessoas íntimas? A lingüista tem uma hipótese: ela atribui esse uso do insulto ao fato de se tratar de uma forma de violência verbal que, como toda manifestação extremada, é mais marcante que qualquer outro elemento lingüístico. Seria então um meio eficiente de chamar a atenção do próximo e não propriamente um insulto. “O emprego de palavrões mostra que no contexto amigável tudo é permitido”, disse ela à CH on-line .

Maria Ganem
Ciência Hoje on-line
16/05/03